O medo venceu a ideologia. Tardia e encabuladamente, sem dar
explicações, o governo Dilma curvou-se ao imperativo de um ajuste econômico.
Não se trata, é claro, de súbita conversão à racionalidade, mas de estratégia
calculada. O que está em jogo é um projeto de poder: aceitar o ônus temporário
de um "freio de arrumação" para colher o bônus de um ciclo
econômico-eleitoral favorável na parte final do mandato.
Quais as chances de sucesso da operação? Em condições
normais, o ajuste requerido não seria nenhum bicho de sete cabeças. Em dois
episódios recentes –nos inícios de FHC 2 e Lula 1–, o Brasil passou por
experiências semelhantes e os resultados foram positivos. Restaurado o
horizonte de confiança, o setor privado se animou a investir e o crescimento
reagiu.
Ocorre, porém, que as condições para um ajuste bem-sucedido
agora são tudo menos normais. O desafio de Dilma 2 revela-se bem mais árduo,
complexo e arriscado que nos ajustes anteriores. Os principais obstáculos são:
1) O legado macro de Dilma 1: economia parada, investimentos
em queda, inflação no teto, juros em alta, real sobrevalorizado, deficit
externo elevado. O imbróglio fiscal é pior do que parece. Mesmo que as metas de
superavit primário venham a ser cumpridas, o que é duvidoso devido à rigidez
dos gastos e tamanho da carga tributária, será preciso lidar com os "esqueletos"
e restaurar a boa-fé nas contas públicas (só os "restos a pagar", por
exemplo, acumulam R$ 89,7 bilhões ou 2% do PIB).
2) O ajuste macro não basta. O ativismo micro de Dilma 1 fez
cair o investimento e gerou sérias distorções alocativas. Para voltar a crescer,
será preciso uma nova agenda de reformas baseada no princípio da
horizontalidade e visando a melhoria do ambiente de negócios. A resistência ao
desmonte das benesses estatais –"operação desmame"– será enorme.
Petróleo e setor elétrico, falido, são capítulos à parte.
3) Ambiente externo adverso. Incrementar as exportações
seria o caminho natural da retomada, mas a queda do preço das commodities, a
subida dos juros americanos, China em desaceleração e Argentina no caos
restringem essa alternativa.
4) Fraqueza política. Ao renegar as promessas de uma
campanha polarizada, Dilma 2 queimou parte do seu capital político. Como a
votação da LDO evidencia, o governo nasce acuado e anêmico –base esgarçada,
PMDB assanhado. A radiação do petrolão –reforçada pela investigação da Justiça
dos EUA– e os custos incontornáveis do ajuste deverão enfraquecê-lo ainda mais.
Lula 1 preparou o terreno para as conquistas sociais de Lula
2. O desafio de Dilma 2 será impedir que o desastre de Dilma 1 sepulte esses
avanços –e Lula 3 junto.
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