Da coluna Mônica Bergamo
"As pessoas vão saber quem é a Janja, essa garota
feliz, de bem com todo mundo, de coração lindo, que ajudava a todos. E que foi
atrás de um sonho e de um amor em que se jogou por completo." É assim que
Rosane Malta, ex-Collor, refere-se a si mesma, usando o apelido de infância,
para explicar a motivação de escrever a biografia "Tudo o que Vi e
Vivi" (ed. Leya).
No livro de 222 páginas, que será lançado em Maceió no dia
4, ela narra a trajetória que a levou do sertão alagoano a Brasília, como a
primeira-dama mais jovem que o país já teve. O "conto de fadas"
começa em Canapi, sua cidade natal, onde Fernando Collor, então prefeito de
Maceió, disse à debutante Rosane que era seu príncipe e "iriam se casar um
dia".
Ficaram casados 22 anos, período em que ela viu e viveu a
vertiginosa ascensão e queda do político. Rosane escolheu a descida da rampa do
Palácio do Planalto em 2 de outubro de 1992, de mãos dadas com o marido, para
abrir o livro. "Levante a cabeça. Seja forte", escreve ela, sobre o
diálogo, quando Collor saía de cena, após a abertura do processo de
impeachment.
O casal passou por várias provas. A primeira foi na lua de
mel. A noiva dividiu o marido com amigos (o empresário Paulo Octavio e o
empreiteiro Luiz Salles, da OAS, com as respectivas mulheres), convidados por
Collor para acompanhá-los à Argentina.
Rosane relata rusgas com a cunhada, Thereza, casada com
Pedro Collor, pivô das acusações que levaram à perda do mandato presidencial.
"Acredito na tese de que os dois tiveram algo antes do meu casamento.
Também não duvido que tenha sido por Thereza, por essa obsessão que ela tinha
pelo cunhado, que Pedro resolveu destruir o próprio irmão." Os advogados
de Collor dizem que ainda não vão se manifestar sobre o conteúdo da biografia.
Já Thereza diz que Rosane "é desacreditada e terá de provar na Justiça o
que escreveu".
Foi o pai de Thereza, o usineiro João Lyra, que fez de PC
Farias tesoureiro de campanha de Collor. Na função, ele reclamava dos
"gastos da madame". Rosane diz que "não fazia ideia de que PC
pagava as contas". "É claro que estava gastando mais! Uma
primeira-dama do país gasta mais do que todas as outras!"
As críticas aparecem ao lado de elogios de Fidel Castro
("Esse presidente do Brasil é esperto. Arrumou uma esposa novinha e
linda") e da princesa Diana. As duas se conheceram na entronização do
imperador Akihito do Japão. "Ela é a mulher mais bonita da festa",
teria dito Diana a Collor. A lua de mel no poder acabou com a crise por ela ter
assumido a presidência da Legião Brasileira de Assistência.
Collor a confrontou: "Vieram me dizer que você está
tendo caso. Pior: que você está grávida do seu amante". Ela teria
respondido: "Já sei. O Luiz Mário [então chefe do cerimonial do governo do
Distrito Federal]... Eu lá tenho chance de ter um caso? Sou vigiada 24 horas
por dia".
O casamento passaria ainda por outros abalos. "Meu
irmão caçula era danadinho", escreve Rosane, sobre Joãosinho Malta, que,
aos 15 anos, matou um adversário político no interior de Alagoas. Aprontaria de
novo ao atirar em um sujeito que falou mal da irmã, então primeira-dama do
país.
O casal se unia em torno de rituais de magia negra. Rosane
descreve o "trabalho" encomendado por Collor a uma mãe de santo
alagoana para que o apresentador Silvio Santos não fosse seu concorrente à
Presidência. "Consistia em colocar uma espécie de amuleto, que chamam de
azougue, dentro da boca de sete defuntos recém-enterrados."
Animais eram sacrificados na Casa da Dinda. "Quando
tudo acabava, ficava uma sujeira danada, sangue espalhado." Os jardins da
residência presidencial foram motivo de escândalo na CPI do PC. "Havia uma
cascata na piscina? Havia uma biquinha, uma coisa simples que colocamos ali e
onde gostávamos de molhar a cabeça", escreve Rosane.
Tragado por denúncias de corrupção, Collor perde o mandato e
Rosane se mostra uma companheira fiel no impeachment e diante das
"maldições" dele decorrentes. Uma delas foi a morte de Pedro Collor,
vítima de um câncer agressivo no cérebro.
O livro mostra os altos e baixos financeiros do casal. No
exílio dourado em Miami, ela circulava em um Porsche. "E qual é o
problema? Ter um Porsche no Brasil é difícil e caro, mas em Miami?! Qualquer um
tem." Quando Collor vendeu a mansão de Miami, abriu uma crise conjugal,
pois teria combinado de dar metade do dinheiro para Rosane. "Ele passou a
perna em mim sem pudores." Tempos depois, Collor teria vendido também uma
casa de praia para "pagar a fatura do cartão de crédito", diz ela.
E os mais de US$ 50 milhões das sobras de campanha
movimentadas por PC Farias? Rosane dedica ao tema o capítulo "Para Onde
Foi Tanto Dinheiro?". Reproduz um diálogo dela com Collor, no qual ele
reclama de Augusto Farias, irmão de PC, que estaria criando dificuldades para
acessar a bolada. E conclui: "Desde que reatou com Augusto, o patrimônio
de Fernando aumentou muito, e a única explicação plausível é que ele passou a
ter acesso à tal conta no exterior que o irmão de PC estava barrando".
Ela elenca sinais exteriores de riqueza do ex-marido, como
automóveis esportivos das marcas Ferrari e Maserati. "Só os lucros de suas
empresas e o salário de senador não seriam capazes de alavancar o seu padrão de
vida." Em Maceió, diz ela, o ex teria oito ou nove carros. "Entre os
quais um Porsche zerinho. Tem carro para ele, os filhos, o papagaio, o
periquito." No divórcio, ela não teve direito a bens, por ter se casado em
regime de separação total. "É justo viver 22 anos com uma pessoa,
construir patrimônio e sair sem nada?"
Rosane diz que encontrou paz ao virar evangélica. A fé a
teria ajudado a superar a depressão, que começou com um aborto de uma gravidez
de gêmeos, após tratamento com Roger Abdelmassih, então maior especialista em
reprodução assistida do país, hoje condenado a 181 anos de prisão por crimes
sexuais contra pacientes. "Doutor Roger era nosso amigo."
Apesar de ter passado por uma sequência de perdas -a morte
dos dois irmãos, vítimas de diabetes, da mãe e do pai-, ela se considera
"poupada" do mal que abateu os que cercaram Collor em seus anos de
glória e queda. "O mais interessante é que, tanto eu como a mãe de santo
[Cecília], aceitamos Jesus e nos afastamos completamente da magia negra...
Fomos as únicas que escapamos da tal 'maldição do impeachment'."
Pode não escapar de responder na Justiça por trechos
polêmicos da biografia. "Não tenho medo de processo. Falei o que eu vi e
vivi. Posso garantir que fui branda. Tem muitas coisas que ainda não
contei." E avisa: "Pretendo escrever um segundo livro".
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