De 2011 a 2014, a presidenta Dilma Rousseff incorporou 2,9
milhões de hectares à área de assentamentos e beneficiou 107,4 mil famílias
sem-terra, segundo o mais recente balanço do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária, divulgado na quarta-feira 7. É a menor média anual de
assentamentos desde o governo Fernando Henrique Cardoso. A petista distribuiu
terras a 26,8 mil famílias a cada ano, contra 76,7 mil no período Lula e 67,5
mil nos dois mandatos do tucano.
Apesar do incremento de programas sociais no campo e dos
investimentos em assistência técnica, os movimentos rurais queixam-se do baixo
ritmo de desapropriações e da manutenção da secular estrutura agrícola, baseada
no latifúndio e na monocultura voltada para a exportação. Enquanto isso, 120
mil famílias permanecem acampadas à espera da reforma agrária.
Devem perder a esperança? Sim, se depender da nova ministra
da Agricultura, Kátia Abreu, uma escolha pessoal de Dilma. Em seu discurso de
posse, a ruralista chegou ao cúmulo de negar a existência de latifúndios no
País. Por consequência, defendeu uma desaceleração ainda maior no programa de
reforma agrária. “Ele tem de ser pontual, para os vocacionados. E se o governo
tiver dinheiro não só para dar terra, mas garantir a estrutura e a qualidade
dos assentamentos. Latifúndio não existe mais.”
Escalado para fazer o contraponto a Kátia Abreu neste novo
governo, Patrus Ananias, agora ministro do Desenvolvimento Agrário, foi
obrigado a rebater a colega logo em seu primeiro pronunciamento oficial, durante
a posse. “Ignorar ou negar a existência das desigualdades e injustiças é uma
forma de perpetuá-las. Não basta derrubar a cerca dos latifúndios, é preciso
derrubar também as cercas que nos limitam a uma visão individualista e
excludente do processo social.”
Os números oficiais revelam a dimensão do lapso da ministra.
O Brasil possui cerca de 130,3 mil latifúndios ou grandes propriedades rurais,
que concentram uma área superior a 244,7 milhões de hectares. O tamanho médio é
de 1,8 milhão de hectares (ou 18 mil quilômetros quadrados). Ou seja, 2,3% dos
proprietários concentram 47,2% de toda área disponível à agricultura no País.
Os números foram atualizados no fim de 2014 e constam na base do Cadastro de
Imóveis Rurais do Incra. Referem-se apenas aos imóveis rurais privados,
excluídas da soma as terras públicas ou devolutas.
Um estudo da Associação Brasileira da Reforma Agrária estima
que ao menos metade dessas grandes propriedades são improdutivas. Além disso,
há tempos os movimentos sociais reivindicam a atualização dos índices de
produtividade da terra, um dos principais critérios utilizados na
desapropriação de áreas para novos assentamentos. “O problema é que esses
índices estão baseados no Censo Agropecuário de 1975”, explica o engenheiro
agrônomo Gerson Teixeira, presidente da Abra. “Utilizam-se os mesmos parâmetros
de 40 anos atrás, sem levar em conta a gigantesca evolução tecnológica ocorrida
no campo nesse período.”
Dados compilados pela Companhia Nacional de Abastecimento
comprovam o progresso mencionado por Teixeira. A produtividade de algumas
culturas mais do que triplicou nas últimas quatro décadas. Na safra de 1976/77,
o Brasil produziu 1.501 quilos de arroz ou 1.632 quilos de milho por hectare.
Em 2013/14, a colheita rendeu mais de 5 mil quilos dos mesmos produtos por
hectare. Segundo um estudo do Ipea, o índice de produtividade agrícola
brasileiro multiplicou-se em 3,7 vezes de 1975 a 2010, quase o dobro do
crescimento observado nos EUA. Esse incremento corresponde a um avanço médio
anual de 3,6% ao longo dos 35 anos considerados na pesquisa.
Patrus promete revisar esses índices e encampar um debate
público sobre a função social da terra. Não é a primeira vez que o Executivo
estimula a discussão. Em diferentes momentos, o governo Lula propôs a atualização
dos indicadores, mas cedeu às pressões da bancada ruralista no Congresso. No
primeiro mandato, Dilma evitou a arenga. Agora, os movimentos sociais renovam
as esperanças de uma efetiva redistribuição de terras.
“A correlação de forças no Congresso não é das melhores e a
presença no governo de uma latifundiária, como Kátia Abreu, desanima. Mas o
discurso de Patrus indica uma nova orientação política, que pode acelerar os
processos de desapropriação de terras”, afirma Alexandre Conceição, da coordenação
nacional do MST. “É possível assentar ao menos 50 mil famílias a cada ano.”
Embora necessária, a atualização dos defasados índices de
produtividade agrícola deve encontrar forte resistência dos representantes do
agronegócio. Um levantamento preliminar do Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar indica a presença de ao menos 139 ruralistas na Câmara
dos Deputados a partir de 2015. A Frente Parlamentar da Agropecuária, por sua
vez, garante ter uma base de apoio ainda maior: cerca de 250 deputados e 16
senadores.
Na avaliação do economista Bastiaan Reydon, professor da
Unicamp e consultor do Banco Mundial, o maior desafio do governo é conhecer
melhor sua situação fundiária e reforçar o combate à especulação com terras.
“Enquanto Napoleão fez o cadastramento de todos os imóveis rurais da França no
início do século XIX, o Brasil ainda não concluiu o seu mapeamento”, alerta.
“Hoje, mesmo quem não tem lucros expressivos com a agropecuária prefere ficar
na terra, pois sabe que ela se valorizará com o tempo. Pela atual legislação,
um latifúndio improdutivo deveria pagar cerca de 20% de seu valor em impostos
por ano. Em cinco anos, o especulador perderia o imóvel. Mas o governo nem
sequer conhece com exatidão os proprietários de todas as terras. Apenas 64% do
território nacional está georreferenciado.”
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