Por Ruth de Aquino, Época
A posse de Dilma Rousseff e seu megaministério medíocre
quase passaria em branco ou “nude” (cor da pele) se não fosse a histeria em
torno do vestido de renda da presidente e sua falta natural de elegância.
Primeiro, veio o humor. Comparava-se o vestido de Dilma a toalhas rendadas de
mesa artesanais e regionais. Comentou-se sua escolha inadequada de vestuário. E
também seu andar desajeitado. Até aí, era a irreverência normal das redes.
Uma irreverência útil a Dilma, pois tirava o foco de um
bando de 39 ministros – a maioria inexpressivos, alguns com passado nebuloso e
condenável –, escolhidos a dedo para compor o toma lá dá cá indecoroso de
Brasília. Uma irreverência que nunca atingiu a presidente. Ao contrário. O
folclore e a sátira são absorvidos por qualquer líder minimamente inteligente.
Dilma adora o blogueiro criador da Dilma Bolada – sabe, aquela personagem que
fala palavrões pesados a torto e a direito. Cx?%&*alho, P x?%&*rra. Dilma
nunca ficou bolada. Tudo estava dentro do roteiro, menos, claro, o vestido de
pamonha da Kátia Abreu.
De repente, a patrulha fundamentalista petista armou-se de
Kalashnikovs e passou a fuzilar grosseiramente quem fizera troça do “vestido da
presidenta”. Os maiores alvos foram as colunistas mulheres. São mulheres fúteis
que “internalizaram o machismo”. Que odeiam mulheres no poder e, por isso, se
comportam como os piores machos da espécie. Só não acho uma tolice essa reação
desproporcional e rude porque ela é, na verdade, um perigo. A censura contra o
humor e a liberdade de expressão começa assim.
Para alguns fanáticos da estrela vermelha, Dilma é como
Maomé. Intocável. Irrepreensível. Acima do bem e do mal. Nem ela se acha assim.
O episódio do vestido de renda revelou que querem transformar Dilma em Evita, a
santa. Na Argentina, Cristina Kirchner é muito mais visada por cartunistas e
humoristas. E também os kirchneristas acusam de machistas as mulheres
jornalistas que ousam criticar a maquiagem medonha de “la presidenta”.
Aqui, em minha coluna, já critiquei o Botox exagerado de
Aécio Neves, o implante capilar do presidente do Senado, Renan Calheiros, o
cabelo precocemente acaju do imperador do Maranhão José Sarney, a barriga
pronunciada que quase arrebenta os botões dos ternos dos parlamentares, a
deselegância de muitos. Ninguém me chamou de machista. Mas, se eu falar do
cabelo armado Mao Tsé-tung de Dilma, serei machista, porque sou mulher, ela é
mulher e, portanto, somos “sisters”. Não, não somos sisters. Somos pessoas. No
caso de Dilma, além de machista serei fascista e fútil, uma combinação
inacreditável.
As mais ofendidas foram duas jornalistas, Cora Rónai e
Miriam Leitão. Não recebi procuração de nenhuma das duas para defendê-las, elas
não precisam, até porque o lixo histérico nas redes, destituído de humor ou
sutileza, era tão malcheiroso que só poderia depor contra os irados. O
besteirol se revestiu de um tom mais sério e perigoso quando um teólogo,
Leonardo Boff, que sempre admirei, publicou em seu perfil no Twitter: “Se
Miriam Leitão e Cora Rónai se olhassem no espelho, teriam mil razões para não
falar mal da roupa e do estilo da Presidenta”.
Primeiro, duvidei que fosse ele, há tanta mentira na
internet. Achei que o teólogo tivesse contratado um estagiário que escrevera
asneiras em seu nome. Mas, depois, percebi que Leonardo Boff tinha ficado
pessoalmente ofendido com as críticas ao visual “nude” de Dilma. E Boff diz:
“Há 30 anos me ocupo com a questão de gênero”. Ora, Boff, questão de gênero é constatar
que as mulheres ainda são discriminadas por ganhar menos, por não dispor das
creches prometidas e por morrer em clínicas clandestinas de aborto. Outra de
Boff: “Causa-me espanto que mulheres jornalistas se rebaixem tanto e percam a
compostura ao fazer críticas das roupas da Presidenta”. O teólogo acha
condenável “desrespeitar assim a Presidenta”. Nem com lupa enxerguei
desrespeito – nada diferente do que se faz normalmente com líderes homens, no
Brasil e no exterior.
É possível criticar porque estamos numa democracia. E as
críticas a um líder nacional ou internacional, que envolvam discurso,
comportamento dentro e fora do Palácio, escolha de equipe ou aparência, não
podem ser consideradas um desrespeito. A não ser em ditaduras de qualquer
coloração, onde o Grande Líder jamais pode ser contestado. No Brasil, diz Cora,
“querem blindar Dilma porque é mulher, avó, tem 67 anos, como se estivéssemos
falando de Dona Benta ou Tia Nastácia e não de uma das pessoas mais poderosas
do país”.
Até o humor passa a ser uma ameaça. O limite para o humor
nós presenciamos dolorosamente em Paris. Já tem gente engajada dizendo nas
redes: “Quem mandou o Charlie Hebdo desrespeitar o profeta?”.
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