Artigo de Marina Silva
Os indícios preocupantes que já anunciavam um segundo
mandato da presidente Dilma ainda mais divorciado das necessidades reais do
Brasil e do povo brasileiro, infelizmente, já estão se confirmando – e por suas
próprias palavras e ações. O discurso de posse, a escolha de alguns ministros,
as primeiras medidas tomadas ou anunciadas, tudo transmite contradição,
ausência de sentido e a noção de um grande equívoco. Quem esperava o programa
de governo, que não foi apresentado na campanha, ou diretrizes claras para a
solução dos problemas mais evidentes, ou pelo menos explicações sobre as
anunciadas novas ideias do governo novo, frustrou-se com uma retórica vazia,
destinada a isentar-se das responsabilidades e lançar uma cortina de fumaça
sobre o passado e a origem dos problemas atuais do país. Dele ficou longe a
marca da estadista, capaz de dialogar com os temores e anseios dos brasileiros;
contentou-se em repetir a retórica marqueteira que a ninguém inspira segurança.
Os analistas dissecaram o discurso em vão, sem encontrar
conteúdo sólido. A educação, considerada finalmente apta a figurar no slogan do
governo, é a primeira vítima da retórica: o problema é a qualidade, a resposta
da presidente é mais quantidade e a repetição de programas que “deram certo”,
embora não se tenha avaliação profunda e continuada, apenas o ufanismo de
números formatados pela propaganda. Sobre o problema evidente da corrupção, nem
lembrança da regulamentação da lei para combatê-la – que aniversariou na gaveta
da Casa Civil –, mas a promessa de cinco medidas vagas (outro “pacto” com cinco
medidas!) a serem enviadas ao Congresso nos próximos meses. Após aprovadas,
certamente dormirão por tempo indeterminado na atulhada gaveta da regulamentação.
Não vale a pena listar cada setor e o texto publicitário que
o distingue no discurso da presidente e nas declarações superficiais e
desinformadas de alguns de seus novos ministros desconhecidos e
desconhecedores. Afinal, discurso e ministério, planos e explicações, tudo se
resume à “governabilidade” e aos votos no Congresso. E se o ministro Mercadante
diz que o candidato em 2018 é o Lula, então está pronto o roteiro, cada um tem
sua fala, é só decorar e repeti-la mesmo quando desvinculada de qualquer nexo
com a realidade.
Nenhuma palavra sobre índios ou quilombolas, nada de reforma
agrária. Quando se refere a meio ambiente, usa como exemplo de sucesso de seu
governo os resultados de planos feitos e implementados em gestões anteriores.
Ao mencionar o grave problema das mudanças climáticas, sem qualificar os
grandes desafios que o problema suscita, limita-se a dizer que vai defender “os
interesses do Brasil” nas negociações de 2015, em Paris. Que tipo de
interesses? Recuperar o protagonismo que o Brasil já teve em governos
anteriores, que o levou a ser o primeiro país de economia emergente a assumir
compromisso de redução de CO2 (Copenhague, 2009)? Duvida-se: a medir pelas
posições de seu ministro de Ciência e Tecnologia, que faz coro com os “céticos”
na negação do aquecimento global, trata-se do duvidoso interesse em liderar o
atraso, como já o fez na Rio+20.
A “pátria educadora” da presidente Dilma ainda está longe de
educar pelo exemplo: os pedaços do Estado, mais uma vez, foram repartidos entre
os aliados, em muito casos em prejuízo do país. Deseduca também pela
incoerência entre o que se diz para ganhar a eleição e o que se faz na hora de
governar. A sociedade educa melhor na transparência da democracia, quando está
informada para acompanhar e fiscalizar os ditos e feitos do governo.
Nós, brasileiros, sempre guardamos, no fundo de nossas
almas, ao menos o resquício de uma crença no futuro. O segundo mandato da
presidente Dilma se inicia gastando o terceiro “volume morto” de nossa reserva
de esperança.
Resta, entretanto, lembrar que a educação é a arte da
persistência e – mesmo com perspectivas tão adversas – retomar e tornar
permanente a lição deixada como despedida por Eduardo Campos no ano passado:
não desistir do Brasil.
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