O Distrito Federal sempre foi referência de bons serviços
públicos na comparação com o resto do país. A explicação é evidente: por sediar
os três Poderes da República, a capital recebe um gordo auxílio do Fundo
Constitucional. Os salários da segurança – e parte dos da saúde e educação –
são pagos pela União. O governo local arrecada todos os impostos que, no resto
do país, se dividem entre autoridades municipais e estaduais, além de embolsar
ao mesmo tempo recursos do Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios.
A economia brasiliense, movimentada pelos salários dos servidores públicos, tem
uma arrecadação alta e baixos níveis de desemprego. A renda per capita é a
maior do país.
Por isso, o recém-empossado governador Rodrigo Rollemberg
(PSB) não esperava que, em vez de anunciar o início de programas de governo ou
de grandes obras, tivesse de gastar todas as energias do começo de mandato para
cortar gastos e cancelar investimentos. Mas é só o que ele tem feito desde que
assumiu o cargo, em um esforço para amenizar a profunda crise financeira na
qual o ex-governador Agnelo Queiroz (PT) jogou o Distrito Federal.
Há três semanas, o governo anunciou um pacote de 21 medidas
que incluem aumento de ICMS sobre a gasolina, revisão da tabela do IPTU e o fim
da isenção de IPVA para carros zero. O governo promete extinguir 60% dos cargos
comissionados, os secretários andarão em carros populares e nenhuma obra de
peso será iniciada num horizonte próximo. Antes disso, o governo já havia
anunciado um inédito parcelamento dos salários dos servidores. É isso mesmo: na
rica capital do país, falta dinheiro para a folha de pagamento. "Não há
condição de pagar. Se não parcelarmos, alguém terá que ficar sem receber",
justifica o secretário de Fazenda, Leonardo Colombini.
O pacote anunciado por Rollemberg vai devolver 400 milhões
de reais aos cofres locais em 2015 e outros 800 milhões de reais em 2016. Ainda
é muito pouco para desfazer a herança maldita de Agnelo. A estimativa é de que
o rombo ao final de 2015 seja de 5 bilhões de reais.
As dimensões do desajuste só ficaram mais claras depois das
eleições: o petista teve apenas 20% dos votos e ficou fora até mesmo do segundo
turno. As engrenagens do governo pararam quase simultaneamente. O caso mais
dramático foi o da saúde. A rede pública chegou a ter 215 itens itens em falta,
como medicamentos essenciais, gaze e luvas esterilizadas. Médicos e professores
de creches cruzaram os braços. As empresas de ônibus circulavam de forma
precária, com interrupções frequentes nos serviços. O mato se alastrou pela
cidade, a coleta de lixo chegou a ser suspensa, viaturas ficaram paradas. Tudo
isso porque acabou o dinheiro do governo.
Durante a transição, a equipe de Rollemberg constatou que
Agnelo elevou salários, distribuiu cargos comissionados e inflou contratos de
forma inconsequente, em um último esforço para ganhar popularidade. O novo
governador recebeu o governo com 64 000 reais em caixa para gastar.
Não há solução no curto prazo. A nova gestão considera que,
se ao fim de 2018 as contas mensais deixarem o vermelho, terá sido uma grande
vitória. A prioridade é evitar o colapso total. Alguns dos programas orçados
não têm recursos para chegar até maio.
O descontrole foi tão grande que, no início deste ano, o
Ministério Público do Distrito Federal montou uma força-tarefa para mapear os
desvios. Mal começaram a fazer o
diagnóstico, os promotores encontraram um cenário perturbador, com pagamentos
superfaturados, convênios nebulosos e a existência – acredite – de
"contratos verbais. "Apesar do histórico de corrupção nos governos do
Distrito Federal, a devassa feita nas contas públicas na última gestão é a mais
grave da história", diz o promotor Marcelo Teixeira, um dos integrantes do
grupo de trabalho, que começa a apresentar resultados. O Ministério Público já
apresentou uma ação de improbidade por causa de um superfaturamento de pelo
menos 30 milhões no contrato de reforma do autódromo de Brasília. Sim, meio à
penúria, Agnelo fechou um contrato de quase 300 milhões de reais para restaurar
o espaço, como parte de um acordo para receber uma prova da Fórmula Indy em
março deste ano. Ele também ordenou uma reforma de 1,5 milhões de reais na
residência oficial do governo e abriu licitação para adquirir 40 toneladas de
carne, incluindo 800 quilos de camarão.
Sem caixa para pagar a dívida de mais de 3 bilhões de reais
deixada pelo antecessor, a nova gestão tenta negociar com as empresas que
mantêm contrato com o governo. A situação dos serviços públicos deve continuar
crítica pelos próximos meses.
Agnelo assumiu o governo após outra crise, a motivada pela
queda do então governador José Roberto Arruda. Mas, naquele caso, o problema
era de gestão e não de caixa. O governo fechou 2010 no azul. Desde então, o
déficit só se acumulou.
Por isso, a nova equipe sabe que é acompanhada por uma
sombra: a da intervenção federal. "Nós vivemos nos últimos anos um misto
de irresponsabilidade incompetência e corrupção que levou o Distrito Federal a
essa situação. A crise financeira é tão grave que coloca em risco a nossa
autonomia política", diz Rodrigo Rollemberg. "Essa é uma ameaça
real", reforça a secretária de Planejamento, Leany de Sousa.
No caso do Distrito Federal, o tema é mais sensível porque a
autonomia política é recente. Só em 1990 é que os moradores da capital do país
passaram a eleger seus próprios governantes. Até então, a não havia assembleia
legislativa e os governadores eram nomeados pelo Presidente da República.
Agnelo, que ficou de fora até mesmo do segundo turno na sua
tentativa de reeleição, encerrou o governo sem admitir o descontrole nas
finanças e dedicou seu último dia de governo à inauguração de um novo centro
administrativo vazio, sem energia e internet, depois de atropelar a lei para
garantir a concessão de um habite-se às pressas. O prejuízo estimado é de 17
milhões de reais por mês. Foi o último presente do governador antes de embarcar
tranquilamente para uma temporada em Miami. Não é por acaso que os promotores locais
estudam apresentar uma ação contra o petista por danos morais coletivos à
população da capital do país.
Por Gabriel Castro,
de Brasília - Veja
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