Por Guilherme Evelin, da Época
O anúncio do marco regulatório da exploração do petróleo do
pré-sal, no dia 31 de agosto de 2009, foi épico e nacionalista. O ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva fustigou
tucanos, “exterminadores do futuro” e adoradores do “deus mercado”. Ufanista,
ele exaltou a Petrobras, “orgulho do país”, “a maior empresa do Brasil”, “a quarta
maior companhia do mundo ocidental”. Ao falar do pré-sal, “nosso passaporte
para o futuro”, Lula prometeu “consolidar uma poderosa e sofisticada indústria
petrolífera”, “promover a expansão da nossa indústria naval” e “converter o
Brasil num dos maiores polos mundiais da indústria petroquímica”.
Está mais do que claro agora que o plano grandiloquente de
Lula deu chabu. Um bom símbolo da indústria petrolífera nacional passou a ser o
Lamborghini, de R$ 1,6 milhão, de Eike Batista, o dono da petroleira OGX.
Antes, ele adornava o apartamento do empresário, que, turbinado com dinheiro do
BNDES, sonhava em ser o homem mais rico do mundo. Agora, está recolhido pela
Justiça para garantir o pagamento de credores (junto com um Porsche que foi o
assunto desta semana). A Petrobras perdeu o grau de investimento. Projetos de
novas refinarias foram suspensos. A
indústria naval está adernando. A Sete Brasil, criada pela Petrobras e pelos
fundos de pensão estatais para gerenciar as compras de 29 navios-sonda para a
exploração do pré-sal, está sem dinheiro. Por falta de pagamento, os estaleiros
a quem a Sete Brasil encomendou os navios-sonda estão demitindo trabalhadores
em massa.
A corrupção e a má gestão, assim como mudanças no mercado
internacional de petróleo, contribuíram para esse fracasso. Mas nas ruínas do
“petrolão” soçobra também uma visão ideológica, exposta no discurso de 2009 de
Lula. Os governos do PT viram o pré-sal como um passaporte para embarcar na onda de “capitalismo de Estado”,
gerado pela quebra do Lehman Brothers, em 2008, e pelo sucesso da China.
Enxergaram na riqueza do petróleo um marco da restauração do Estado como o
motor da economia no Brasil. Por essa visão, a
Petrobras, que praticamente recuperou, com o novo marco regulatório, o
status de empresa monopolista, seria a ponta de lança de uma nova política
industrial. Essa política criaria
“campeões nacionais” em setores econômicos escolhidos para receber
generosos incentivos do Estado.
Por que o capitalismo de Estado à brasileira está dando tão
errado? Para o cientista político Ian Bremmer, da consultoria internacional Eurasia, especialista em riscos
políticos, parte da resposta está nos problemas congênitos do modelo abraçado
pelo governo brasileiro. Num livro de 2010 sobre a ascensão do capitalismo de
Estado, Bremmer já apontava alguns deles como populismo político, clientelismo,
compadrio e corrupção na gestão das estatais. “Maior intervenção estatal em uma
economia significa também maior possibilidade de desperdício, ineficiência e
corrupção”, escreveu.
Numa entrevista a ÉPOCA em janeiro de 2010, em meio à
euforia dos mercados globais com o Brasil, Bremmer alertou: “O estatismo é um
risco para o Brasil”. Entrevistado de novo na semana passada, Bremmer adicionou
outro problema. “A governança nas empresas brasileiras está longe de ter o
padrão dos mercados mais desenvolvidos, apesar de o país ter muitas
instituições, criadas na Constituição de 1988, que fiscalizam a corrupção.”
Segundo Bremmer, o setor público brasileiro foi inundado por dinheiro com o
boom das commodities entre 2004 e 2012. “O padrão de governança corporativa não
acompanhou essa abundância de recursos, e com isso criaram-se mais e mais
possibilidades de corrupção”, diz ele.
O economista brasileiro Sérgio Lazzarini, professor do
Insper, é coautor com o mexicano Aldo Musacchio do livro Reinventando o
capitalismo de Estado, lançado na semana passada. Os dois veem vantagens na
participação do Estado nas empresas, como a maior resiliência das economias às
crises e um horizonte mais largo de investimentos de longo prazo, sem a pressão
por resultados imediatos. No livro, eles lembram que a Statoil, a estatal de
gás e petróleo da Noruega, é uma das empresas mais bem administradas do mundo.
Para Lazzarini, portanto, a crise brasileira não é inerente
ao “capitalismo de Estado”. Deve-se, antes, à falta de um “ambiente
institucional robusto, que blinda as empresas estatais da apropriação com fins
políticos”. Faltaram ao Brasil, diz ele, freios – como agências reguladoras com
força – para arrefecer o ímpeto de interferência política nas estatais. “A descoberta
do pré-sal aumentou muito a tentação do governo de botar a mão naquele pote
cheio de dinheiro, seja por pressão do sistema político, seja por uma ideologia
que diz que as estatais existem para fazer certas políticas”, diz Lazzarini.
A crise levará a uma revisão no modelo? Bremmer não acredita
em mudanças radicais, mas aposta em maior transparência, melhores padrões de
governança e numa retração estatal. “Os próximos contratos de concessão em
energia, infraestrutura e logística deverão ser mais favoráveis ao setor
privado”, diz ele. Lazzarini diz que o país, depois de ter movido
excessivamente o pêndulo na direção da maior intervenção do Estado na economia,
deveria agora dar meia-volta. O espírito, segundo ele, deveria ser o mesmo de
algumas reformas modernizadoras adotadas até os governos FHC, que quebraram
monopólios e introduziram gestões executivas e conselhos de administração mais
técnicos e profissionais nas empresas estatais. Ele se mostra, no entanto,
bastante cético em relação à possibilidade de que essas mudanças se concretizem
no curto prazo. “Essas reformas não fazem parte do modelo mental do governo
Dilma”, diz.
Caso essa hipótese se confirme, a ideologia estatista
mostrará sua força no Brasil. Sua
resistência é maior até mesmo que a de empresas como a Petrobras, levadas à
bancarrota por uma visão de mundo equivocada.
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