Os extraordinários fatos que nas últimas semanas vêm se
desenrolando diante dos nossos olhos estupefatos, a série de denúncias logo
comprovadas de corrupção em órgãos estatais e partidos políticos, deixam-nos
alertas: o que fizemos? Como permitimos que tudo isso chegasse a esse ponto —
que nos parece quase sem volta —, exigindo terra arrasada para começar a
construir, do erro, uma nova nação?
Pode até haver chefes que, em qualquer escalão, não percebam
a corrupção entre seus funcionários, se for um breve episódio; mas, se se
prolongar por um pouco de tempo que seja, denota grave incompetência de parte
dos mandantes. Se souberem e fecharem os olhos permitindo que os crimes
continuem, porque “afinal no Brasil é assim, sempre foi assim, e assim é por
toda parte”, serão pelo menos cúmplices, ainda que não metam a mão pessoalmente
no dinheiro (que neste caso se acumula em milhões e bilhões).
Dinheiro que faz uma desesperada falta em todos os aspectos
tão carentes do país de que os responsáveis não cuidaram, ocupados em conseguir
mais poder.
A roubalheira é ainda mais repulsiva, pois não se trata de
roubar o não essencial, mas de tirar do prato dos pobres a comida, o dinheiro
do remédio, os livros, mesas e cadeiras da escola, instrumentos e pessoal de
hospitais e postos de saúde, possibilidade de tráfego aos caminhões que
transportam alimento e bens de consumo, funcionamento ou mera manutenção das
imensas engrenagens deste pobre país, que agora podemos chamar de “pobre” nos
dois sentidos, material e moral.
Pobres de nós, que não sabíamos porque olhávamos para o
outro lado, porque éramos mesmo ignorantes, porque acreditamos nos líderes
errados, porque não nos informamos, porque não estávamos nem aí.
O que vai acontecer? Ao que vemos, muito mais denúncias,
provas, prisões e — espero — condenações. Como ocupar os lugares de mando
vazios? Que seja com gente competente, não com apaniguados e correligionários.
Que seja com gente corajosa, disposta a enfrentar desafios que dinheiro nenhum
compensa.
Todos de certa forma permitimos que acontecesse o que agora
nos horroriza, ao menos a nós que acordamos, ou sempre denunciamos, nós que nos
preocupamos tardiamente ou que já havia um bom tempo balançávamos a cabeça
prenunciando os dias de hoje. “Virão tempos sombrios”, dizíamos uns aos outros:
pois chegaram.
Uma inflação descontrolada, uma população assustada e a cada
dia mais empobrecida, endividada e desatendida, autoridades confusas e
desnorteadas, algumas tentando salvar o que pode ser salvo e corrigir o que
pode ser corrigido, delineiam uma boa temporada de sofrimento para quase todos
nós.
Aqueles em que tantos acreditaram nutrem pensamentos
delirantes em sua ilha da fantasia, negando a tragédia que ocorre debaixo de
seus olhos: pobreza, inflação descontrolada, endividamento em massa, decadência
da educação, saúde, moradia, transporte, segurança e dignidade, e — pior de
tudo — a morte lenta da confiança. Eles de todos os modos procuram
pateticamente negar o verdadeiro drama que nos assola a todos, sem exceção.
A nação estará estarrecida? O título desta coluna reflete o
que eu sinto e o que desejaria que todos sentissem. Parte do país finalmente
abre os olhos, aponta as orelhas e atina com a realidade dura destes tempos que
apenas começam a se revelar incrédulos. Porém, há semanas multidões requebram
ao ritmo das músicas de Carnaval — porque afinal ninguém é de ferro.
Não sou contra o Carnaval, mas imagino que, quando elas
despertarem para a realidade depois dessas festas, se botassem nariz de palhaço
e voltassem às ruas, não para dançar enquanto o Titanic afunda, mas para
protestar e exigir, poderiam salvar o que ainda pode ser salvo.
Que os deuses — e técnicos competentes — nos ajudem, e esta
nau brasileira não se rompa, não se destroce, mas se equilibre e, ainda que
penosamente, suba à tona e retome algum tipo de rota salvadora — antes que se
apaguem as últimas luzes desta maltratada pátria.
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