Consuelo Dieguez, Piauí
Numa manhã de 1991, Wesley Batista, então com 20 anos, fez
uma visita de cortesia a Geraldo Bordon, dono do Frigorífico Bordon, à época o
colosso brasileiro do setor de carne. Wesley e o irmão mais velho, José Batista
Júnior – o Júnior, como é chamado pela família –, foram recebidos na sala de
reuniões da sede da empresa, na Marginal Tietê, em São Paulo, e acomodados à
longa mesa de madeira. Bordon sentou-se à cabeceira. Os tímidos rapazes do
interior de Goiás eram donos de um frigorífico praticamente desconhecido, o
Friboi, e quase não ousavam falar.
Estavam diante do homem a quem reverenciavam como a um
ídolo. Tenso, Wesley desistiu de levar à boca a xícara que a secretária lhe
servira. Suas mãos tremiam tanto que o café respingou na mesa. O que ele ouviria
a seguir só aumentaria sua admiração pelo empresário. Ao atender um telefonema,
Bordon disse ao interlocutor, do outro lado da linha, que ele é quem tinha
sorte, pois precisava cuidar apenas da mulher e de dois filhos, ao passo que
ele, Bordon, era responsável por 7 mil empregados. Wesley espantou-se. Pensou
em como deveria ser complicado gerir tanta gente, já que na Friboi ele lidava
com sessenta funcionários, o que já considerava um número expressivo.
Em um fim de tarde chuvoso, em dezembro passado, Wesley
pegou da mesa uma xícara de café e tremeu as mãos descontroladamente, encenando
sua reação naquela manhã de 24 anos atrás. Ele apontou para mim e rememorou:
“Eu estava sentado aí, exatamente onde você está. E o seu Geraldo aqui, onde eu
estou. Nesta mesma sala.” E disse: “Foi a única vez na minha vida que eu tremi
e fiquei nervoso daquele jeito.” Até hoje não houve, ele assegura, nada que se
comparasse à emoção daquele encontro. Nem mesmo o aperto de mão que deu em
George W. Bush, ainda presidente dos Estados Unidos. “O Bush tem aquele jeito
meio caipira de americano do Texas. Um cara simples, simpático”, disse.
Wesley e o irmão mais novo, Joesley, são os donos da maior
companhia de carnes do mundo, a JBS, cujas letras são as iniciais do nome do
pai, José Batista Sobrinho. A sede da empresa fica justamente no prédio que era
do Bordon, um dos tantos frigoríficos incorporados pela JBS nas duas últimas
décadas, alguns anexados ainda na época em que a empresa era conhecida por
Friboi. Para abrigar a JBS, presidida por Wesley, o edifício passou por uma
reforma que conservou suas características originais, mas o revestiu de um
toque de modernidade: uma estrutura de vidro une os dois prédios – o da antiga
presidência do Bordon e o da parte operacional da empresa –, facilitando a
circulação. A passagem entre os blocos é feita por passarelas de alumínio
cercadas por um aprazível jardim interno, que dá leveza à construção de quatro
andares. Em todos eles, sobre o piso espalham-se grandes letras de madeira
colorida, semelhantes a jogos infantis, formando palavras com os valores
cultivados pela empresa: atitude, disciplina, humildade, simplicidade e
determinação, entre outros.
A Friboi passou a se
chamar JBS em 2007, quando os irmãos decidiram abrir o capital da companhia.
Friboi ficou sendo uma das dezenas de marcas da JBS, cujo faturamento no ano
passado atingiu 116 bilhões de reais – o que fez dela a maior companhia privada
brasileira, à frente da mineradora Vale. A mudança de nome visou investidores
estrangeiros, que poderiam ter dificuldade em pronunciar o nome da empresa.
“Iam acabar nos chamando de Fribói, Fraiboi”, disse Wesley. “JBS é muito mais
fácil de ser assimilado no mercado internacional: , Bi, Es”, reforçou,
pronunciando as letras em inglês.
Em 2012, com o crescimento acelerado dos negócios, os dois
irmãos criaram a holding J&F Investimentos – também em alusão ao nome dos
pais, José e Flora –, que além da JBS abriga empreendimentos em áreas tão
diversas como papel e celulose, banco, usina de biodiesel, fábrica de xampu e
sabão. Wesley não treme nem derruba o café ao citar dados tão exorbitantes.
Trata com igual naturalidade o fato de o grupo ter hoje 210 mil funcionários,
espalhados pelo Brasil e pelos países onde estão instalados – Argentina, Uruguai,
Itália, México, Canadá, Estados Unidos e Austrália. “A gente se acostuma”,
disse, com um forte sotaque do interior de Goiás. E explicou. “As coisa foro
acontece no de forma natural.” Ele com frequência atropela o plural ao falar.
Essa “forma natural” é que os dois irmãos têm tido
dificuldade de explicar para analistas e concorrentes. Até 2006, embora já
fosse um dos maiores frigoríficos do Brasil, a Friboi não figurava nem entre as
100 maiores empresas brasileiras. Então, tudo começou a mudar numa velocidade
vertiginosa. Desde a abertura do capital, em 2007, o grupo passou a receber
vultosos recursos do BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social, mas não em forma de empréstimo, e sim de participação acionária. Ou
seja, ao invés de financiar a companhia e cobrar juros pela operação – como faz
um banco de investimento –, o banco federal colocou dinheiro no negócio para se
tornar seu sócio.
Entre 2007 e 2009, o BNDES despejou 8,3 bilhões de reais na
JBS por meio de compra de ações, afora outros 2 bilhões de reais em empréstimo.
Nunca, na história do banco, nenhum outro grupo privado recebeu soma próxima
desse valor. Sua participação na companhia chegou a ser de 31%. O banco ficou
tão exposto que o governo achou por bem transferir parte das operações para a
Caixa Econômica, a fim de reduzir os riscos do BNDES e ajudar na capitalização
da outra instituição. Hoje o BNDES é dono de 24,59% da empresa. De qualquer
forma, continua sendo uma fatia tão expressiva que muita gente no mercado se
refere à JBS, de forma jocosa, como JBNDES.
Wesley pousou as mãos sobre a mesa e envergou o corpo para a
frente, como para se certificar de que seria ouvido com clareza. Ele é um homem
jovem, de 44 anos, embora tenha o rosto rude e marcado, próprio daqueles que já
labutaram em condições mais adversas. Seus trajes naquele dia – calça preta,
camisa imaculadamente branca de algodão e blazer preto – conviviam um pouco
desajeitadamente com sua fisionomia de matuto. Wesley fala como um caboclo que
senta para fumar um cigarro de palha e contar casos. Foi sem alterar o tom de
voz que ele comentou as críticas que se fazem ao grupo pela expressiva
participação do BNDES – e agora da Caixa – nas operações. “O BNDES tem
participação na JBS como tem em mais de 500 empresas”, disse. “Existe um braço
do banco, que se chama BNDESPar, que é justamente para comprar participação nas
companhias. Se não é para fazer isso, então acaba com ele.”
Essa participação expressiva na JBS se deu a partir da
chegada do economista Luciano Coutinho à presidência do banco, em 2007. A
estratégia de Coutinho era impulsionar alguns setores que, na sua visão,
ajudariam a estimular o crescimento econômico como um todo. Os ungidos a serem
os campeões nacionais, como o banco definiu essa estratégia, foram alguns
frigoríficos escolhidos a dedo, e empresas das áreas de papel e celulose,
mineração, petróleo e petroquímica. Na visão de Coutinho, eram setores que
apresentavam mais condições de competir no exterior. Recebeu uma saraivada de
críticas.
Primeiro, pelo fato de apostar em commodities em vez de
procurar desenvolver empresas de alta tecnologia, como fizeram Japão e Coreia
na década de 50, elevando a indústria desses países a outro patamar. Segundo,
por aportar tanto dinheiro público em negócios que beneficiaram muito mais os
controladores das empresas do que o país em sua totalidade, o que muitos
entenderam como favorecimento. “O banco nunca conseguiu explicar os critérios
de escolha dos campeões nacionais”, disse o economista Mansueto Almeida, do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, um dos mais severos críticos
da estratégia de Coutinho. “Vender boi não vai impactar no bem-estar coletivo e
nem modernizar a indústria nacional.”
Em um artigo no jornal O Estado de S. Paulo, o economista
José Roberto Mendonça de Barros – que ajudou na formulação do programa
econômico do candidato do PSDB à Presidência da República – também atacou a
estratégia dos campeões nacionais do BNDES, com destaque para o caso da JBS, a
maior beneficiada. “Com o suporte do banco de 10 bilhões à empresa, vale a pena
se perguntar se o país ganhou com a operação”, questionou o economista.
Concluiu que não: ela pouco impactou no desenvolvimento da economia em geral,
como teria ocorrido caso o dinheiro fosse investido em ampliação de linhas de
metrô, estradas e hidrelétricas.
Do lado oposto do rio Tietê, na Marginal Pinheiros, fica a
sede da J&F, a holding do grupo. A fachada discreta, sem nem ao menos uma
placa de identificação, não chama a atenção de quem passa. O interior do prédio
é menos acanhado. O hall de entrada, imponente, tem pé-direito alto e piso de
mármore, recoberto de tapetes orientais. Por uma grande porta de madeira
chega-se a uma sala de reuniões, que também faz as vezes de sala de almoço.
Ali, o mais novo dos dois irmãos, Joesley, que preside a holding, costuma
almoçar quase todos os dias, com frequência acompanhado de algum diretor do
grupo. Um chef prepara os pratos.
Encontrei Joesley na sala. A mesa já estava arrumada para o
almoço, com um jogo americano de linho branco e guardanapos também de linho.
Joesley tem 42 anos, cabelos castanhos e lisos, lábios finos e olhos levemente
puxados, como os de um índio. Suas feições e o modo de falar assemelham-se aos
do irmão. Os dois trabalham juntos há quase trinta anos. Embora não se vejam
amiúde, comunicam-se sempre que necessário.
No começo da conversa, Joesley reclamou da forma como a
imprensa, analistas e concorrentes tratam o grupo, criticado sobretudo por ter
adquirido musculatura graças ao apoio pesado do governo. “O que me impressiona
é que as pessoas formadoras de opinião emitem informação sobre nós sem ter a
mais vaga ideia de quem nós somos”, disse. E citou nominalmente o economista
José Roberto Mendonça de Barros. “Eu nunca vi ele na vida. Ele não sabe nada da
gente. Não entende nada. Nunca visitou a JBS. Nunca conversou com um diretor
nosso e fica dando opinião completamente equivocada.”
Serviu-se de legumes, preferiu peixe em vez de carne, e
continuou. “É preciso que fique claro que o BNDES é acionista da JBS. Se ele
não quiser mais as ações da empresa, pode vender no mercado a qualquer momento,
e vai ganhar dinheiro porque comprou a 7 reais e agora vale quase 12 reais.”
Joesley desenvolveu uma teoria para explicar a má vontade
com o grupo. “Acho que é porque nós somos jovens, de Goiás, não somos
quatrocentões, não estudamos naquele colégio aqui de São Paulo que os filhos
dos grandes empresários estudaram”, especulou. “Provavelmente o Antônio Ermírio
de Moraes deve ter apanhado muito, coisa que não acontece com os netos dele e,
tenho certeza, não vai acontecer com os meus.” Fez uma pausa como se tivesse
tido uma iluminação e concluiu: “Chega a ser engraçado. A gente vira polêmica e
outras empresas que fazem coisas muito mais audaciosas do que a gente não
viram. Não vejo falarem da Nestlé, da Unilever.” Argumentei que elas não haviam
tomado dinheiro do BNDES. Ele manteve o tom sereno. “O banco nunca colocou
dinheiro conosco em situação de crise. Sempre foi para expansão e não para
salvamento.”
A origem da JBS não difere muito da que se vê na maioria das
grandes empresas familiares brasileiras. O embrião do grupo foi um pequeno
açougue, a Casa de Carnes Mineira, fundado em 1953 em Anápolis, Goiás, por José
Batista Sobrinho, pai da dupla de empresários. Nascido em Minas, ainda pequeno
o patriarca se mudou com a família para Goiás, mas entre os clientes e
fornecedores ficou conhecido como Zé Mineiro. Em 1957, com o começo da
construção de Brasília, ele vislumbrou a oportunidade de expandir seu negócio.
Aproveitando-se dos incentivos fiscais oferecidos pelo governo de Juscelino
Kubitschek aos fornecedores dispostos a atender às necessidades da construção
da capital, Zé Mineiro passou a vender carne para as empreiteiras. Ele passava
a maior parte do tempo em Brasília, supervisionando as vendas que prosperavam,
enquanto sua mulher, Flora, vivia em Luziânia, em Goiás, cuidando dos seis
filhos: três rapazes e três moças.
No final dos anos 70, a família se mudou para a capital
federal. A maior frustação da mãe era a inaptidão dos rapazes para o estudo.
Todos deixaram o colégio antes do término do 2º grau e foram trabalhar com o
pai. O primeiro deles foi Júnior, que recentemente se desligou da sociedade na
JBS para fundar sua própria empresa, a JBJ, com sede em Goiânia. Wesley e
Joesley, ainda adolescentes, seguiram os passos do irmão mais velho. “Minha mãe
penava pra gente estudar, mas a gente só queria saber de trabalhar”, contou
Joesley.
O pai nunca foi de se meter nas decisões dos rapazes. Quando
Wesley e depois Joesley decidiram pegar no batente, entregou um negócio para
cada um e disse que se virassem. Nessa época, ele tinha dois pequenos
frigoríficos em Goiás, já conhecidos por Friboi, nome dado por um cliente
amigo. Júnior tocava os negócios em Brasília. Os três filhos aprenderam a
administrar na prática. Nunca fizeram curso de contabilidade ou alguma
especialização em finanças ou administração. Nos frigoríficos de que tomavam
conta, faziam de tudo: do controle do caixa até acompanhar o abate dos animais.
“Eu perguntava tudo para o gerente, que era um homem muito mais velho do que
eu”, contou Joesley. “Nunca tive vergonha de perguntar. É assim que se
aprende.”
José Batista Sobrinho, o Zé Mineiro, vai diariamente à sede
da J&F, onde costuma almoçar com o filho e se inteirar do andamento do
grupo. Aos 80 anos, ele parece um homem mais jovem. Naquele dia, usava um
blazer bem cortado sobre uma camisa listrada. No trabalho, tanto o pai quanto
os filhos nunca dispensam o blazer – sempre preto ou azul-marinho. Sentado à
cabeceira da mesa, ele disse que deixou para os filhos a lição de sempre honrar
o crédito. “Eu sempre tive preocupação de pagar meus compromissos. Por isso
nunca me faltou crédito.” O patriarca contou sua vida num filme produzido pela
família para o seu aniversário de 80 anos. Na data, ele ganhou de presente dos
filhos um helicóptero, com o qual visita suas fazendas. “É muito mais prático
do que jatinho: o piloto aterrissa onde eu quero, não precisa de aeroporto”,
falou satisfeito.
O ponto de inflexão na trajetória da empresa se deu em
meados dos anos 90. A valorização cambial, provocada pela paridade da moeda
brasileira com o dólar, fixada pelo Plano Real, derrubou as exportações dos
grandes frigoríficos, que perderam competitividade internacional e entraram em
crise. Já a Friboi, que vendia para o mercado interno, teve um ganho
considerável em razão da explosão do consumo de carne provocado pela melhora do
poder aquisitivo dos brasileiros.
Com o caixa fortalecido e se valendo de crédito público, os
irmãos Batista foram às compras. Adquiriram uma série de frigoríficos
endividados, à beira da falência, sem condições de continuar a operação.
Primeiro arrendaram uma unidade do Bordon que estava desativada. Dali foram
aumentando sua participação no mercado, usando as aquisições como estratégia.
“A gente pegava os frigoríficos mal das pernas, saneava e botava pra
funcionar”, explicou Joesley. “Pegamos uma época boa. Os frigoríficos
exportadores estavam mal e nós estávamos bem, com dinheiro em caixa.” Um
analista definiu essa estratégia da JBS como, no mínimo, peculiar. “Foi uma
forma diferente de crescer nos negócios”, disse-me ele num café em São Paulo.
“Eles não expandiram para depois comprar. Eles foram comprando para se
expandir.”
No começo de 2000, eles já eram donos de alguns dos mais
importantes frigoríficos, como o Anglo – o maior de Goiás –, o Bordon e a Swift
Armour. A compra do Bordon foi uma das grandes tacadas dos Batista. O negócio
foi feito em sociedade com outro grande frigorífico, o Bertin, do interior de
São Paulo. Os futuros proprietários, amigos de longa data, não tiveram
dificuldade para entrar em entendimento. Com um empréstimo do Banco do Brasil,
adquiriram o Bordon – que, embora quebrado, tinha uma excelente operação de
exportação de carne processada (enlatada e moída). Dessa sociedade surgiu a BF,
de Bertin e Friboi, que a partir daí passou a trabalhar não apenas com o abate,
mas também com carne industrializada. Em 2009, a sociedade foi desfeita. Os
Batista compraram a parte dos Bertin e ficaram sozinhos no negócio.
A velocidade e a avidez com que os irmãos foram se
apropriando de outros frigoríficos suscitou comentários maliciosos. Em Goiás, o
berço da Friboi, espalhou-se o boato de que a expansão acelerada ocorria graças
ao auxílio do senador e ex-governador do estado, Iris Rezende, por meio de
vantagens concedidas aos Batista. Na época chegou-se a dizer que Rezende era o
sócio oculto da Friboi em vários frigoríficos, entre eles o Anglo. Uma história
nunca comprovada e sempre negada pelas partes envolvidas.
Joesley mastigou com gosto uma porção de peixe e legumes.
Pousou os talheres sobre o prato e voltou ao tema que paira como uma sombra
sobre o maior grupo privado brasileiro: o de que seu sucesso se deve às benesses
do Estado. “Todo mundo desconfia de nós porque dizem que crescemos muito
rápido. Mas tem 25 anos que a gente cresce uma média de 30% ao ano.” Valorizou
a expansão da empresa. “Quando começamos, éramos o menor de Goiás. A cada três
anos nossa empresa dobrava de tamanho. E isso acontece até hoje”, explicou.
Em 2007, com a abertura de capital, a empresa mudou de
patamar. O negócio saiu da casa dos milhões de reais para a de bilhões. “A
abertura de capital se deu num momento extraordinário”, empolgou-se Wesley,
durante uma conversa na JBS. “O mundo estava jorrando liquidez e fizemos o
maior IPO (oferta pública inicial de ações, em português) da Bolsa brasileira.
Vendemos 20% da empresa por 800 milhão de real”, disse ele. Tanto Wesley como
Joesley nunca pronunciam o plural de milhões e bilhões, o que acaba por atenuar
o impacto das cifras, como se estivessem tratando de tostões no varejo.
No IPO, ele afirmou que não houve participação do BNDES.
“Zero de banco oficial. Fizemos um roadshow no mundo todo e vendemos tudo. Foi
um movimento transformacional”, disse, usando a expressão esquisita. “Na
vírgula”, continuou, “600 milhão foram para a empresa e 200 milhão para a
família.”
Poucos meses após a bem-sucedida oferta de ações, eles foram
procurados pelo J.P.Morgan. O banco americano fora incumbido de vender a Swift
americana, um dos mais tradicionais frigoríficos dos Estados Unidos, fundado em
1885, que naquele momento pertencia a um fundo de ações.
Dois anos antes, os irmãos de Goiás haviam comprado a Swift
argentina com 40% do valor da compra financiados pelo BNDES. Joesley esteve
duas vezes com a presidente Cristina Kirchner antes de conseguir o aval do
governo argentino para fechar o negócio. Depois disso, começaram a acalentar a
ideia de expandir o grupo para a América Latina e os Estados Unidos. Com a
Swift americana posta à venda, parecia que o momento havia chegado. O jogo, no
entanto, era pesado. Além da JBS, havia mais três interessados na companhia: os
gigantes americanos Cargill, National Beef e Smithfield Beef. Wesley admite ter
sido ousado ao entrar numa disputa tão acirrada. “Nós valíamos 2 bilhão de
dólar no mercado e estávamos querendo comprar uma empresa que valia 10 bilhão.
Mas não podíamos perder uma oportunidade daquelas”, disse, com uma expressão
entre travessa e orgulhosa.
Fez um gesto de anteparo com as duas mãos, como que para me
alertar do que viria a seguir. “Não foi um movimento irresponsável. Nós
estudamos a Swift e vimos que a crise da empresa não tinha a ver com o mercado
americano. Era, na verdade, um problema de má gestão.” Concluiu sua análise com
um argumento singelo. “Frigorífico é igual em tudo quanto é lugar do mundo.
Matar boi é tudo igual. O que faz dar um bom resultado é a forma de
administrar.” A novidade para eles, no caso da Swift, seria entrar no ramo de
abate e processamento de carne suína, no qual não tinham experiência.
Para disputar a concorrência, eles precisavam de um
avantajado aporte de capital. Os 800 milhões de reais que haviam levantado na
Bolsa não seriam suficientes. Foi então que o BNDES foi convocado a entrar no
jogo como sócio – de onde não saiu mais. A JBS começava a se transformar no
maior símbolo do projeto de campeões nacionais idealizado por Luciano Coutinho.
Wesley desconversa ao entrar nesse tema. “Eu desconheço essa
história. Se nós somos campeões nacionais, ninguém nunca avisou.” Ele prefere
lembrar de sua aflição no dia de fechar o negócio. Era maio de 2007, ele e
Joesley convocaram uma reunião com os vendedores da Swift. “Nós quebramos um pouco
a dinâmica da concorrência porque as ofertas tinham que ser feitas por carta e
nós pedimos uma conversa olho no olho”, falou. Os vendedores concordaram.
Reuniram-se às oito da manhã no escritório de advocacia que intermediava o
negócio, em Dallas, em frente ao hotel onde estavam hospedados os dois irmãos e
o advogado da JBS, Francisco de Assis e Silva. Eles ofereceram 1,3 bilhão de
dólares; os vendedores pediram 1,7 bilhão. As negociações tomaram o dia e
entraram pela madrugada. Às cinco da manhã, após intermináveis idas e vindas do
hotel para o escritório, as partes acordaram o valor de 1,525 bilhão. “Quando
os vendedores aceitaram, eu agarrei a mão deles e falei ‘Tá fechado’, para não
ter risco de mudarem de ideia”, disse Wesley. “Dali, montamos num avião e
voltamos para o Brasil para comunicar o negócio.” O BNDES entrou com 750
milhões de dólares. “Essa compra foi muito importante para nós. Os americanos
jamais imaginavam que íamos conseguir comprar aquela empresa centenária.”
Cabia reestruturar a Swift. Havia um problema: nenhum dos
irmãos falava uma palavra de inglês. Wesley, designado CEO, mudou-se para a
cidade de Greeley, no Colorado, onde fica a sede da companhia, levando como
intérprete Marcos Sampaio, um diretor da JBS no Brasil. “Eu morria de medo do
telefone. Quando tocava eu gritava ‘Marco, corre aqui’”, ele contou rindo.
Sua primeira providência foi ouvir os principais executivos
da Swift. Demitiu cinquenta vice-presidentes e diretores logo no primeiro dia.
“Era gente demais, que falava bonito, mas era só espuma”, disse. “Nesses meus
anos todos de empresa, aprendi a diferenciar quem são as pessoas reais, que têm
essência, daqueles teóricos. Os poetas, como a gente chama.” Desceu ao chão da
fábrica e passou a observar os cortes das carnes. “Era um desperdício. Eles
deixavam um monte de carne no osso. Eram toneladas que se perdiam por mês.” Ele
mesmo tratou de ensinar como se fazia.
A Swift, hoje com filiais na Austrália e no Canadá, tem
cerca de 90 mil funcionários e um faturamento anual na casa de 20 bilhões de
dólares. Quando a compraram, ela dava prejuízo de 200 milhões de dólares. Dois
anos depois, teve um lucro de 450 milhões. “Nós mudamos todos os processos da
companhia. Hoje ela vai muito bem”, disse Wesley.
Em 2008, novamente com aporte do BNDES, agora de 2,6 bilhões
de reais, a JBS comprou outra gigante americana de carne, a Smithfield Beef
Group. Com a prática já adquirida, demitiram logo de cara 200 altos executivos,
reduzindo o custo em 45 milhões de dólares. Eles dizem não ter sentido em
nenhuma das empresas qualquer reação negativa por parte dos empregados ou ter
sofrido algum tipo de discriminação por serem brasileiros. “Na verdade, os
americanos têm muito mais boa vontade com a gente do que os brasileiros. Eles
nos respeitam muito mais”, falou Wesley.
No Brasil, aumentavam as críticas de que o BNDES arriscava
seu patrimônio ao entrar com participação tão vultosa em uma companhia privada,
ainda por cima no exterior. Para piorar, os negócios da JBS nos Estados Unidos
não trariam qualquer ganho para o mercado brasileiro. Na verdade, segundo os
analistas, as unidades da JBS americana passaram a competir com operações brasileiras
de exportação de carne para os Estados Unidos, Europa e China.
Com a exorbitante e rápida elevação do patrimônio, a família
inteira – os pais, os seis irmãos, seus cônjuges e os filhos –, que depois da
compra do Bordon havia se mudado para Andradina, no interior de São Paulo,
transferiu-se para a capital paulista. Eles costumam andar em grupo. Primeiro
se instalaram em Alphaville, um condomínio de luxo nas proximidades da capital.
Agora estão todos na região dos Jardins, um dos bairros tradicionais da elite
paulistana. A família passou a ser dona de jatinhos, iates, helicópteros,
apartamentos em Nova York e casa em uma ilha de Angra dos Reis.
A casa de Joesley em Angra, comprada do apresentador global
Luciano Huck, foi um presente que ele deu à mulher, Ticiana Villas Boas,
apresentadora de um dos telejornais da TV Bandeirantes. Eles se conheceram há
três anos e ela está prestes a ter o primeiro filho do casal. Vai se chamar
Joesley Batista Junior. O pai brinca que já perdeu 10 quilos e quer ficar elegante
para enfrentar o rival. Do primeiro casamento, ele tem três filhos e um neto.
Já Wesley está casado com a mesma mulher há 25 anos e também tem três filhos,
já adultos.
Os irmãos são reservados em relação à vida privada. É
Ticiana, a mulher de Joesley, quem costuma cometer algumas indiscrições sobre a
prosperidade dos Batista. Numa entrevista à revista J.P., da jornalista Joyce
Pascowitch, ela descreveu sua festa de casamento para 1 500 pessoas, lembrando
também das três vezes que foi a Paris, no jatinho particular da família, para
experimentar o vestido de casamento encomendado à maison Chanel. Ticiana também
disse à revista Veja que não tinha noção de quanto custava o litro da gasolina,
já que seu Porsche era abastecido pelo motorista da casa. A história viralizou
na internet, causando constrangimento para os Batista. Joesley evita comentar a
prosperidade. “Nós somos gente normal, não temos nada de exótico.”
Os dois irmãos repetem como um mantra que o maior prazer
deles é o trabalho. Costumam chegar à empresa às sete da manhã e sair depois
das oito da noite. As viagens ao exterior, a trabalho, incluem momentos de
lazer. Fora isso, não há muita coisa que os divirta. Eles não têm hobby, não
gostam de ler, de ir ao teatro ou ao cinema. “Olha, o que a gente gosta mesmo é
de trabalhar. Essa é a nossa grande diversão”, insistiu Joesley.
A família às vezes se reúne para descansar nos fins de
semana na casa de Angra. Eles também costumam fazer curtas viagens para Nova
York no jatinho particular. Outro programa é o almoço em família na casa dos
pais. “Não existe nada de muito curioso na nossa vida, não”, reiterou Joesley.
Foi em 2009 que os irmãos protagonizaram a mais espetaculosa
aquisição da JBS. Compraram a Pilgrim’s Pride, a maior empresa produtora de frango
fresco e processado dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que assumiram um dos
maiores frigoríficos brasileiros, o Bertin. Wesley se balançou na cadeira como
se fosse cavalgá-la, vibrando com a história. Ele conhecera o dono da
Pilgrim’s, Lonnie “Bo” Pilgrim, em um evento em Dallas, em 2008. Quando a
empresa, em crise, foi colocada à venda, a JBS se candidatou a comprá-la.
A operação foi também a mais controversa do grupo. Com a
precisão do trovão que sucede o relâmpago, o BNDES entrou com sua parte no negócio.
Para viabilizar a compra, o banco estatal fez um lançamento de debêntures
conversíveis em ações no valor de 3,5 bilhões de reais. Havia uma exigência: em
um ano, a JBS USA teria que abrir capital para captar recursos e devolver a
parte do BNDES na operação. A multa, caso a exigência não fosse cumprida, seria
de 300 milhões de dólares. A abertura de capital nos Estados Unidos nunca
ocorreu e o banco virou sócio do empreendimento.
Na manhã do dia 15 de setembro de 2009, quando a aquisição
da Pilgrim’s começou a ser negociada, Wesley sentia o estômago congelar. Havia
25 pessoas em volta de uma mesa no mesmo escritório onde, três anos antes, ele
fechara a compra da Swift. Bo Pilgrim, um homem de mais de 80 anos com a
expressão rígida de um puritano, pedia 2,88 bilhões de dólares por sua empresa.
Wesley se recusava a pagar. Um dos acionistas puxou-o para um canto e sugeriu
que ele fechasse o negócio – a diferença era de 80 milhões em relação ao preço
que a JBS havia proposto.
Wesley não aceitou. Bo foi falar com ele pessoalmente, e
Wesley se manteve irredutível. “Ele ficou furioso”, contou Wesley. O americano
disse com a voz alterada que responderia ao jogo duro com um jogo ainda mais
duro, e saiu da sala batendo a porta. Parecia que o negócio fizera água. Então
Bo retornou repentinamente e, sorrindo, apertou a mão de Wesley. “Ele me disse:
‘Você é difícil, eu queria saber até onde você ia’”, contou Wesley,
reproduzindo a frase em inglês, idioma que hoje ele fala. O contrato foi
assinado de madrugada.
Na manhã do dia 16 de setembro, enquanto nos Estados Unidos
Wesley anunciava a compra da Pilgrim’s por 2,8 bilhões de dólares, Joesley, no
Brasil, comunicava a incorporação do Bertin, assumindo a dívida da empresa no
valor de 4 bilhões de reais – o que provocou agitação no mercado. As
especulações logo começaram. Os analistas chegaram a uma conclusão quase
unânime: o BNDES topara entrar com capital na Pilgrim’s com a condição de
empurrar o Bertin, à beira da falência, para a JBS. Dessa forma, o banco se livraria
do vexame de ter que contabilizar em seu balanço o prejuízo de um frigorífico
em que entrara com uma participação de 2,5 bilhões de reais. “A impressão geral
foi de que a saída do banco para não se desmoralizar completamente e arcar com
um prejuízo gigantesco foi repassar o Bertin quebrado para a JBS, em troca do
apoio à compra da Pilgrim’s”, disse o economista Mansueto Almeida.
A crise no Bertin expôs os equívocos da política de campeões
nacionais. O BNDES havia aportado quase 18 bilhões de reais aos frigoríficos
eleitos e praticamente todas as operações estavam desmoronando. A quebra do
Frigorífico Independência, três meses depois de o banco ter injetado mais de
250 milhões de reais para impulsioná-lo, revelava o risco das operações e
colocava em xeque a capacidade de análise de crédito dos técnicos da
instituição. O Bertin, caso quebrasse, mancharia irremediavelmente a imagem do
banco.
Wesley reage com indignação a essas especulações. “Você
acredita que uma empresa do tamanho da nossa ia se submeter a essa exigência do
BNDES?”, questionou. “Eu respeito muito o banco e todos os acionistas da nossa
empresa, mas ninguém nos forçaria a levar o Bertin ou empresa alguma. Nós
assumimos o frigorífico porque fazia todo o sentido para a nossa operação.”
Na sede do BNDES, um executivo rememorou como se deu toda a
operação. O banco, segundo ele, tomara a decisão de fechar as torneiras para a
JBS logo após ter dado o aporte de capital de 2,6 bilhões de reais para a
compra da Smithfield, em 2008. No entanto, seguiu-se um contexto de crise nos
Estados Unidos, quando a Pilgrim’s, em dificuldades, foi posta à venda por um
preço atraente. Foi então que a JBS os procurou. À época, discutiu-se a
possível incorporação do Bertin em dificuldade. A operação de fato interessava
ao banco, mas, conforme o relato do executivo, os irmãos argumentaram que ela
só faria sentido se feita em conjunto com a aquisição da Pilgrim’s. O banco
concordou. “Foi uma operação altamente corajosa, mas muito bem analisada no que
diz respeito a suas vantagens”, disse ele. “Preservamos nosso investimento no
Bertin e possibilitamos a compra da Pilgrim’s.”
O funcionário do banco admite que esse terceiro aporte foi
uma operação insólita na história do BNDES. Mas justificou a decisão. “Havíamos
investido 2,5 bilhões no Bertin. Seria ruim para nós se ele quebrasse, por isso
dobramos a aposta na JBS. Com isso, concluímos o ciclo de investimentos no
grupo.” Ele diz que o BNDES já ganhou muito dinheiro com a JBS. “Fizemos a
conversão de debêntures em ação por 7 reais e ela está em mais de 11. Já
ganhamos 520 milhões em prêmio.”
Muitos donos de frigoríficos no Brasil têm dificuldade de
entender, e mesmo de aceitar, o apoio do banco à JBS. O foco de reverberação
desse descontentamento é a Associação Brasileira de Frigoríficos, a Abrafrigo,
com sede em Curitiba. Péricles Salazar, um economista de voz firme e expressão
professoral, afirma que a política do BNDES foi péssima para o setor. “Essa
quantidade de dinheiro que o governo do PT colocou na JBS, além de ser
questionável do ponto de vista da boa utilização do recurso público, também
provocou um enorme desequilíbrio no mercado”, disse ele. “O que se ganhou com
isso? Uma concentração gigantesca, perda de competitividade dos frigoríficos
que não receberam os mesmos benefícios do governo e pressão sobre o preço da
carne.”
Sua avaliação é que o setor vinha se desenvolvendo
naturalmente antes de o BNDES interferir. Agora, a competição saudável foi para
o beleléu. E exemplificou. “A JBS detém hoje 60% do abate no Mato Grosso. Eles
ditam o preço da carne, a forma e as condições de compra. Isso afeta muito os
produtores.” Dos 25 milhões de bois abatidos por ano com o Serviço de Inspeção
Federal, 8 milhões são da JBS, que exporta metade desse total. Estima-se ainda
que outros 15 milhões de bois sejam abatidos anualmente no país sem o
certificado de inspeção federal.
O setor decididamente não gosta da JBS. Numa tarde no começo
deste ano, um dono de frigorífico manifestou sua insatisfação, apontando o que
considera ser uma evidência da relação próxima do banco com os Batista. “Em
agosto de 2013, um grupo de donos de frigoríficos pediu uma reunião com Luciano
Coutinho para discutir uma política do BNDES para o setor. Antes da reunião,
combinamos que ninguém tocaria na questão da JBS, para não ferir
suscetibilidades”, disse ele. “No dia seguinte, o Joesley ligou para um dos
participantes para dizer que o Luciano Coutinho tinha gostado muito de nós e
que ele estava torcendo para que o banco também participasse do desenvolvimento
de outros frigoríficos. Que história é essa? Como o Joesley podia saber da
nossa conversa com o presidente do banco?”
Apesar das críticas e reclamações dos analistas e
concorrentes, o mercado financeiro começa a ver o grupo com mais boa vontade.
Um analista de um grande banco de investimentos me contou que havia feito um
roadshow pelos Estados Unidos, em meados do ano passado, para vender ações da
JBS. De início, a reação dos investidores foi péssima: diziam que não
apostariam num grupo tão dependente do governo. Havia o temor de que uma
derrota do PT nas eleições presidenciais pudesse comprometer o apoio
governamental à companhia e expor suas fragilidades. Os resultados da JBS no
terceiro trimestre do ano passado, no entanto, começaram a alterar essa
percepção. A empresa teve lucro de 1,1 bilhão de reais – embora insignificante
comparado ao faturamento anual de 116 bilhões de reais, demonstrava que havia
revertido a trajetória de perdas dos anos anteriores.
Ainda que o mercado se ressinta da participação do BNDES, as
ações da JBS têm se valorizado nos últimos tempos. “Se você me perguntar em
termos de retorno para o país, eu direi que não foi uma boa política do banco.
Mas o investidor está preocupado com seus ganhos financeiros, e a expectativa é
de que, com o fim das aquisições, a empresa passe a dar lucro e os ganhos dos
acionistas tendam a aumentar”, disse o analista. “Apesar de a empresa estar
muito endividada, a estratégia de aquisições foi acertada. A JBS não é só
espuma, como o Eike Batista. Não é só exploração de subsídio. Essa é uma
história muito menos maniqueísta.”
Os irmãos Batista já se acostumaram a ter que se defender a
cada novo empreendimento em que se envolvem. Quanto mais rápido crescem, tanto
mais se multiplicam os comentários em torno da súbita prosperidade. Há algum
tempo eles têm sido alvo de boatos de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e seu filho Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, seriam sócios ocultos do
grupo. Joesley tenta demonstrar serenidade ao falar do assunto.
“Essa é uma história sem pé nem cabeça”, começou dizendo.
Contou que no ano passado chegou a ouvir o comentário até de um taxista. “Eu
confesso a você que nunca me preocupei com isso. Achava que era fofoca da
internet sem maiores consequências.” Foi então que recebeu um chamado do
ex-presidente: “O Lula me pediu que eu fosse falar com ele na sede do Instituto
Lula.” Lá, o ex-presidente se queixou dos boatos e perguntou se Joesley tinha
noção de onde partiam. “Foi aí que me dei conta de que a coisa era grave”,
disse.
No relato de Joesley, Lula estava aborrecido e o informou
que mandaria a Polícia Federal investigar. Foi Lulinha, porém, quem entrou com
queixa de crime na 78ª Delegacia de Polícia de São Paulo. A polícia identificou
o site Observador Político, que foi administrado pelo Instituto Fernando
Henrique Cardoso entre 2011 e 2013, como um dos focos do boato. Daniel Graziano,
gerente do site, foi intimado a depor como informante e não como acusado. Ele é
filho de Xico Graziano, o ex-ministro de FHC que então fazia parte do comitê de
campanha de Aécio Neves. Uma nota divulgada pelo instituto à época da denúncia
afirmava que Daniel Graziano era apenas o responsável técnico pelo site.
Quando a operação de compra do Bertin parecia ter sido
assimilada pelo mercado, um novo escândalo veio à tona. A JBS pagou os
proprietários do Bertin com ações da companhia. Em 2013, os Bertin entraram com
um processo contra os Batista, reclamando que haviam sido roubados nessa
transação. Alegavam que suas ações na JBS, no valor de 1 bilhão de reais –
depositadas no fundo da família chamado FIP Bertin –, foram parar em um fundo
em Delaware, nos Estados Unidos, de nome Blessed Holding. Os Bertin tinham pesados
débitos com o Banco do Brasil e haviam dado essas cotas como garantia do
empréstimo. Quando o banco foi executar a dívida, soube que o dinheiro havia
desaparecido e ido parar nos Estados Unidos.
Dois renomados escritórios de advocacia foram convocados para
defender as famílias: pelo lado dos Bertin, o de Sergio Bermudes; pelo lado dos
Batista, o de Arnold Wald. Os Bertin denunciavam que a transferência das ações
do FIP Bertin para a Blessed Holding havia sido feita por meio de um documento
forjado. Silmar e Natalino, dois dos herdeiros do Bertin, se comprometiam,
conforme o documento, a transferir aos Batista as ações da família na JBS caso
a dívida do frigorífico fosse maior do que os 4 bilhões declarados por ocasião
da venda. Ao analisar as contas do Bertin, os Batista teriam descoberto que o
rombo era, de fato, bem maior. Foi então que teriam feito valer seu direito e
transferido as ações do FIP Bertin para a Blessed Holding.
No processo, a família Bertin alegava que as assinaturas de
Natalino e Silmar eram falsas e que as ações tinham sido transferidas
indevidamente para a Blessed Holding. Ainda por cima, insinuava que a Blessed
pertencia aos Batista. Os donos da JBS rebateram dizendo que nada tinham a ver
nem com a Blessed nem com o sumiço das cotas. No entanto, um e-mail enviado
pelo J.P.Morgan – que estava intermediando a transação financeira do lado dos
Batista – para o advogado da JBS, Francisco de Assis e Silva, torna o caso mais
nebuloso. Ali se lê o seguinte: “Oi, Francisco, a formalização das cotas está
na mão do Citibank. Enviamos tudo o que pediram exceto o documento que mostra
quem é o investidor por trás da Blessed.”
A história se complicou ainda mais quando o valor das ações
veio a público. Ao assumirem o Bertin, os Batista comunicaram aos acionistas
que o frigorífico valia 12 bilhões de reais. À época, o valor da JBS era de 18
bilhões de reais. A fusão das duas empresas elevava o seu valor de mercado para
30 bilhões. No processo, no entanto, os Bertin reclamavam a devolução de 1
bilhão, e não 12 bilhões. “Tem algo de estranho nessa briga que vai além da
reclamação do roubo pelos Bertin”, disse-me um advogado. Se os Batista de fato
compraram o Bertin com ações que valiam 1 bilhão de reais, o risco de o mercado
e a Receita Federal terem sido enganados é muito grande.
Pelas regras do Fisco, ao adquirir um patrimônio com ações,
o comprador tem direito a abater do Imposto de Renda os dividendos futuros que
seriam pagos por aquelas ações. Quanto maior os dividendos a serem pagos no
futuro, maior será o valor que ele poderá deduzir do imposto. Portanto, ao
declarar que as ações valiam 12 bilhões, a JBS pode ter tido um desconto de
imposto muito maior do que se o valor fosse de 1 bilhão. A vantagem fiscal da
JBS nessa operação teria sido da ordem de 4 bilhões de reais. Já os acionistas
da JBS tiveram prejuízo, porque sua participação na companhia foi diluída. Ao
se elevar o valor da empresa para 30 bilhões, houve um aumento de participação
dos controladores, o que reduziu a dos minoritários.
Quando a Comissão de Valores Mobiliários tomou conhecimento
da história, exigiu que a JBS revelasse de quem era a Blessed Holding. Os
Batista responderam que ela pertencia a um outro fundo, na Costa Rica, cujo
dono desconheciam. No entanto, todas as reuniões para discutir um acordo com os
Bertin foram feitas pelos advogados da JBS e do Bertin junto ao representante
do fundo Blessed Holding no Brasil, Gilberto Biojone, com fortes ligações com
os Batista.
No momento em que o processo ameaçou virar caso de polícia,
os Batista dispensaram os advogados e sugeriram aos Bertin um acordo. A
transação começou a ser investigada pela CVM e pela Receita Federal, mas ainda
não há uma conclusão. Wesley limita-se a dizer que tudo foi resolvido. “Está
tudo certo”, me disse. “Foi um mal-entendido. Nós e os Bertin continuamos muito
amigos.”
A Seara, no oeste de Santa Catarina, é a segunda maior
empresa de alimentos processados do país, só perdendo para a Brasil Foods
(BRF), resultado da fusão da Perdigão com a Sadia. Desde 2013 ela pertence à
JBS. O frigorífico Marfrig, dono da Seara, tinha uma dívida de 5,8 bilhões, que
os Batista assumiram em troca da empresa.
Com a compra da Seara e de diversas outras marcas na área de
alimentos, como Rezende, Massa Leve, Doriana e Pena Branca, a JBS criou a
divisão JBS Foods. A nova empresa, disse-me Jerry O’Callaghan, diretor de
relações com os investidores da JBS, será a joia da coroa do grupo no Brasil.
“Estamos falando de alimentos prontos que têm um valor de marca muito maior do
que a carne in natura”, explicou, com forte sotaque irlandês. O grupo pretende
desvincular a JBS Foods da JBS e abrir o capital da nova empresa na Bolsa.
“Devemos fazer isso em meados deste ano. Só estamos esperando o quadro da
economia clarear. O valor dessa companhia será muito grande”, disse.
A concentração de empresas de alimentos na JBS Foods levou
parte do mercado a chiar. A BRF, que havia perdido marcas quando da fusão da
Perdigão com a Sadia, protestou. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica,
o Cade, é presidido desde 2012 por Vinícius Marques de Carvalho – sobrinho de
Gilberto Carvalho, que foi chefe de gabinete de Lula e ministro de Dilma. Os
concorrentes se queixam de que, em setembro de 2013, a compra foi aprovada sem
restrições em tempo muito inferior ao destinado à análise de processos de
outras empresas.
Um dos maiores problemas do grupo, no momento, é um negócio
fora da área de alimentos: a empresa Eldorado, de papel e celulose. Suas duas
imensas fábricas em Mato Grosso do Sul receberam empréstimo de 4 bilhões de
reais do BNDES, além de apoio dos fundos de pensão das estatais, como o Petros,
da Petrobras. A empresa, inaugurada com a presença do vice-presidente, Michel
Temer, e com show do cantor lírico italiano Andrea Bocelli, ainda não decolou e
seus resultados têm sido desanimadores. Sua dívida é de 6,7 bilhões de reais,
para um patrimônio de apenas 886 milhões. O prejuízo no terceiro trimestre de
2014 foi de 184 milhões de reais. Afora isso, sua concorrente Fibria entrou na
Justiça acusando a Eldorado de ter lhe roubado um produto patenteado.
Outra operação que desmoronou foi a Swift argentina. Com a
intervenção do governo de Cristina Kirchner no mercado de carne, a JBS fechou
suas seis unidades por falta de condições de operar no país.
Nada disso, porém, parece arrefecer a disposição com que os
irmãos Wesley e Joesley se lançam em novos empreendimentos. O mercado
financeiro é um deles. O Banco Original, criado pelo grupo para ser uma pequena
operação de financiamento de crédito rural, expandiu-se depois da compra de
outra instituição no Rio Grande do Sul, o Banco Matone, transformando-se em
banco de negócios. O Original é presidido por Henrique Meirelles, o
ex-presidente do Banco Central no governo Lula, que também preside o conselho
de administração da holding J&F. Curiosamente, Meirelles, quando ainda
estava no governo, foi um dos que mais atacaram a política de campeões
nacionais do BNDES.
Encontrei Meirelles em dezembro, na sede do Original, que
funciona no 2º andar do prédio da J&F. Ele contou que os planos do banco
são de expansão. Este ano, pretendem lançar uma operação de pessoa física,
fazendo um banco digital, que funcione via celular. Também querem entrar na
área de administração de carteira. Os planos de expansão do Original estão
levando a J&F a se mudar para a sede da JBS. “O banco está crescendo e
precisa de mais espaço”, disse-me um assessor do grupo.
Os saltos olímpicos do Original desagradaram parte do
mercado financeiro. Em uma carta dirigida a seus clientes, Luis Stuhlberger, do
Fundo Verde – um dos maiores fundos de investimento do país –, ironizou: disse
achar surpreendente o nível de êxito das operações do Original e do BTG, de
André Esteves. Ambos os bancos estariam sempre acertando a mudança das taxas de
juros e de câmbio anunciadas pelo Banco Central, o que lhes garantiria ganhos
maiores do que os de outras instituições. O mercado entendeu a mensagem como
uma insinuação de que as duas instituições se beneficiavam de informações
privilegiadas, o que nunca foi comprovado.
Henrique Meirelles estava apressado para tomar um avião para
Londres. Perguntei se não era curioso que ele, um crítico do modelo de campeões
nacionais, estivesse trabalhando justamente no maior deles. Meirelles foi
franco. “Vejo isso de forma serena e pragmática”, me disse. “Eu gosto dos
modelos que prevalecem nas economias de mercado, como nos Estados Unidos, onde
uma empresa como a JBS não precisa entrar numa controvérsia de ter
financiamento de banco público. O financiamento de mercado é o ideal. ”Fez a
ressalva de que no Brasil a regra permite financiamento governamental, o que
significa que a JBS não estaria fazendo nada de errado.
Antes de encerrar o assunto, Meirelles lembrou que o novo
ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pensa da mesma forma, tanto que já havia
anunciado que o BNDES não faria mais grandes operações de expansão de crédito
com dinheiro do Tesouro. O total de repasses do Tesouro a bancos públicos para
fomentar o crédito cresceu mais de 30 vezes entre 2007 e o ano passado: de 14
bilhões, passou para 477 bilhões de reais. Essa foi uma das razões para o
péssimo resultado das contas públicas em 2014, a pior da última década.
O economista Sérgio Lazzarini, do Instituto de Ensino e
Pesquisa, o Insper, em São Paulo, lançou recentemente o livro A Reinvenção do
Capitalismo de Estado, em coautoria com Aldo Musacchio, da Universidade
Harvard. Eles definiram capitalismo de Estado como “uma influência difusa do
governo na economia, seja mediante participação acionária minoritária ou
majoritária nas empresas, seja por meio de fornecimento de crédito subsidiado
e/ou de outros privilégios a negócios privados”. Numa conversa no Insper, no
ano passado, Lazzarini questionou essa forma agressiva de participação do
governo nos negócios privados. “É realmente necessário que o Estado dê dinheiro
para essas grandes empresas? Elas não poderiam andar pelas próprias pernas? Não
é à toa que surgem suspeitas de favorecimento.”
O mais velho dos irmãos Batista, José Batista Júnior, tem 55
anos, e em Goiás, onde nasceu e foi criado, é conhecido como Júnior Friboi. Sua
empresa, a JBJ, está sediada numa casa de um bairro residencial de Goiânia.
Também ali nenhuma placa identifica o empreendimento. A única alusão ao negócio
é uma vaca colorida, da coleção Cow Parade, no pequeno jardim da entrada.
Em 2013, Júnior anunciou seu desligamento da sociedade da
JBS para se dedicar à política. Estava organizando no estado o PSB, o partido
de Eduardo Campos, e pretendia se candidatar a governador. Estimulado por Lula
e pelo vice-presidente, Michel Temer, Júnior migrou para o PMDB. Antes de se
decidir, fez uma visita a Iris Rezende, cacique do partido no estado. O
ex-governador, segundo assessores de Júnior, o incentivou a ir adiante. O
primogênito dos Batista chegou a levar o marqueteiro Duda Mendonça a uma das
reuniões com a velha raposa da política. Rezende concordava com tudo.
Os políticos do PMDB goiano se alvoroçaram com a movimentação
de Júnior Friboi. Ele prometia injetar 100 milhões de reais na campanha dele e
dos aliados. Só na pré-campanha, Júnior já havia desembolsado cerca de 30
milhões. Ninguém tinha dúvidas de que iria jorrar dinheiro no Estado.
Foi então que começaram os ataques. No dia 2 de maio do ano
passado, o jornal O Popular, o mais influente de Goiânia, estampou uma manchete
sobre uma dívida de ICMS da JBS com o estado de mais de 1,3 bilhão de reais.
Como o caso estava sob sigilo fiscal, a assessoria de campanha de Júnior
espichou as orelhas. Diante das suspeitas de que a notícia teria sido vazada
pelo governador tucano Marconi Perillo, candidato à reeleição, o jornal alegou
que o repórter recebera um envelope anônimo com os dados. O caso teve grande
repercussão. A família Batista argumentou que a dívida era de 300 milhões e que
se tratava de herança do Bertin. Em setembro, o jornalista responsável pela
notícia foi contratado como assessor de imprensa da Secretaria de Indústria e
Comércio de Goiás.
Júnior também sofria com o fogo amigo. Iris Rezende, que
havia se comprometido a apoiá-lo, voltou atrás e decidiu sair candidato. Seu
grupo político passou a fazer frequentes ataques ao empresário. Em meados de
julho, a filha de Rezende, junto a um grupo de correligionários, subiu no carro
de som em frente ao escritório de Júnior e bradou no alto-falante: “Iremos
mostrar para essa cambada que política se faz com amor e não com dinheiro.”
A família Batista marcou uma reunião com o primogênito. Os
irmãos e os pais o convenceram a desistir da campanha. “Tinha ficado claro para
a família que, no mundo político, o Júnior tinha se tornado peça a ser abatida.
E o calcanhar de Aquiles deles é empresarial”, disse-me um ex-assessor de
Júnior, durante uma conversa em Goiânia. “A empresa se tornaria alvo de todos
os ataques.” Depois que a dívida com o governo de Goiás veio à tona, outros
estados começaram a cobrar pagamentos atrasados. Só em São Paulo o grupo tem 3
bilhões de reais em autuações fiscais que estão sendo questionadas pela
família. No final de dezembro, após Júnior Friboi ter passado a apoiar a
campanha de Marconi Perillo, o governo de Goiás perdoou 1 bilhão de reais da
dívida da JBS.
Caía uma chuva forte na capital paulista na noite de 17 de
dezembro. Joesley estava confortavelmente instalado em uma poltrona, diante do
exuberante jardim de sua casa, no Jardim Europa. Da rua, pouco se podia ver da
construção praticamente colada à calçada e cercada por um enorme muro branco. O
interior da casa, no entanto, é de uma elegância despojada. O que destoava um
pouco era um enorme telão que projetava um show de Ivete Sangalo a um volume
considerável.
Joesley vestia calça jeans e camiseta azul-turquesa. Sobre a
mesa de centro, à sua frente, repousava um balde de champanhe e taças de
cristal. Acepipes como costelinhas de cordeiro com geleia de pimenta eram
renovados de tempos em tempos por Marcos Laurentino, antigo cozinheiro do iate
de Joesley, hoje promovido a chef de cozinha da casa. A piscina de uma raia,
suavemente iluminada, contribuía para a sensação de isolamento do tumulto da
cidade.
O que permitia ao empresário manter-se acomodado no jardim
em meio a uma tormentosa tempestade era uma bem planejada cobertura de vidro
suspensa sobre as árvores, praticamente imperceptível. Joesley contou que essa
foi a sua única intervenção na casa, que comprou de porteira fechada quando se
casou com Ticiana.
Logo ao chegar, fiz uma provocação: todas as vezes que nos
encontrávamos, ele estava comprando alguma empresa nova. Na nossa primeira
conversa, o grupo acabara de assumir a australiana Primo, o que fará da JBS a
maior produtora de carne suína da Austrália. Ele me olhou com espanto e
perguntou: “O que nós estamos comprando hoje?” Eu me referia à provável
aquisição do Banco Pine pelo Original, noticiada naquele dia. “É mentira”,
respondeu sem pestanejar. E emendou numa queixa: “É impressionante o que inventam
de história da gente.”
Joesley ainda estava aborrecido com a notícia publicada dias
antes, de que ele havia reclamado com a presidente Dilma Rousseff, a quem
visitara no Palácio do Planalto, da indicação da senadora Kátia Abreu, do PMDB
do Tocantins, para o Ministério da Agricultura. A senadora, grande produtora
rural e defensora dos interesses dos criadores de gado, criticara algum tempo
atrás a enorme concentração de frigoríficos nas mãos da JBS.
Com a expressão crispada, Joesley garantiu que não tocara no
assunto “Kátia Abreu” com a presidente e não entendia de onde teria saído o
boato. Seus assessores, porém, tinham uma versão para o caso. Eles suspeitavam
do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. A tese era de que, como o
nome de Kátia Abreu sofria muita resistência de setores mais à esquerda do PT e
dos movimentos populares, atribuir à JBS restrições ao nome dela poderia
angariar simpatias para a senadora. Se o gigante dos frigoríficos estava contra
ela, era porque ela seria boa para os pequenos produtores, os sem-terra e os
movimentos ecológicos.
Perguntei a Joesley o que ele pensava dessa teoria. “Não vou
falar desse assunto”, disse, recusando-se pela primeira vez a responder a uma
pergunta. E ressaltou que se eu fosse falar de Kátia Abreu, não haveria mais
entrevista. Expliquei que eu não poderia fugir do assunto. Ele reagiu um pouco
alterado: “Nós somos donos da maior empresa de carne do mundo, temos as maiores
empresas dos Estados Unidos. Você acha que eu vou estar preocupado com o que
pensa uma senadora do Tocantins?” E continuou: “Não há nada que ela possa fazer
contra nós. Nem negócios no Tocantins nós temos. Que ela seja feliz.”
A mesa de jantar, finamente arrumada, ficava sob um pé de
jabuticaba. Joesley brincou ao nos acomodarmos. “Quando na vida você jantou
debaixo de um pé de jabuticaba?” Laurentino serviu um vinho espanhol. “Só
conheço três vinhos de que gosto muito. Um bem caro, outro mais ou menos e
outro mais barato, para servir em festas”, explicou-me. Comentou que tem duas
coisas de que gosta muito, além de trabalhar: dormir e comer. Por isso faz
questão de uma refeição bem elaborada e de roupas de cama de qualidade.
Perguntei-lhe por que haviam tirado do ar o anúncio da
Friboi com Roberto Carlos. Ele riu. Explicou que a polêmica em torno do cantor,
que se dizia vegetariano, ter ou não ter voltado a comer carne tinha muito mais
força do que o anúncio, ofuscando-o. “Ninguém falava da Friboi, só do Roberto
Carlos.” As campanhas publicitárias da empresa são milionárias. Para colocar
todas as marcas em exposição eles gastam cerca de 800 milhões de reais por ano
em publicidade.
O assunto enveredou para doações de campanha. A JBS
desembolsou 366,8 milhões de reais em 2014, tornando-se a maior doadora do
país. Joesley me disse que precisavam fazer essa contribuição, visto que o
grupo estava instalado em mais de vinte estados. “Temos que participar da vida
democrática. Não podemos nos recusar a ajudar os políticos das comunidades onde
temos nossos interesses.” Considerou o valor da doação normal, apesar de
representar mais de 30% do lucro da empresa no último trimestre do ano. “Somos
a maior empresa do Brasil, é natural que sejamos os maiores doadores.”
Depois comentou que está confiante no desempenho da
economia, fazendo a ressalva de que este será um ano mais difícil. Ele não
acredita, porém, que a operação da JBS será afetada. “Nós vamos continuar
crescendo, como crescemos todos esses anos.”
E, como se falasse para ele mesmo, murmurou em voz alta. “A
gente faz um esforço danado, para vir esses filha da mãe dizer que a empresa é
do Lulinha?”
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