Um vídeo de pouco mais de três minutos divulgado no Facebook
pegou de surpresa o PSOL na última semana. Eleito deputado federal pelo
partido, o Cabo Daciolo (Psol-RJ) declarou na rede social que o Brasil vive uma
“falsa democracia”, defendeu a indicação de um general para o Ministério da
Defesa e ainda relacionou os índices de violência com o “baixo” número de
militares no País. Antes mesmo de assumir o cargo, o militar dá sinais de que,
apesar de ter liderado uma greve dos bombeiros no Rio de Janeiro, não é tão
progressista como o partido pensava.
No vídeo, Cabo Daciolo diz que o Brasil precisa de “união”
com os militares para ser uma “grande potência”. “Não sou a favor da ditadura,
nem da falsa democracia que estamos vivendo. E acredito que a união do militar
com a população faz do nosso País uma grande potência. Eu acredito na soberania
do nosso País. Hoje nós temos o Ministério da Defesa. O senhor Celso Amorim é o
ministro. E particularmente eu acho inadmissível que o cargo não seja de um
oficial general, no último grau da hierarquia das Forças Armadas, podendo ser
do Exército, da Marina ou da Aeronáutica”, diz.
O deputado federal Chico Alencar, que também é do Psol do
Rio de Janeiro, admitiu que o episódio “chocou” as lideranças do partido.
“Essas declarações, que evidentemente não têm a mínima identificação com o
Psol, nos surpreenderam”, afirmou antes de criticar o discurso do colega. “Além
de ter essa visão extremamente reacionária, atrasada, é um pouco prepotente.
Ele convoca militares para discutir a importância de um oficial-general para
chefiar o Ministério da Defesa. Ele está distante até das democracias liberais
modernas”, complementou.
Essa não foi a primeira demonstração ideológica do militar
que pareceu “preocupante” para a legenda. Em alguns vídeos, o Cabo Daciolo
também demonstra costumes que “beiram o fundamentalismo religioso”, como
classifica o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ). Em uma das imagens, o bombeiro diz
que seu mandato é de Deus. “Acredito em um Deus vivo. Esse mandato é ele [Deus]
que está à frente, nos guiando. Ele é o Deus do impossível”, profetiza.
O momento mais “constrangedor”, segundo os socialistas, foi
na segunda-feira 15, quando os deputados eleitos foram diplomados na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro. O Cabo Daciolo participou do protesto da bancada
do partido em repúdio à violência contra a mulher. A manifestação tinha como
pano de fundo as declarações polêmicas de Jair Bolsonaro (PP-RJ). O deputado
afirmou que não estupraria Maria do Rosário (PT-RS) porque “ela não merecia”.
Mas, após o ato, o Cabo Daciolo foi “tietar” justamente Bolsonaro e seu filho,
alvos da ação, e ainda tirou uma foto com os parlamentares.
“Me chocou o vídeo do Daciolo. Achei que é uma pessoa que
não está bem situada politicamente, afinal de contas ele está no Psol”, afirmou
Jean Wyllys, que costuma fazer frente justamente a Bolsonaro na Câmara. “Eu já
tinha visto um vídeo dele exageradamente religioso. Falando que vai estar a
serviço de Jesus, quase beirando um fundamentalismo religioso. Esse vídeo já
tinha me deixado um pouco constrangido”, explica o deputado.
A aproximação de Cabo Daciolo com o partido se deu após o
militar liderar a greve dos bombeiros no Rio de Janeiro, em 2011. Na ocasião,
ele comandou a invasão do Quartel General da corporação e o acampamento nas
escadarias da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Mas como o Psol não
percebeu que, ainda que tenha despontado como liderança de um movimento grevista,
o cabo pudesse ser conservador em outros assuntos? “Ele se filiou próximo do
período eleitoral. Nas conversas preliminares que tivemos ele pareceu ter uma
postura progressista. Foi muito aberto, afável, disposto a ouvir. Como nós
apoiamos muito esse movimento [grevista], sempre tivemos diálogo [com ele]”,
minimiza Chico Alencar.
A reportagem tentou entrevistar o Cabo Daciolo para entender
por que ele escolheu o PSOL e se não via problema em ter uma conduta destoante
do partido. O militar chegou a atender uma das ligações, mas pediu que
CartaCapital retornasse em outro horário. E não respondeu novamente. O militar
parece não estar disposto, no entanto, a seguir as orientações do partido. Na
noite desta quinta-feira 18, o bombeiro usou o Facebook para dizer que não tem
obrigação de entoar ideais do próprio partido. Ele também disse que o pedido de
cassação do mandato de Jair Bolsonaro, encampado pelo Psol e outros três
partidos, é "eleitoreiro".
"Me reservo o direito de não trazer para minha ação
política o debate que hoje mobiliza setores do meu partido, o Psol e o deputado
Jair Bolsonaro. Não fui chamado pelo Psol e por nenhum outro setor a debater e
preparar campanha pela cassação do mandato do deputado Bolsonaro. Se isso
tivesse ocorrido, mesmo achando as posições deste erradas, não concordaria.
Acho a tática equivocada, inclusive eleitoreira", criticou.
Com a polêmica, o partido deve se reunir para cobrar
explicações do deputado federal ou orientá-lo. “Vamos conversar com ele e
lembrá-lo que na sua nova função pública ele expressa a visão do partido. Ele
não se elegeu sozinho”, avisa Alencar.
Agora, o risco é que o militar acabe se aproximando de
setores que sempre foram opostos ao Psol no Congresso, como a Bancada da Bala
ou a Bancada Evangélica. Caso isso aconteça a legenda indica que poderia
reivindicar o mandato na Justiça. “Eu não gosto de fazer futurologia. É
evidente que nenhum membro da bancada do Psol pode ser da Bancada da Bala, ou
da Bancada do Agronegócio, ou da Bancada da Bola. A nossa identidade é
exatamente não estar atrelada a nenhuma corporação dessas”, rebate o deputado
Chico Alencar.
Publicado 19/12/2014 15:03
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