A presidente Dilma Rousseff lutou contra o governo militar.
Tem orgulho disso, porque é um tema que gosta de frisar. Foi presa e cumpriu
uma longa pena. Conheci três mulheres que cumpriram pena com Dilma – no mesmo
período, cadeia, e por acusações semelhantes. Há muito não temos contato. Mas
duas delas foram amigas próximas, na juventude e na maturidade. Com Márcia, a
mais próxima, montei um grupo de teatro popular que se apresentava na periferia
de São Paulo. Nunca participei da esquerda radical, como Dilma. Boa parte de meus
amigos, porém, foi presa e torturada. Outros desapareceram nas mãos dos
militares. Quando descobriram o cemitério secreto de Perus, onde vários corpos
foram encontrados, lembrei-me de um amigo desaparecido há décadas. Estaria lá?
Ainda continuamos sem saber o que realmente houve com ele. Até hoje, muitos
corpos da Guerrilha do Araguaia permanecem sem identificação. Mães ainda choram
os filhos desaparecidos. Ao menos, queriam saber seus destinos.
Não fui um radical de esquerda, só estive próximo. Entre meus
amigos está Flávio Tavares, este sim, um dos mentores dos primeiros movimentos
guerrilheiros e jornalista preso não só no Brasil, como, mais tarde, no
Uruguai, por militares. Moramos juntos no México e nossa amizade será para
sempre. Também tive a honra de conhecer de perto, ser vizinho e filar almoços e
jantares na casa de Francisco Julião, já falecido, líder do movimento camponês.
Acompanhei o modo de ser de minha geração, onde, quem não era de direita,
pró-militares, inevitavelmente tornava-se esquerda. Compareci à missa da morte
de Vladimir Herzog, aos primeiros discursos de Lula no ABC, às movimentações
populares que levaram ao Diretas Já. No dia da eleição de Collor, o
presidente “colorido”, me vesti de preto.
O motorista de um carro me agrediu. Collor ganhou e deu no que deu. Mas foi
parte de um processo político, que amadureceu a democracia.
Acompanhei a vida de uma geração que se voltou para a
política. Contribuiu para a queda do governo militar e mudou o Brasil. Nunca um
país será melhor com uma ditadura do que com a democracia. Pior se os jornais
não puderem noticiar escândalos, corrupções. Era muito pior quando a sanha de
perseguição dos militares obrigou até mesmo Dias Gomes a escrever uma novela
com o pseudônimo de Stella Calderón – caso contrário não iria ao ar.
A presidente fez parte dessa geração de militantes. Deixou a
cadeia, entrou para o PDT e mantém o discurso de distribuição de renda. Mas, na
campanha eleitoral, prometeu uma coisa e depois fez outra. Aliás, corretamente,
porque o ajuste fiscal é necessário. Só que ela sabia disso, não? Conheci gente
que me garantiu:
– Se o Aécio ganhar, acaba o Bolsa Família.
Invenção de campanha, que ninguém sabe de onde saiu. Mas
sabemos. Também se disse que a eleição era uma batalha entre elites e pobres
deste país. Mentira. Explodem escândalos. Um, que não deve ser minimizado, é o
dos médicos cubanos. Seu salário é pago diretamente ao governo cubano, que
repassa muito menos. Dilma disse que se tratava de uma “bolsa”, quando
chegaram. Mas se fosse uma “bolsa” seriam estudantes. Os brasileiros são o que,
suas cobaias? São médicos, sim. Agora o governo cubano ordena a repatriação de
seus familiares, para não se fixarem no país. Como alguém vive no Brasil às
margens das leis trabalhistas e submete-se, a si mesmo e à família, diretamente
ao governo cubano?
A trajetória de alguém como Dilma teria sido mais lógica se
ela se tornasse oposição. Cobrasse promessas de campanha. Talvez entrasse até
para o PSOL, mais radical. Na primeira campanha, ela falou até em
descriminalização do aborto. Mais tarde, calou-se a respeito. É um tema
controverso, concordo. Mas Dilma, pessoalmente, pensa o quê? No primeiro
mandato, proibiu a distribuição de um kit gay nas escolas, para não desagradar
aos evangélicos. Respeito os evangélicos, todo mundo tem direito a ter sua
crença e seus valores. Mas quais são os da presidente? Faz tudo tão diferente
do que acredita ou acreditou. Hoje, com mais de 60% de imagem negativa, ela se
mantém isolada, fazendo acordos, distribuindo cargos, silenciando sobre a
corrupção, com um PT acusando a elite, que só protegeria seus próprios
interesses. Diga lá: 60% no país é elite?
Eu penso: Dilma, esse é o futuro lógico de alguém com seu
passado? Falando francamente: Dilma, você votaria em você?
Nenhum comentário:
Postar um comentário