terça-feira, 28 de julho de 2015

OS DESASTRES NA CALADA DA NOITE

Artigo de Cilene Victor
Quem tem memória sabe que os desastres são sempre anunciados, porque são previsíveis. São invisíveis porque atingem, na sua maioria, as populações mais vulneráveis social e economicamente. E são silenciosos, porque são construídos ao longo do tempo, resultados de uma série de combinações, como por exemplo a inércia do governo diante da urgência de tornar a sociedade mais resiliente aos desastres.
No campo da prevenção, o Brasil sempre agiu de maneira desproporcional aos impactos dos desastres anunciados, aqueles previsíveis.
Nos últimos anos, porém, pressionado por tragédias de grande intensidade e, consequentemente, de ampla repercussão na imprensa, que pautaram as conversas cotidianas e resultaram na pressão da opinião pública, alguns passos importantes foram dados.
Quando o país parecia ter achado um norte, assumindo uma postura comprometida com a sua Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, uma decisão pode romper esse curso e ameaçar o presente e o futuro das boas práticas de redução de riscos de desastres (RRD), por meio das quais torna-se possível reduzir as perdas humanas e os prejuízos econômicos provocados pelos desastres.
A decisão, tomada em silêncio e no escuro, é a fechar o Centro de Excelência para a Redução do Risco de Desastres do Escritório das Nações Unidas para RRD (UNISDR-CERRD), localizado no Rio de Janeiro.
Quem faz o alerta é a Rede de Centros e Núcleos de Pesquisa em RRD, formada por profissionais e pesquisadores engajados com a agenda nacional e internacional de redução de riscos de desastres, muitos dos quais alocados em núcleos, centros e grupos de pesquisa públicos espalhados pelas cinco regiões do país.
Em uma carta aberta dirigida ao governo, a Rede questiona o anúncio  do fechamento desse Centro de Excelência, criado em 2013, fruto de uma iniciativa do Escritório das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres em parceria com o governo brasileiro.
Criado após o país ter enfrentado desastres de grande intensidade, como os que acometeram a região serrana do Rio de Janeiro, em 2011, Alagoas e Pernambuco, em 2010, o CRRD-UNISDR pode ter suas atividades encerradas no Brasil até dezembro.
Como num desastre na calada da noite, que toma todos de surpresa, o governo ainda não oficializou a informação, mas a Rede se antecipa e registra no documento as conquistas que o país alcançou sob a luz do CERRD e o que pode significar o encerramento de suas atividades.
A carta aberta da Rede precisa chegar nas mãos do governo, mas também precisa ser divulgada por todos os órgãos de imprensa e provocar na opinião pública a inquietação necessária para reverter a decisão - incompatível com os últimos discursos do governo sobre o enfrentamento das mudanças climáticas e a promoção do  desenvolvimento sustentável.
Muitos estudos têm associado a frequência e a intensidade dos desastres às mudanças climáticas, como também têm alertado sobre os seus impactos nas populações mais pobres, retrato do que ocorre no Brasil.
Embora sejam alvos de controvérsias, algo comum no universo científico, esses estudos têm servido de base para a concepção de políticas públicas nacionais, protocolos e marcos internacionais, como o Marco de Ação de Sendai para a Redução de Riscos de Desastres, assinado durante a Terceira Conferência Mundial da ONU sobre o tema, realizada em março no Japão.
Com a maior delegação que já conseguiu levar para uma conferência da ONU sobre essa temática, resultado da mobilização promovida pelo CERRD, o Brasil assumiu em Sendai uma postura elogiável, compatível com a de qualquer país engajado na redução de riscos de desastres.
Quatro meses após a Conferência da ONU, o fechamento do Escritório não significará apenas uma contradição à postura comemorada por representantes brasileiros de vários setores presentes em Sendai, mas conotará um desrespeito às vítimas dos desastres que acometeram o país e às vítimas dos desastres que estão por vir.
Se essa decisão for tomada, o país assumirá um retrocesso sem precedentes e não terá outra saída senão a de entrar pela porta dos fundos da COP 21, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
A menos de cinco meses da COP 21, a concretização da ameaça de fechar o Centro provocará uma reação em cadeia, condenando ao fracasso ações e políticas públicas em outras áreas interligadas às de redução de riscos de desastres.
Leia a carta na íntegra.
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