Artigo de Fernando Gabeira
Chamou-se “O jogo da imitação” o filme sobre a vida do
criptoanalista Alan Turing, que desvendou os códigos nazistas durante a Segunda
Guerra. O esforço coletivo será menor para desvendar as anotações no iPhone de
Marcelo Odebrecht. Elas revelam algumas indicações contundentes e inequívocas
de corrupção. Mas trazem muitos enigmas que nos impelem a devendá-los, pelo
menos para saber o que, realmente, aconteceu com o Brasil. E, é claro, extrair
as consequências.
Marcelo Odebrecht foi intitulado o Príncipe dos
Empreiteiros. Jovem, rico e bem educado, adotou a tática petista de negar,
encarou com desdém a investigação. Na cadeia, tropeçou pela primeira vez,
enviando um bilhete determinando a destruição de um e-mail sobre venda de
sondas. Mas agora, com as mensagens em seu telefone, eu diria: perdeu, playboy,
na linguagem plebleia, mas o adequado é: perdeu, Príncipe.
São evidentes, mesmo com as barreiras de códigos, as
relações íntimas entre a Odebrecht e o governo. Cúmplice na Lava-Jato, pede um
contato ágil com o grupo de crise do governo. Esperar um contato ágil do grupo
do governo é sonho de executivo. De todas as maneiras, isso demonstrava como
estavam juntos, na tarefa de escapar da polícia.
Recados como este a Edinho Silva, tesoureiro da campanha de
Dilma: avisa a ela que pode aparecer a conta da Suíça. Não é preciso grandes
decifradores para supor que a campanha do PT foi feita com dinheiro que veio da
Suíça. Bem que desconfiei. Uma campanha tão bem educada: a grana vinha da
Suíça. Esse tópico é tão interessante que quase todos fingiram não notar, como
se não olhar para a bomba impedisse que exploda.
Odebrecht usou métodos de máfia, ao mobilizar dissidentes da
Polícia Federal para melar a Lava-Jato. Tudo indica que foram esses
dissidentes, numa outra ação, que colocaram uma escuta clandestina na cela de
Alberto Youssef, na esperança de anular o processo. Está quase tudo lá no
telefone de Marcelo. Amigos poderosos, propinas, orientação para artigos. Numa
dessas, ele reclama que o foco da Lava-Jato está sobre os empreiteiros e é
preciso deslocá-lo para os políticos. Mas a tática está dando certo. Políticos
são mais experientes e escorregadios. O grande material contra eles virá
precisamente das delações, de anotações como essas do iPhone.
Marcelo Odebrecht optou pelo silêncio. Mas deixou pistas
pelo caminho. Como se dissesse; se querem me pegar, trabalhem um pouco com a
cabeça. Ele terá que se explicar ao juiz Sérgio Moro. Mas se usar a tática do
bilhete, destruir/desconstruir, vai se dar mal. É hora de contar tudo ou então
assumir as consequências. Até plano de fuga, saída Noboa, estava previsto em
suas mensagens. Noboa é um dirigente equatoriano que fugiu do país para a
República Dominicana.
Chega de esconde-esconde. Isso vale também para Dilma e o
PT. Em Portugal, abriram-se investigações sobre o negócio entre telefônicas no
Brasil. Uma equipe peruana vem investigar no país o caso Odebrecht, pois
suspeita que houve corrupção. Os americanos monitoram a Odebrecht. O Brasil
virou uma grande cena do crime. Qualquer dia vão nos cercar com aquelas fitas
pretas e amarelas e chamar os turistas para filmarem o PT, aliados e a
Odebrecht, dizendo que não roubaram nada. Foi tudo dentro da lei. Só pela cara
de pau mereciam uma punição extra.
Hoje, Dilma, Renan e Eduardo Cunha constituem um triângulo
das Bermudas. Nele desaparece toda a esperança. Cunha agora é contra Dilma,
Renan também. Há quem ache que é preciso poupá-los porque são contra Dilma. Mas
hoje quase todo mundo é. Cunha está sendo acusado de levar US$ 5 milhões da
Toyo Setal. Um dos indícios era o requerimento que a deputada Solange Gomes
apresentou para pressionar os empresários. O requerimento foi produzido no
computador de Cunha.
Fui deputado com os dois, Cunha e Solange. Um dia, ela veio
com um jabuti para acrescentar numa medida provisória: isentar a indústria
nuclear de alguns impostos. Fui perguntar o que era aquilo e ela não sabia
responder. Percebi que era apenas uma assinatura de aluguel. Trabalhava em sintonia
com Eduardo Cunha. Quando surgiu essa pista do requerimento de Solange, mesmo
antes de descobrirem que veio do computador de Cunha, na solidão do quarto
hotel, soltei o grito da torcida do Atlético Mineiro:
— Eu acredito!
As próximas semanas devem ser decisivas contra essas forças
que ainda dominam o Brasil mas estão em contradição com ele. Ministros,
deputados, presidentes e ex-presidente, todos farão o esforço final para
escapar da enrascada. Dilma contra Cunha, Renan contra Dilma, Dilma contra Renan,
eles podem dançar à vontade o balé dos enforcados. Lembram-me uma canção da
infância, nascida nas rodas de capoeira: “A polícia vem, que vem brava, que não
tem canoa cai n’água. Pau, pau, peroba, foi o pau que matou a cobra.” Pelo
menos cantávamos, naquela época.
Hora de recomeçar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário