Artigo de Fernando Gabeira
No momento em que escrevo, começo uma jornada pela Amazônia
oriental. Entro numa área de pobre conexão, mas ao sair dela, creio, ainda
estaremos no mesmo estado de crise.
O cerco contra o governo cada vez aperta mais. O esperado
depoimento de Ricardo Pessoa, o homem da UTC, envolve diretamente tesoureiros e
campanhas de Lula e Dilma. Em Minas, o governador Fernando Pimentel está sendo
investigado pela Polícia Federal (PF) com autorização do Superior Tribunal de
Justiça.
Dentro da cadeia, o cerco se fecha também contra os
empreiteiros. A força-tarefa de procuradores apurou apenas 25% dos casos de
corrupção. A presença de grandes empresários na cadeia traz à cena alguns dos
melhores escritórios de advocacia do País. Nesses casos – infelizmente, apenas
nesses – o respeito aos direitos humanos é minuciosamente monitorado.
Só com os dados divulgados nem sempre é possível fazer uma
análise precisa. O bilhete de Marcelo Odebrecht, por exemplo, foi tema de
discussão. No bilhete, apreendido pela PF, ele manda destruir um e-mail. A
defesa de Odebrecht diz que ele usou o termo destruir num sentido figurado.
Queria dizer desconstruir, combater os argumentos associados a um negócio de
sondas, com sobrepreço.
Só tenho meus recursos próprios para avaliar um caso desses.
Pelo que conheço de cadeia, os presos, de fato, usam linguagem cifrada para
evitar que a polícia descubra o conteúdo de seus bilhetes: Arnaldo, não se
esqueça do remédio das crianças menores; Maria, pegue o meu guarda-chuva e
empreste ao Adriano. Na cadeia, a linguagem figurada não é usada apenas para
que a polícia não perceba o conteúdo, mas também para que a polícia não possa
provar que você falou algo diferente do que está ali, no papel.
Prisioneiros usam metáforas para escapar do crivo policial.
Marcelo Odebrecht usou para se incriminar. Inexperiência? De modo geral, um
empresário como ele tentaria ser objetivo. Ele sabe que um simples bilhete de
cadeia tem de ser preciso. Poderia ter escrito desconstruir, combater, no lugar
de destruir.
Vamo-nos ater aos verbos construir e desconstruir. A
desconstrução de um argumento, de modo geral, é um processo longo e
diversificado. Neste caso, não haveria tanta urgência: era tema para tratar nas
conversas regulares com os advogados. O verbo destruir implica uma certa pressa
e cabe precisamente num bilhete, num comunicado que não possa esperar visitas
legais e regulares de seus defensores. Os advogados de Odebrecht afirmam que
não mandaria destruir o e-mail sobre compra de sondas porque já era conhecido
da polícia. Argumento forte: de que adianta destruir algo que a polícia já
conhece e utiliza? Mas não era só um e-mail, vários foram escritos pelo mesmo
diretor. Agora a Braskem já entregou todos os e-mails e a operação foi auditada
por uma firma independente.
Novas batalhas estão em curso. Uma delas é sobre o sentido
da palavra sobrepreço. Nós a entendemos como superfaturamento. Eles dizem que é
um termo comum no mercado, com sentido diferente.
A liberdade de Marcelo Odebrecht depende de uma profunda
simpatia da Justiça por seus argumentos. Para conceder habeas corpus será
preciso deixar de lado o que está escrito e acreditar só no que ele queria
dizer.
Um jornalista que escreve que o governo afundou na
corrupção, diante dos juízes não pode alegar que o governo apenas tropeçou ou
resvalou na corrupção. Afundou mesmo.
Teremos um longo período de governo sitiado. As peripécias
jurídico-policiais serão emocionantes, mas inibem um pouco a discussão sobre
alternativas. Tanto a PF quanto o Ministério Público (MP) já devem ter ideia do
extenso trabalho que têm pela frente. A usina de Belo Monte, por exemplo, não
tinha entrado na história da corrupção. Agora já entrou. Os estádios
construídos pelas empreiteiras para a Copa do Mundo também passam por
dificuldades e a história de sua construção ainda não é de todo conhecida.
Os empreiteiros estão ressentidos com o governo porque não
impediu a ação da PF e do MP. Mas como, se o governo está cercado e se comporta
como num avião em queda: primeiro ajusta a máscara de oxigênio em si próprio,
depois vai pensar em cuidar do outro.
Lula não poderá dizer que ignora o que se passou na
Petrobrás ou não conhece nem trabalhou com a Odebrecht. Dilma, por sua vez, já
se complicou com as pedaladas no Orçamento e dificilmente conseguirá explicar-se.
Além disso, com as declarações de Pessoa, terá de explicar, juntamente com seu
ministro Edinho Silva, onde foram parar os R$ 7,5 milhões da UTC injetados no
caixa 2 de sua campanha. Tudo isso já era esperado. Ricardo Pessoa fez várias
referências na cadeia, indicando o rumo de sua delação premiada. Com tantos
escândalos, quase esquecemos dessa variável. No fim de semana, ela apareceu com
toda a força.
As complicações de Fernando Pimentel também eram
pressentidas, desde 2014, quando o empresário Bené foi preso com dinheiro no
avião. A sensação que tivemos no momento eleitoral foi de abafa. Mas também aí
o fio foi sendo puxado. O caso implica a mulher de Pimentel. Jornalista, ela
recebeu de outro jornalista, Mario Rosa, mais de R$ 2 milhões por seu trabalho.
Deve ser extremamente talentosa. Um jornalista mediano rala dez anos para
chegar a essa soma, e muitos não chegam lá.
Estamos assistindo a cenas finais dessa luta da Justiça
contra o partido político que domina o País ao lado de seu parceiro, o PMDB.
Não me parece tão produtivo falar mal de um governo e um partido cercados pela
polícia.
Dilma faz saudações à mandioca, como se o ridículo fosse o
mais leve fardo que pudesse carregar. Lula esbraveja contra o PT, como se fosse
um observador de outro planeta. Vai chegar o momento de discutir o País e
alternativas diante da crise. Está demorando. O minuto de silêncio pelo funeral
do PT se estende além da conta. Já sabemos quem pagará o enterro e as flores.
Arruinado, o Brasil precisa recomeçar.
Artigo publicado no Estadão em 03/07/2015
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