O chamado ajuste fiscal foi um ajuste no cinto das viúvas,
dos desempregados e dos pescadores. O governo reduziu brutalmente seu alcance,
sob o argumento de que a realidade é pior do que imaginava. Ou o governo não
tinha uma ideia precisa da realidade ou contou mais uma mentirinha para embalar
o País. A tática de Dilma é esta. Ela não muda jamais. Apenas conta uma nova
mentirinha para ganhar tempo. Foi assim nas eleições, foi assim com o ajuste
fiscal.
Sempre que as coisas complicam, Dilma chama o marqueteiro
João Santana para buscar uma saída. A próxima tese a ser desenvolvida no
programa do PT, certamente ao som das caçarolas, é a de que o Brasil foi pior
no passado. Essa brecha é excelente como orientação aos ministros. No caso do
crescimento da dengue, poderiam fazer um programa mostrando que a gripe
espanhola foi muito pior, ou a peste bubônica, por exemplo.
Uma das razões que condenam o ajuste fiscal de Dilma é o seu
isolamento político. Quanto mais isolada, mais gastará para sair da marca do
pênalti. Um exemplo: as emendas parlamentares. Em épocas normais, o governo as
libera a conta-gotas. No auge da crise, está liberando geral, para evitar novas
derrotas no Congresso. E vai empregar em massa quadros de segundo e de terceiro
escalões.
O destino de Dilma, que precisa gastar para sobreviver e
morre um pouco mais quando gasta, é parecido com o de um personagem de Balzac
no livro que se chamou aqui A Pele de Onagro. A cada desejo que um talismã
mágico realiza, a pele se contrai e a morte do dono do talismã se aproxima.
Isso é uma interpretação pessoal de um dos elos entre
política e economia. Num cenário de triunfo do populismo, sobraria algum
caminho demagógico para trilhar. Mas o Brasil iria para o espaço, não
necessariamente para Plutão ou o Kepler-452b, mas para a Grécia em ruína.
Não é golpismo pensar no Brasil sem Dilma. Na verdade, é uma
das tarefas dos que procuram uma saída no horizonte. Uma saída que só pode ser
constitucional. O que há de golpismo em pedir impeachment de um presidente?
Está previsto em lei.
A democracia é tão elástica que absorve até projetos que
mudem a lei, como, por exemplo, a legalização da maconha e a união gay. Se não
é proibido tentar, democraticamente, alterar uma lei, por que o seria utilizar
uma lei que já existe?
Toda essa gritaria sobre golpismo é um mecanismo para
intimidar. Agora decidiram, além de intimidar, comover a plateia. Lula disse
que os petistas são perseguidos como os judeus no nazismo, os cristãos em Roma,
os italianos no fascismo.
Curitiba não é Dachau ou Auschwitz. E em Roma os cristãos
eram entregues ao leão na arena. Num único momento eu me lembrei do leão, um
cara de bigode da Receita Federal que disse que havia arrecadado parte do
imposto que as empreiteiras devem no petrolão e esperava arrecadar mais.
Cristãos estão sendo trucidados no Oriente Médio. E um dos seus algozes é o
Estado Islâmico, com quem Dilma queria dialogar.
Ao recusar um encontro com Dilma, a oposição mostrou que não
gosta mais de apanhar. Já é um passo. Muito pequeno, entretanto, para o árduo
período de transição até 2018, quando esperamos, simultaneamente, um
abrandamento da crise e novas eleições.
Essa transição não se fará excluindo partidos políticos. Mas
é preciso encontrar uma fórmula em que tenham peso também forças sociais não
diretamente envolvidas com o processo eleitoral.
A transição é dura. Possivelmente, os líderes da oposição
temem consertar todos os estragos feitos pelo PT, que usaria este período para
propor de novo o paraíso. Eles temem, creio, um cenário perverso: o PT
desorganiza a máquina econômica, se afasta durante o conserto e volta,
triunfalmente, para arrasá-la de novo.
É um cenário que ignora o aprendizado do povo brasileiro e
supõe que ele vá se comportar sempre da mesma maneira, independentemente de sua
experiência histórica.
São essas dificuldades do Brasil pós-Dilma Rousseff que
inibem a oposição e outros atores democráticos. A opção de deixá-la sangrando,
fazer com que pague por seus erros, tem a força da inércia.
O fiasco do ajuste fiscal indica o horizonte de crise que se
estende até, pelo menos, 2017. Para quem está desempregado, a crise adia suas
esperanças; para quem teme o desemprego, aprofunda sua angústia; para quem tem
sonhos de progredir no próprio emprego, a saída é se conformar.
São dois caminhos claros para a escolha nacional: com ou sem
Dilma.
Naturalmente, há os que ainda acham o governo bom e
gostariam de vê-lo continuar. São poucos, segundo as pesquisas. Mas, ainda
assim, é muito grande o número de pessoas que acham que o governo deve
prosseguir, apesar de tudo. Ou por um discutível respeito à lei ou pelo prazer
de ver o PT se queimando nos incêndios que o próprio partido provocou.
Existem frentes, relativamente autônomas, impulsionando uma
saída. Uma dessas frentes é o Tribunal de Contas da União (TCU), que julgará as
pedaladas fiscais. Outra é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que julgará as
denúncias sobre a campanha de Dilma.
As anotações de Marcelo Odebrecht falam em avisar ao Edinho,
tesoureiro de Dilma, que as contas na Suíça poderiam chegar à campanha dela. As
contas na Suíça foram, parcialmente, reveladas.
Tudo isso já não depende tanto de interferência, apenas de
atenção. O problema é pensar um caminho até 2018 com um enfoque na economia.
A tendência, além do aumento do desemprego e das tensões
sociais, é também da multiplicação de ruínas, por falta de investimento. O
projeto de Dilma, assim como o de Lula, era o de um crescimento impulsionado
pelo poderoso Estado brasileiro, hoje falido.
No fundo, aquelas pontes fantasmas do Tocantins que ligam o
nada a lugar nenhum são a antevisão de alguns esqueletos com os quais vamos
conviver nos próximos anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário