Joaquim José da Silva Xavier. Foi traído e não traiu jamais
a inconfidência de Minas Gerais. Dentro e fora do Brasil, impostos sempre geram
conflitos. Tiradentes que o diga. Pagou em parcelas de carne e osso a ousadia
de combatê-los no Brasil Colônia. Vivi quase uma década na Suécia, país de
impostos altos. Algumas pessoas reclamavam de tarifas progressivas. Argumento:
trava o estímulo para produzir mais. Nunca vi, entretanto, alguém negando a
qualidade dos serviços que o governo prestava. Era uma evidência cotidiana.
Em 2013, milhões de pessoas foram às ruas no Brasil
exatamente pedindo melhores serviços públicos. De lá para cá nada mudou, exceto
a descoberta do maior escândalo do século na Petrobras. Com ele surgiram também
outros escândalos menores. E a conclusão expressa até por ministros do Supremo:
o sistema de poder que dominou o Brasil é na verdade uma organização criminosa.
Hoje, as pessoas têm muitas razões para achar que seus impostos são tragados
pela incompetência e pela corrupção.
O governo quer que elas se esforcem mais. Se as consultasse
sobre a proposta, receberia um maciço “não”. Ainda assim, as pessoas perguntam
na rua: vai passar? Em termos puramente teóricos seria rejeitada pelo
Congresso. Afinal, os representantes devem expressar a vontade de seus
eleitores. Mas todos sabemos que o buraco é mais embaixo.
O governo, no momento, não domina a maioria dos votos. Mesmo
entre seus aliados, o instinto de sobrevivência política costuma falar mais
alto. O que um governo decadente pode oferecer em troca da execração dos próprios
eleitores?
Creio que muitas decisões vão depender desse cálculo. No
Brasil de hoje é possível difundir com muita rapidez a lista com o voto de cada
deputado.
Perto da CPMF, os outros improváveis cortes do pacote do
governo são secundários. É este imposto que vai ser o centro da batalha nas
próximas semanas. De um lado, Dilma Rousseff já nas cordas, de outro a grande
rejeição ao novo imposto. Ouso dizer que a sociedade é a favorita nessa luta.
No debate, vai aparecer muita gente dizendo como o imposto é
importante para fazer o bem. No passado, o bem da saúde, agora o bem dos
velhinhos. Por convicção, não tenho resistência a impostos. Pagaria tudo
sorrindo se soubesse que o dinheiro está sendo bem aplicado. Não é o caso.
Então o que fazer? O CPMF é um imposto em cascata cobrado
automaticamente nas transações financeiras. Podemos protestar, mas lembro que
já se protestou contra a incompetência, em 2013, e mais especificamente contra
a corrupção em 2015.
Não creio apenas em grandes manifestações. Alguns
jornalistas as medem com avidez e podemos ter menos de 300 pessoas: vão
concluir que a CPMF triunfou. O governo trata as grandes manifestações como
populações de risco tratam as tempestades. Se a casa não caiu, o dia seguinte é
de alívio.
Agora será preciso também uma pressão cotidiana sobre os
deputados. Pelo menos em tese, dificilmente uma sociedade que tenha passado por
um governo incapaz e um pesado esquema de corrupção será obrigada a pagar a
conta sozinha.
Dilma decreta o aumento zero para o funcionalismo. Semanas
atrás foi aos Estados Unidos e gastou cerca de US$ 100 mil só com aluguel de
carros, e, naturalmente, uma limusine.
É toda uma cultura do próprio governo que precisa mudar.
Além da incompetência e da corrupção, os governantes se comportam como nababos.
Mesmo na Suécia, onde se prestam serviços eficazes, as
pessoas cairiam de susto se vissem uma conta de US$ 100 mil em aluguel de carro
por um passeio oficial na Califórnia. Pode-se argumentar: o dinheiro não foi
gasto, o governo deu o cano. Então vamos adiante: se os suecos soubessem que o
governo contratou os serviços por US$ 100 mil e ainda por cima deu o cano, o
próprio gabinete cairia.
Já vivo no Brasil há muitos anos, para não confundir realidades
diferentes. Mas existem aspirações universais numa democracia. Uma delas é
receber serviços decentes em troca dos impostos. A outra é exigir competência
dos que se dispõem a dirigir o país. A ideia de que os governantes devam imitar
o padrão de vida dos milionários é uma ilusão, embora a cena política tanto
aqui como nos EUA seja povoada de celebridades e fortunas.
Quando me perguntam se a CPMF vai passar, respondo que pela
lógica não. Mas não devemos apenas confiar na lógica. A CPMF é apenas um imposto.
É toda uma visão de mundo que está em jogo.
Instale-se um governo confiável, eficaz e austero, aí então
podemos conversar. O estrago foi muito grande. Se temos de pagar alguma coisa,
é razoável que não seja pago exatamente aos responsáveis pelo prejuízo.
A CPMF é um processo kafkiano que se abre contra uma
sociedade que não cometeu nenhum crime. Apenas escolheu mal numa eleição que,
no fundo, era um tecido de mentiras.
Artigo de Fernando Gabeira, publicado no O Globo
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