Da IstoÉ
Desde a primeira eleição de Dilma Rousseff, em 2010, ela e o
ex-presidente Lula estiveram reunidos dezenas de vezes para debater a
conjuntura política. Os dois últimos encontros entre o criador e sua criatura
aconteceram na quarta-feira 23 e na quinta-feira 1 no Palácio da Alvorada e
foram bem diferentes dos anteriores. Em ambos, Dilma praticamente só ouviu. O
tom enfático e as palavras duras proferidas por Lula não autorizaram réplica.
Instada pelo petista a promover uma reforma ministerial de modo a contemplar
todas as alas do PMDB e a promover à coordenação-geral do governo um lulista de
carteirinha, o ministro Jaques Wagner, a presidente aquiesceu, como se
alienasse o governo com porteira fechada ao antecessor. Por isso, a reforma
ministerial anunciada no final da última semana diz mais sobre Lula do que
Dilma. Mas as mudanças na Esplanada também falam muito sobre a presidente.
Fragilizada, a petista virou uma marionete, pois topou fazer o diabo para
prosseguir com a única agenda que a consome há pelo menos seis meses: a de “não
cair” – ou seja, evitar o impeachment a todo e qualquer custo. Às favas
qualquer escrúpulo. Não importa – a não ser para a manutenção do poder – se
para tentar se sustentar no cargo ela tenha de escalar um time de quarta
divisão para comandar o seu primeiro escalão. Não importa se para empreender as
mudanças no governo ela tenha de tratar com desdém os ministros descartados na
reforma. Para abrir espaço no ministério da Saúde a Marcelo Castro (PMDB-PI),
um apadrinhado do líder do PMDB na Câmara, o neogovernista Leonardo Picciani,
Dilma não se constrangeu em demitir o petista Arthur Chioro por telefone. “É
uma grande pancada que os militantes do SUS estão recebendo do governo. A
decisão de lotear o cargo para tentar atrair a fidelidade do PMDB no Congresso
é ingênua, posto que terá resultado efêmero, e a cada votação se restabelecerá
uma nova chantagem”, lamentou o deputado do PT baiano, Jorge Solla. Sem a menor
hesitação de consciência, a presidente também passou o trator sobre o
respeitado filósofo Renato Janine Ribeiro, escolha comemorada havia menos de
seis meses como um raro feito de seu segundo mandato. A decisão atendeu ao
único propósito de acomodar na Educação Aloizio Mercadante, apeado do cargo de
ministro da Casa Civil. Mercadante será o quarto ministro da Educação, área
considerada prioritária por Dilma, ao menos no discurso, em apenas dez meses.
Ascende à chefia da Casa Civil, Jaques Wagner, aliado de primeira hora de Lula.
Para o próprio PT e parcela dos partidos que ainda permanece
aliada a ela, Dilma piorou a qualidade do seu governo apenas para se safar de
um processo de impedimento no Congresso. Em setores da esquerda, a mulher que
um dia foi admirada pelo passado de luta contra a ditadura e pelo pulso firme
com que comandou a Casa Civil, no governo Lula, hoje desperta apenas
comiseração. Ao se comportar como fantoche do mentor de sua candidatura, a
presidente desconsidera um importante ensinamento do florentino Nicolau
Maquiavel. “Nunca se deve deixar prosseguir uma crise para escapar de uma
guerra, mesmo porque dela não se foge, apenas se adia para desvantagem própria”.
Para não encarar a inevitável guerra do impeachment, a ser travada em breve no
Congresso, Dilma adota medidas paliativas que podem até lhe conferir uma
aparente sobrevida, mas não resolvem a crise. Nem a do País nem a política,
ambas fruto de seus próprios erros.
Nada garante a Dilma que ela não será abandonada na esquina
pelo fisiológico PMDB. Mesmo assim, a chefe do Executivo entregou os anéis, os
dedos e as jóias aos peemedebistas, num total de sete ministérios, daqueles com
verba, caneta e tinta. Além de nomear Marcelo Castro para a Saúde, a presidente
confirmou Celso Pansera na Ciência e Tecnologia, deslocou Helder Barbalho da
extinta Pesca para os Portos e manteve Eduardo Braga, nas Minas e Energia,
Kátia Abreu, na Agricultura, Eliseu Padilha, na Aviação Civil e Henrique
Eduardo Alves, no Turismo.
Um reluzente sinal de que a cúpula do PMDB pode lavar as
mãos mais adiante, na hipótese de aprofundamento da crise política, foi a
segunda negativa de Michel Temer a Dilma, num período de 15 dias. Na quinta-feira
1, ao ser procurado pela governante para endossar a indicação de alguém com
mais lastro político para assumir a Ciência e Tecnologia, no lugar de Aldo
Rebelo, transferido para a Defesa, Temer voltou a se recusar a carimbar a
nomeação, como já o havia feito na semana anterior. O presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, também tornou a se desvincular da reforma ministerial, embora
suas digitais apareçam na nomeação de menos uma pasta. Pansera, novo ministro
de Ciência e Tecnologia, é considerado seu aliado de primeira hora.
Numa outra trincheira, um grupo de 22 deputados do PMDB – um
terço do total da bancada – assinou na quinta-feira 1º um manifesto contra o
fato de o partido aceitar ocupar cargos na Esplanada. “Não é possível que ainda
tenha espaço para esse esse ‘toma-lá-dá-cá’. Estamos vendo nessa reforma uma
tentativa da presidente de diminuir as pressões ao seu mandato”, comentou o
deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), que capitaneia a iniciativa.
Embora, como se vê, nada assegure a fidelidade do PMDB, o
partido, aquinhoado com sete pastas, torna-se majoritário num governo que
poderá ser comandado por ele adiante, em caso de impeachment. Já o
ex-presidente Lula, não bastasse ter sido o grande mentor das atuais mudanças
na Esplanada, passará a contar com três petistas de sua confiança ao lado de
Dilma: além de Jaques Wagner, Ricardo Berzoini, que vai assumir a nova
Secretaria de Governo, e Edinho Silva (Comunicação Social). Com tanta gente
para agradar, a presidente não conseguiu honrar sua promessa, feita em agosto,
de eliminar 10 dos 39 ministérios. Cortou apenas oito e, embora tenha reduzido
em 10% os salários do ministros, o gesto é pouco significativo diante da
colossal máquina administrativa que sustenta o governo.
Apesar de ter preservado pastas importantes, o PT ensaia um
discurso alternativo que o permita desembarcar de Dilma mais à frente, se for o
caso. O problema é que ao fazê-lo os petistas atiram na única bóia de salvação
do governo até agora: o ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Documento formulado pela Fundação Perseu Abramo, criada e mantida pelo PT, diz
que as iniciativas atuais do governo estão jogando o País em uma recessão e
prejudicando os trabalhadores. Ou seja, o texto coloca na conta do necessário
ajuste de Levy, ainda em seu início, todas as barbeiragens administrativas
cometidas por Dilma no mandato anterior. E pede a volta justamente da política
equivocada que levou o País à crise econômica atual da qual provavelmente
levaremos anos para nos recuperar, cujo modelo – baseado na elevação do
endividamento público, no aumento dos gastos públicos e no dinheiro do
subsidiado para um seleto grupo de empresários –, se revelou um fracasso. Para
o PT, no entanto, não importa as inconsistências e fragilidades do documento.
Vale mais o significado político do gesto – a abertura de uma porta de saída se
tudo der errado. Se tiver de abandonar Dilma à frente, o PT adotará o mesmo
receituário utilizado agora pelo governo a fim de se salvar do impeachment: às favas
os escrúpulos.
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