Editorial de O Estado de S.Paulo
A negociação da reforma ministerial motivada pela
necessidade da presidente Dilma Rousseff de garantir uma base de sustentação
mínima para aprovar o reajuste fiscal e, principalmente, impedir seu
impeachment já passou da fase de escancarado toma lá dá cá, da barganha pura e
simples de cargos por apoio. Agora, como decorrência do crescente
enfraquecimento político da presidente, provocado por sua própria incompetência
política, o que deveria ser uma negociação se transformou em patética rendição
de Dilma Rousseff à chantagem que lhe é imposta sem o menor escrúpulo pelo
voraz apetite fisiológico do PMDB e – esta é a novidade – à vontade de quem
comanda efetivamente o partido do governo: Luiz Inácio Lula da Silva.
Enquanto teve forças, Dilma tentou manter pessoas de sua
confiança nos postos-chave do primeiro escalão, principalmente na equipe que a
cerca no Planalto. Acabou cedendo, por um lado, à cobiça dos peemedebistas por
órgãos com orçamentos robustos e, por outro lado, à evidência de que não
poderia contar minimamente com o apoio de seu próprio partido enquanto não se
curvasse às exigências do chefão da tigrada.
Derrotada, Dilma tomou duas decisões que simbolizam, na
prática, a transferência, em comodato, da Presidência da República: entregou o
Ministério da Saúde, o maior orçamento da Esplanada, ao baixo clero do PMDB na
Câmara e a Casa Civil a um homem de confiança de Lula, o ex-governador da Bahia
e atual ministro da Defesa, Jaques Wagner.
A entrega do Ministério da Saúde nas condições em que está
ocorrendo demonstra o enorme despudor das hienas do PMDB que se lançaram com
avidez sobre os despojos de um governo moribundo. Isso é consequência, também,
da mentalidade política que predominou em certos círculos próximos do poder e
que foi cevada pelas práticas viciosas do projeto de poder urdido pelo
lulopetismo. Enquanto pôde, o PT tripudiou sobre seus aliados no tal
“presidencialismo de coalizão”. Agora, em crise, recebe o troco.
Lula, por sua vez, depois de ter amargado e sofrido, nem
sempre em silêncio, com a teimosia e a crescente ousadia de sua criatura de
ganhar vida própria, está se reconciliando com o alto conceito que tem de si e,
com isso, alimenta esperanças crescentes de que possa tirar ele próprio e o PT
da beira do abismo em que se encontram.
Ocorre que as manobras em curso para a reconfiguração da
cena política, destinadas a proporcionar maior sobrevida a um governo
desmoralizado, são contraditórias entre si mesmas.
Dilma já sabe que, para não ser definitivamente engolfada
pela crise – pois aprendeu depois de apanhar muito –, precisa, primeiro,
colocar as contas do governo em ordem, para depois, a partir de bases
minimamente sólidas, partir para o enorme desafio da retomada do crescimento e
da ampliação dos programas sociais.
A austeridade necessariamente implícita nas medidas do
ajuste fiscal, no entanto, conflitam claramente com os interesses das forças
partidárias ditas aliadas – inclusive, é claro, o PMDB –, que por cálculo
eleitoral tenderão a não apoiar propostas impopulares. O próprio PT jamais
disfarçou sua oposição ao ajuste fiscal e à “política econômica” que alega
estar em vigor. Agora, com Dilma cedendo pontos a Lula, o partido estará muito
mais à vontade para “defender os interesses dos trabalhadores”.
Isso quer dizer que Dilma, entregando os anéis para salvar
os dedos, não tem a menor garantia de que doravante contará com apoio no
Parlamento. Como afirmou recentemente Fernando Henrique Cardoso, ela “não governará,
será governada”.
Ao PMDB, a ampliação de seus domínios na Esplanada dos
Ministérios pode significar apenas um ensaio para o pós-Dilma. Para Lula e o
PT, a ampliação da influência do PMDB no governo pode propiciar, no limite, um
bom pretexto para sair da defensiva e partir para o ataque, o que é sempre a
melhor tática, em termos eleitorais. Em qualquer caso, Dilma permanece num beco
sem saída.
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