Da Época
Pim! A mensagem via WhatsApp espoucou no celular do líder do
PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, na quinta-feira, pouco antes das 11 horas da
manhã. “É o Eduardo”, disse. Picciani estava abatido, dormira pouco. Na noite
anterior reunira apenas um punhado de partidários em uma mesa sob um ombrelone
na área externa de um restaurante para fumar um charuto e bebericar doses de
licor. Embora revestida de cordialidade, a mensagem do presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, informava a Picciani que ele fora desidratado pelo próprio
partido e era também uma sinalização ao Palácio do Planalto de que o centro de
irradiação da crise no Congresso não fora neutralizado. Cunha avisava ao
correligionário que em minutos negaria publicamente qualquer envolvimento com a
ação de partidos que debandaram da liderança do PMDB no dia anterior,
implodindo o maior bloco parlamentar da Casa.
Por volta das 11 horas, de fato, Cunha usou sua conta no
Twitter: “Bom dia a todos. Quero desmentir que tenha participado da dissolvição
do bloco do PMDB. O bloco foi feito para a eleição da mesa e não tinha qualquer
compromisso de se manter por toda a legislatura. DEM, PRB e SDD (Solidariedade)
já haviam saído”, disse, em três posts sucessivos. A política algumas vezes é
uma novilíngua: quando se nega, se está afirmando. Cunha fora o articulador da
dissolução do bloco, que resultou no esvaziamento de Picciani, expôs a
fracassada iniciativa da presidente Dilma Rousseff de formar uma nova maioria
na Câmara e resultou em mais uma dura derrota para o governo na semana passada.
O PMDB é uma arena para mestres, não para amadores – e Picciani havia se
revelado um amador.
Nesta semana, Dilma conheceu novo fracasso na tentativa de
operar nessa seara de profissionais. Sua nova base de apoio, construída ao
custo de uma reforma ministerial que substituiu seus homens de confiança pelos
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que deu sete ministérios ao PMDB –
inclusive o da Saúde, uma das arcas de Orçamento mais cobiçadas da Esplanada –,
falhou. Sua nova coalizão não conseguiu nem levar um número suficiente de
parlamentares ao plenário para garantir a votação que manteria os vetos
presidenciais à “pauta-bomba”, o conjunto de medidas que pode explodir o caixa
da União. Foi a pior de suas derrotas – e elas foram muitas.
Dilma perdeu também no Tribunal de Contas da União (TCU),
que desaprovou suas contas do ano passado, adulteradas pelas pedaladas e por
trapaças na contabilidade. Não foi apenas uma derrota histórica – a última vez
em que o TCU rejeitara contas fora em 1937, com Getúlio Vargas. Foi uma derrota
feia, pelo fato de o governo ter recorrido ao Supremo Tribunal Federal para
afastar o relator do caso e brecar o julgamento – sem sucesso. Perdera também
um dia antes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que considerou, diante das
evidências, necessário investigar se em sua campanha houve abuso de poder
econômico e político. Mas é do Congresso que Dilma vai precisar para escapar da
análise de suas contas e dos pedidos de impeachment que a circulam. O
Congresso, um terreno com o qual Dilma nunca se importou muito, está dominado
por seus adversários e armadilhas que seus aliados já demonstraram ter pouca
habilidade para contornar. O Congresso decidirá o futuro de Dilma.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, está ameaçado na
presidência da Câmara pela Operação Lava Jato. Na semana passada,
investigadores revelaram que ele possui pelo menos US$ 2,4 milhões guardados em
contas secretas na Suíça. Em condições normais, seria um adversário menos
perigoso. Na gestão Dilma, no entanto, é um problema. Dentro de sua estratégia
de atacar o governo para ofuscar sua difícil situação jurídica, Cunha agiu
diretamente para implodir a nova e frágil base do governo. Nem precisou de
muito esforço. Dilma contava que Picciani garantiria a presença do PMDB no
plenário para preservar os vetos. O cálculo se mostrou um desastre. Picciani
caíra em desgraça com parte do PMDB, que o acusa de usar a posição de líder
para obter ministérios apenas para sua turma. Assim, ele não conseguiu entregar
ao Planalto mais do que uma bancada rachada: apenas 37 dos 66 deputados do PMDB
marcaram presença na sessão da quarta-feira.
Picciani ficou mal também com os partidos aliados, pois
estes não ganharam ministérios. Siglas como PP, PTB, PSD e PR passaram a
bombardear o Planalto por considerar que a reforma não levou em conta seus
interesses. Eduardo Cunha vinha pessoalmente articulando o desmembramento do bloco
que antes tinha Picciani como líder. Na semana passada, terminou o trabalho. A
implosão fez com que o PMDB passasse a ser a segunda força política da Casa;
antes à frente de um bloco de quase 150 deputados, Picciani amanheceu a
quinta-feira como líder de 68 parlamentares – e longe de conseguir coesão mesmo
dentro desse grupo. Instigada por Eduardo Cunha, em conjunto a turma fez corpo
mole para mostrar sua força. Embora o presidente do Congresso, senador Renan
Calheiros (PMDB-AL), tenha convocado sessões para terça e quarta-feira, as
votações não ocorreram pela falta de comparecimento de deputados da base.
Cinicamente, dezenas deles circularam pelo plenário, mas não registraram
presença para forçar o fim da sessão. Maior manifestação de má vontade não há.
O Palácio do Planalto reconhece as falhas da reforma
ministerial, que foi arquitetada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e
era considerada por alguns a última cartada da qual dispunha Dilma para
conseguir alguma estabilidade política para seu mandato. O governo novamente
tentou isolar Cunha, desta vez ao negociar diretamente com Picciani, mas se viu
obrigado a recuar. “É impensável fazer qualquer movimento na Câmara sem o
Eduardo Cunha”, diz o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS). Eduardo
Cunha construiu em volta de si um arco de alianças com setores rebelados da
base e com a oposição, muitos dos quais defendem o impeachment de Dilma. Parte
dessa turma sabe que precisa dele para emplacar o impeachment; parte quer
retaliar.
Na terça-feira à noite, quando o governo já havia sofrido o
primeiro revés no Congresso, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner
(PT), se reuniu com Eduardo Cunha na residência oficial da presidência da
Câmara, em Brasília. Wagner ouviu de Cunha que quem tem de garantir apoio ao
governo são os líderes. “Eu cumpri meu papel institucional”, disse. De pouco
adiantou a conversa, como se viu no dia seguinte. Na quinta-feira de manhã,
após a segunda derrota, foi o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência,
Edinho Silva, quem levou a Cunha apelos por uma trégua, num ritual de submissão
simbólico que incluiu se deslocar às 8 horas da manhã até a residência da
presidência da Câmara. De novo em vão. “O governo tem o que para oferecer ao
Eduardo?”, afirma um aliado de Cunha. E, mesmo que Cunha se enfraqueça mais,
Dilma tem poucas chances de recuperar o controle do Congresso. Não adianta:
nada se faz na Câmara sem o apoio de
Cunha e de seus aliados, espalhados por todos os partidos.
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