Não há motivo para surpresa, ou até mesmo para indignação –
afinal, não se poderia esperar outra coisa –, diante da bisonha tentativa
bolivariana da presidente Dilma Rousseff de provocar o impedimento, no Tribunal
de Contas da União (TCU), do ministro-relator do processo de suas contas,
Augusto Nardes. Esse é o procedimento-padrão dos petistas quando seus
interesses são contrariados, inclusive pela Justiça. No limite, como aconteceu
no caso do mensalão, os magistrados são mandados às favas e petistas
“injustiçados” se transformam em “guerreiros do povo brasileiro”.
A foto estampada na matéria publicada ontem pelo Estado
sobre a decisão de Dilma ilustra à perfeição a farsa encenada como derradeiro
recurso para impedir que a rejeição das contas do governo pelo TCU resulte na
abertura de um processo de impeachment no Congresso. Tendo ao fundo uma foto
oficial com a imagem desbotada da presidente da República, o protagonista da
pantomima, Luís Inácio Adams, de olhos arregalados e dedo em riste, verbera
contra a “politização” do processo que corre no TCU. A seu lado esquerdo, com a
expressão de alheamento de quem gostaria de estar em outro lugar, o ministro do
Planejamento, Nelson Barbosa. À direita, com indisfarçado constrangimento, está
o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Dilma poderia ter escalado dois avalistas
mais convincentes para a performance de Adams.
O argumento central do governo contra o relator Augusto
Nardes é daqueles que só se atreve a usar quem sabe que não tem nada a perder:
Nardes teria “deixado claro”, em mais de uma oportunidade, sua opinião sobre o
assunto que lhe cabia relatar e julgar: “Essa reiterada manifestação vem em
claro conflito com uma regra que se dirige aos magistrados (a isenção)”. E
enfatizou: “Esse processo está eivado de politização, por conta dessa postura
particular, e que se agrava pela intencionalidade, que ficou clara, pela
rejeição”. Num caso de óbvias e importantes implicações políticas, as
irregularidades apontadas nas contas do Planalto, especialmente as famosas
“pedaladas”, não poderiam deixar de ter, como estão tendo, grande repercussão
na mídia, que por dever de ofício tem procurado adiantar a posição do relator e
demais juízes do TCU sobre o assunto.
Augusto Nardes, no entanto, embora tenha de fato deixado
transparecer – consequência natural do intenso assédio dos jornalistas – sua
tendência pela rejeição das contas do governo, jamais havia explicitado seu
voto, que ficou claro quando, atendendo ao Regimento Interno do tribunal,
distribuiu para os demais ministros a minuta de seu relatório e do parecer
prévio, documentos cujo teor inevitavelmente caiu no domínio público. De resto,
é óbvio que o governo jamais se teria dado ao trabalho de questionar como
antirregimental e acusar de “politização” o comportamento do juiz relator se
ele tivesse alardeado voto pela aprovação das contas.
De qualquer modo, o relator não pode ser acusado de ter
tentado obstruir a defesa do governo, até mesmo diante de recursos claramente
protelatórios, como os pedidos de ampliação dos prazos para que a
Advocacia-Geral da União apresentasse seus argumentos. Luís Inácio Adams teve
um tempo extra de 30 dias para expor suas razões numa peça de defesa adicional
de mais de mil páginas.
O recurso agora anunciado em desespero de causa pelo governo
constitui, além de um escárnio a quem não é idiota, uma afronta à instituição e
aos ministros do Tribunal de Contas. Pedir o afastamento de um relator de cuja
opinião o Poder Central discorda equivale a sujeitar todos os membros daquela
Corte – vinculada ao Poder Legislativo – ao arbítrio político dos donos do
poder. Esse é o padrão “bolivariano” imposto em países admirados – e invejados
– pelo lulopetismo, como Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina. Felizmente,
porém, as instituições democráticas, que repousam em fundamentos como a
distinção entre Estado e governo e a consequente separação e autonomia dos
poderes, têm-se revelado suficientemente sólidas entre nós para impedir o
avanço de aventuras autoritárias.
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