Artigo de Fernando Gabeira
Passa, passa, Pasadena. Não passou. A refinaria no Texas que
deu prejuízo de US$ 700 milhões reaparece agora com novo nome: Ruivinha.
Ninguém faria um negócio desses, tão prejudicial ao lado
brasileiro, se não gastasse alguns milhões de dólares com propina. Agora, está
comprovado que houve corrupção. Há até uma lista preliminar de quem e quanto
recebeu para aprovar a compra de uma refinaria enferrujada, docemente tratada
pelos próprios compradores como a Ruivinha.
A Operação Lava Jato tem elementos para pedir a anulação da
compra e o dinheiro de volta. Acontece que Pasadena está no Texas. Foi uma
transação realizada na esfera da legislação americana. Necessariamente, a
Justiça dos EUA terá de analisar todos os dados enviados pelas autoridades
brasileiras e, eventualmente, pedir outros.
Existe uma questão cultural e política no caminho. Os
americanos não conseguirão ver a compra de Pasadena só como uma conspiração
criminosa de quadros intermediários da empresa que comprou. A tendência natural
será verticalizar a investigação. Quem eram os responsáveis pela Petrobrás,
como deixaram que isso acontecesse?
Não só nos EUA, como em outros países, os dirigentes máximos
são responsáveis, mesmo quando alegam que não sabiam de nada. Numa empresa
privada, se uma direção fizesse um negócio tão desastroso, renunciaria
imediatamente e responderia aos processos legais fora do cargo. O caso de
Pasadena, se internacionalizado, como na verdade tem de ser, vai pôr em choque
a tolerância brasileira com os dirigentes que alegam não saber de nada.
A própria Petrobrás deveria pedir a anulação da compra de
Pasadena. No entanto, isso é feito pela Lava Jato. A empresa assim mesmo,
parcialmente, só reconhece que Pasadena foi um mau negócio. Ainda não caiu a
ficha de que foi uma ação criminosa, que envolve também os vendedores belgas.
Por isso é bom internacionalizar Pasadena. A Justiça americana poderá cuidar do
vendedor belga, mais fora de alcance da brasileira.
Uma pena a Petrobras ainda não ter percebido seu papel. É
uma questão político-cultural. A própria Dilma diz que não sabia de nada porque
teria sido enganada por um relatório. Esse impulso de jogar para baixo toda a
culpa já aparecia no mensalão, quando Lula se disse traído.
Duas grandes empresas brasileiras vivem um inferno astral.
Petrobrás e Vale: o maior escândalo de corrupção no País, o maior desastre
ambiental de uma associada.
No caso do mar de lama lançado no Rio Doce, com mortes e
destruição pelo caminho, os dados técnicos e científicos ainda não foram
divulgados. Mas já se sabe que os mecanismos de contenção, filtragem e
escoamento nas barragens mineiras já não são usados em alguns países do mundo.
Há métodos mais modernos, possivelmente mais caros. Isso questiona toda uma
política de investimento, no meu entender, de forma semelhante ao que ocorre no
setor público.
O Brasil ainda não universalizou o saneamento básico porque
são obras que não aparecem, não rendem votos.
Nas empresas privadas, como na Vale e na própria Samarco,
existem políticas ambientais, mas também uma preocupação com a margem de lucro.
A sustentabilidade nem sempre responde rápido ao quesito lucro.
Muitas pessoas veem o princípio de precaução – um dos temas
que a ecologia política levantou – como um exagero de ambientalistas
apocalípticos. Em termos econômicos, a precaução revela a sua importância no
longo prazo: quanto custa um desastre ambiental? Quanta custa a renovação dos
equipamentos?
Uma semana nas margens do Rio Doce, pontuada por um atentado
terrorista em Paris, me entristece. No entanto, fica cada vez mais claro que é
o mundo que temos e é preciso encará-lo. Não há como escapar.
As coisas só pioram na economia e o País se limita a
contemplar o próprio declínio. Não há uma resposta política. O Congresso é um
pântano. Só haverá um pouco de esperança no ar se discutirmos um caminho para
depois desse desastre. O PT propõe apenas entrar no cheque especial e continuar
entupindo o País com carros e eletrodomésticos.
Além dos passos políticos e econômicos, será preciso
considerar algo que ainda não foi acrescentado à corrente descrição da crise.
Não é só econômica, política e ética. Vivemos também numa crise ambiental. No
cotidiano, documento problemas agudos de falta d’água, cachoeiras reduzidas a
fios, rios secando e, agora, o Doce levando este golpe lamacento. Há uma seca
prolongada em grandes regiões do País, queimadas aparecem em vários lugares,
algumas em áreas teoricamente protegidas.
Políticos convencionais tendem a subestimar a importância
que as pessoas dão hoje à crise ambiental. Não é preciso percorrer os lugares
atingidos pela lama. As cidades ameaçadas por barragens vivem em tensão.
A oposição, homens e mulheres que foram eleitos e ganham
para isso, deveriam estar propondo alguma coisa para superar essa crise, que
tem muitas cabeças. Se eles não têm ideia do que propor, pelo menos poderiam
sair perguntando, sentir os anseios de renovação e deduzir algo deles.
Muito se falou de pauta-bomba nesse Congresso. Essa etapa
está quase passando. Eles inauguraram a pauta-míssil: repatriar dinheiro
suspeito e uma patética lei sobre a imprensa.
Neste momento da História do País, apesar de morto
politicamente, o governo, que tem seus tentáculos na Justiça, agora pode
brandir uma espada sobre a cabeça dos jornalistas. Começam dizendo que você não
viu o que está acontecendo porque sofre de miopia ideológica. Em seguida, tomam
precauções para que os juízes de linha justa os liberem: agora, preparam o
caminho para punir quem divulga a verdade que os ofende.
É o tipo de lei que, mantida com esse texto, acaba sendo um
convite a desobedecer. Lembro-me de que escrevi uma apresentação da edição
brasileira do Desobedeça, de Henry David Thoreau. Voltarei ao livro em busca de
inspiração.
Artigo publicado no Estadão em 20/11/2015
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