Aos 43 anos, o senador Randolfe Rodrigues (AP) é um politico
despido de todos os velhos dogmas da esquerda. Pernambucano de Garanhuns, filho
de sindicalista e militante do PT desde os anos 80, o parlamentar deixou o partido depois do escândalo
do mensalão, por acreditar que o ideário petista não incluía mis o compromisso
com a defesa da ética.
No PSOL, segundo ele, nova desilusão. Hoje na Rede, o
partido criado pela ex-senadora Marina Silva, Randolfe avalia que o projeto da
esquerda brasileira fracassou. Por muitas razões. A principal delas: a
inspiração em modelos políticos errados e completamente ultrapassados.
Para ele, não há justiça social sem democracia. “Defendo a
democracia como valor universal: quanto mais democracia, melhor.” Embora ressalte
que não gosta de rótulos, o senador se define como representante da “esquerda
renovada”. Em entrevista a Veja, ele explica o que isso significa.
O senhor foi do PT, depois do PSOL e hoje está na Rede. O que
essa peregrinação significa?
A agenda ética sempre esteve presente na trajetória politica
de muitos quadros da esquerda brasileira. O próprio PT, na sua origem, se construiu
a partir da defesa dos valores éticos na política. O que levou jovens como eu a
filiar-se ao PT é que o partido se propunha a ser diferente. Não o partido da
lógica eleitoral, mas um partido transformador. Entrei no PT com 15 anos de
idade porque me identifiquei com esses valores. E aí veio o mensalão. Fui para
o PSOL porque achei que ele iria ocupar esse espaço, mas lamentavelmente isso não
ocorreu. Saí do PSOL porque acredito que a reorganização dos setores
progressistas do país precisa hoje de uma ferramenta ampla.
A Rede não corre o risco de tornar-se um mero abrigo de
ex-petistas?
A Rede é o novo abrigo político para todas as pessoas
honestas, decentes e de bem, que tenham como princípio indissociável a ética na
política como valor em si.
Na última eleição, o senhor criticou Marina Silva, a maior
estrela do partido, por ter se aliado a Eduardo Campos.
Eu era pré-candidato à Presidência da República pelo PSOL e
disse que o programa defendido por Eduardo Campos e o governo que ele havia
feito em Pernambuco não combinavam com o perfil e a história da Marina. Eu inclusive
completei dizendo que achava que ela, no seu íntimo, na hora de votar, iria
votar em mim. Na verdade, foi mais uma provocação à Marina, para dizer que
naquele momento nós tínhamos mais identidade. Mais do que uma crítica, foi uma
provocação gentil de quem estava enciumado.
O que é “esquerda renovada”?
Defendemos a democracia com horizontalidade, sem reis nem
caciques, que garanta o pluralismo e a cultura de paz como meio de solução democrática
dos conflitos e que lute, sempre, pela eliminação da pobreza e da miséria,
tanto econômica quanto cultural.
Mas essa sempre foi a pregação do PT, PSOL...
O PT tem muitos méritos na sua fundação e formatação como experiência
política nova, mas ele se perdeu nos graves equívocos da esquerda de achar que
era a igrejinha totalitária e ortodoxa de todas as virtudes do planeta. O problema
é que esse teto caiu, revelando todos os pecados. É a arrogância de achar que
só ao seu lado é que estão as virtudes. É um equívoco para qualquer partido
autoproclamar-se igrejinha de todas as verdades.
Como professor de história, o senhor imagina que o governo
Lula será lembrado de que maneira nos livros?
O Brasil tem três conquistas que não podemos desconsiderar. A
primeira foi a redemocratização no governo Sarney, a segunda foi a estabilidade
da moeda no governo Fernando Henrique Cardoso e a terceira, a ascensão dos mais
pobres à condição de cidadãos, que se deu, em especial, durante os anos do
governo Lula. Hoje nós estamos vivendo uma crise em que essas três conquistas estão
sob ameaça. Os mais pobres, que ascenderam, estão perdendo o que ganharam, a
estabilidade monetária está em risco e a democracia, ameaçada pela apropriação
da coisa pública. A esquerda errou muito em não reconhecer que a conquista da
estabilidade da moeda foi um salto para a sociedade brasileira. Os avanços da
sociedade brasileira pós-redemocratização não se deveram somente ao PT ou aos
partidos de esquerda, não. Resultaram, em alguns momentos, do fato de toda
sociedade ter construído um consenso em torno disso. O governo Lula colabora,
nesse contexto, com a ascensão social.
E o governo da presidente Dilma?
Eu esperava que ela fosse lembrada como a primeira mulher
que governou a República, deu continuidade a programas de inclusão social e
aperfeiçoou as instituições do Estado democrático de direito. Acho que não será.
O risco do agente histórico é que os erros sempre valem mais para marcá-lo do que
os acertos. Dilma corre o risco de ser lembrada como a governante que pôs em
risco as conquistas sociais do pós-redemocratização e sepultou a história
política do partido que ela representa.
A escalada financeira de Lula e de seus filhos, hoje todos
milionários, surpreende o senhor?
Respeito o presidente Lula e seu legado social para o país. Mas
acho completamente imoral essa relação estabelecida com alto empresariado, esses
contratos de consultoria e palestras para empresas que se beneficiam de
contratos com o governo federal e com governos de outros países, como as envolvidas
na Lava-Jato. Muitos congressistas defendem a regulamentação do lobby, e eu
acredito que esse é um tema importante para debatermos, mas o fato é que hoje o
lobby não é legalizado no Brasil e não é prudente que um ex-presidente atue
como lobista de quem quer que seja. Assim também penso em relação a seus
filhos, mesmo fazendo a necessária distinção entre cada um deles e entre eles e
o seu pai. Espero que as investigações levadas a cabo pela Polícia Federal e
pelo Ministério Público esclareçam os fatos.
Como ex-cara-pintada, como o senhor se posiciona em relação
ao impeachment?
No caso do Collor, havia o elemento concreto que foi o Fiat
Elba, adquirido por um esquema de corrupção capitaneado pelo PC Farias. No caso
da Dilma, não vejo a existência desse elemento. Ainda não surgiu uma prova contundente
de que a presidente se beneficiou do esquema de corrupção na Petrobras. Mas é
bom ressaltar que as investigações estão em curso.
Na Câmara, a Rede está declaradamente em campanha pela
cassação do presidente da casa, investigado na Operação Lava-Jato.
Há um fato objetivo. O Ministério Público confirmou a existência
de contas do Eduardo Cunha na Suíça. Em depoimento à CPI, ele negou a existência
das tais contas. Ou seja, há um delito contra o decoro parlamentar. Ele mentiu
perante a CPI.
Por que isso não ocorreu no Senado, com o presidente Renan
Calheiros, também investigado?
No caso do Senado, a minha providência foi provocar o
procurador-geral Rodrigo Janot sobre o depoimento do delator Fernando Baiano,
que relatou o pagamento de propina ao presidente do Senado. Estou aguardando a
resposta. Havendo elementos, nós não titubearemos. Seria uma incoerência não representar
contra o presidente do Senado aqui no Conselho de Ética. Para mim, todo
parlamentar que for denunciado ao Supremo Tribunal Federal tem de se abster de
ocupar qualquer posto de direção no Senado. É o mínimo.
A corrupção já não constrange mais o Congresso?
Não tenho dúvida. O meu grande medo é que isso contamine a
sociedade, porque, no dia em que as pessoas deixarem de se indignar contra tudo
isso, a República estará perdida. Quanto mais indignação concreta a gente tiver
contra a corrupção, mais esperança teremos no país. Mas aqui no Congresso, não.
Estou no Senado desde 2011, não sei como era nos anos anteriores, mas acho que
estamos vivendo uma das piores legislaturas da história.
O senhor já participou de algumas CPIs no Congresso que
terminaram em pizza.
O instituto da CPI foi desmoralizado nos últimos dez anos. Em
vez de servirem de instrumento de investigação, as CPIs tornaram-se no
Congresso, uma oportunidade para bons negócios de alguns. Posso dizer isso com
toda a propriedade pelo que tenho visto. As CPIS viraram balcão de negócios. Não
há nenhum pudor.
Como assim?
Estou em três CPIs atualmente. Numa delas, passei por uma
situação deprimente, das piores que já vi no Congresso. Na CPI do HSBC,
quebramos os sigilos de dezenas de empresários,. Na semana seguinte, um emissário
de um desses empresários foi até o Amapá para me procurar. Os meus assessores
impossibilitaram o contato dele comigo. Aí, duas semanas depois de a CPI ter
decidido quebrar os sigilos, inclusive desse empresário que me procurou, a própria
comissão revogou a decisão e suspendeu a quebra. Ora, se ele me abordou, deduzo
que também outros integrantes da CPI tenham sido abordados. O que levou uma CPI
a suspender uma decisão de quebra de sigilo?
Dinheiro?
É evidente que há lobby de empresário cercando parlamentar
aqui no Congresso. Não há CPI que não tenha empresário, banca de advogados,
todos cercando parlamentares para fazer pressão. Esse empresário, que tem
empresa de ônibus no Rio de Janeiro, queria me abordar porque eu fui o autor do
requerimento para a quebra de sigilo. Mas, por muitos emissários que vieram até
mim, está claro que a proposta era de vantagem financeira.
Como o senhor enxerga os ataques do governo e de
investigados à atuação do Ministério Público e da Justiça nas operações
Lava-Jato e Zelotes?
Tenho muita esperança nesse grupo de procuradores da
República. Eles compreendem o exercício da função pública como sacerdócio. O que
estão fazendo é fundamental para o país. Alguns procuram criar teorias da
conspiração para tentar encobrir os feitos criminosos. Isso precisa acabar na
política. Temos de aplaudir e apoiar cada vez que surgem juízes como Sergio
Moro e agentes do Ministério Público com atuação destacada. É preciso parar de
criminalizar quem está investigando.
O senhor é crítico do financiamento privado de campanha, mas
o que garante o fim do caixa dois com financiamento público?
Eu defendo o financiamento público. Defendo um modelo mais
próximo daquele que o STF está pensando. O financiamento por pessoas físicas,
com limite para doação, e a criminalização do caixa dois. Tem de haver punição
exemplar. Não adianta proibir o financiamento privado e manter uma estrutura
que acaba favorecendo o uso de dinheiro sujo. O caixa dois hoje, praticamente, não
é considerado crime. Alguns até invocam o caixa dois para fugir de crimes, como
ocorreu no mensalão. O caixa dois tem de ser punido com penas duras – prisão e
cassação de registro.
Qual é a parcela de culpa do Congresso na atual crise econômica?
A troca de favores e a chantagem que o Congresso faz em
relação à presidente da República, o toma lá dá cá, é que tornam o Congresso
cúmplice da crise. O PT precisa resolver o problema que tem com o ministro
Levy. Pessoalmente, acho que estamos insistindo em uma política que está
fracassando. Dizia-se em fevereiro que bastaria aprovar as medidas provisórias do
ajuste fiscal. Já estamos em novembro, não voltamos a crescer e a recessão se
aprofundou. Vamos entrar no ano que vem ainda mais no buraco. Se você aplica a
receita e ela não provoca o resultado desejado no paciente, se insistir, vai levá-lo
à morte.
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