Da Época
Por mais de sete horas, os moradores de Saint-Denis, um
subúrbio ao norte de Paris, viveram na quarta-feira (18) o incômodo de ter o
terror por perto. Acharam que seria a reprise em menor escala da terrível noite
da sexta-feira, dia 13, quando terroristas do Estado Islâmico atacaram diversos
pontos da cidade – inclusive as cercanias do Stade de France, em Saint-Denis.
Poderia ter sido, mas não foi. Uma megaoperação da polícia francesa no bairro
desmantelou uma célula terrorista do Estado Islâmico, disparou mais de 5 mil
tiros, prendeu oito suspeitos e deixou dois mortos – entre eles o belga
Abdelhamid Abaaoud, apontado como mentor dos atentados. O serviço de
inteligência francês chegou a Saint-Denis porque descobriu, pelos celulares dos
terroristas mortos na sexta-feira, que o grupo planejava novos ataques a Paris.
Havia suspeitas de atentados também na Alemanha. A confirmação de que o Estado
Islâmico está por trás dos ataques comprova a mudança de estratégia do grupo. O
EI declarou guerra e promete mais ataques ao Ocidente.
Desde a fundação do que chama de califado, em junho de 2014,
o grupo jihadista concentrou seus esforços na construção de um Estado de fato,
conquistando territórios da Síria e do Iraque. Quando tomou Mossul, a segunda
maior cidade do Iraque, o EI declarou terminadas as fronteiras determinadas
pelo acordo de Sykes-Picot, o infame arranjo de 1916 pelo qual Inglaterra e
França dividiram previamente o espólio do Império Otomano. O EI é assim. Fala
em reconstruir o “califado”, uma entidade do século VII, pratica violência
local com padrões cruéis da Antiguidade, como decapitações, crucificações,
assassinatos em massa, estupro de mulheres e
escravidão, comete achaques financeiros. Tem predileção por simbolismos
e resgates históricos de uma ignorância atroz, como a destruição de monumentos
e patrimônios da humanidade, como a antiga cidade assíria de Nimrod, no Iraque,
e Palmira, na Síria.
Até os ataques da semana passada, o EI estava interessado em
expandir seu território e demonstrar às populações que domina e aos potenciais
recrutas sua capacidade de governar. Agora quer intimidar o Ocidente. Em duas
semanas, o EI reivindicou três grandes atentados: a derrubada do voo 9268 da
Metrojet no Egito, os ataques suicidas em Beirute, capital do Líbano, e os
massacres em Paris. Ao assumir os atentados, em 14 de novembro, o EI declarou
que aquele seria “o primeiro de uma tempestade”. “É uma mudança brutal na estratégia do EI”,
escreveu William McCants, diretor do Projeto para Relações dos Estados Unidos
com o Mundo Islâmico da Brookings Institution e autor de um livro sobre o
Estado Islâmico. “Antes eles estavam interessados apenas em inspirar ataques,
atrair jovens para a Síria e o Iraque e depois deixar que eles conduzissem os
atentados por conta própria”, diz McCants. “Agora, estão interessados em
conduzir operações fora de seu território.”
Por que um grupo que em menos de um ano fundou um “califado”
e tomou para si um território de 95.000 quilômetros quadrados (quase o tamanho
de Santa Catarina) estaria interessado em ataques suicidas e assassinatos de
civis? Assim como tudo no Estado Islâmico, esse ponto de virada ainda está
envolto em mistério. Para alguns analistas, o Estado Islâmico acusou o golpe.
Os bombardeios da coalizão liderada pelos Estados Unidos teriam provocado danos
cruciais à logística do EI, e feito o grupo perder em torno de 10% de seu
território. “O Daesh (acrônimo árabe para Estado Islâmico) perdeu território de
forma contínua nos últimos dois meses e, por isso, precisou reagir”, afirma
Michael Knights, especialista em segurança no Oriente Médio do Washington
Institute. “A coalizão conseguiu vitórias, retirando pequenos pedaços de
território do EI, mas ferindo gravemente sua logística.”
Com reportagem de Rodrigo Turrer e Teresa Perosa, trechos da
matéria de capa da revista Época desta semana que já está nas bancas.
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