Da Veja
O Brasil passará a conviver com a sobreposição de cenários
ainda mais complexos. Na economia, estão dadas as condições para o que pode ser
a crise mais profunda de todos os tempos. A inflação e o desemprego sobem
rapidamente. Na defensiva, as indústrias se recolhem ao mínimo de atividade
produtiva. O comércio prevê o pior Natal em décadas. As lideranças políticas,
que deveriam se empenhar em apontar a porta de saída dessa espiral destrutiva,
parecem ocupadas demais tentando salvar a si mesmas das investigações de
corrupção que envolvem mais de meia centena de autoridades - entre elas o
presidente da Câmara, o presidente do Senado, assessores e ex-assessores da
presidente da República. Como se não bastasse isso, o que já está ruim tende a
piorar com a discussão sobre o impedimento da presidente Dilma Rousseff. A
partir desta semana, quando será instalada a comissão do impeachment, o país
enfrentará momentos de extrema tensão, conflitos de interesses, debates
acalorados e tentativas de manipulação. É desse substrato típico das
democracias que, espera-se, surgirá a força capaz de fazer o Brasil voltar a
respirar.
Pela Constituição, cabe ao comandante da Câmara dos
Deputados aceitar ou negar os pedidos de impedimento apresentados contra o
presidente da República. O deputado Eduardo Cunha deu seguimento na semana
passada ao recurso formulado pelo jurista Hélio Bicudo, pelo ex-ministro da
Justiça Miguel Reale Júnior e pela advogada Janaina Paschoal. Eles alegam que
Dilma cometeu crime de responsabilidade ao praticar as chamadas pedaladas
fiscais e gastar recursos sem a devida autorização prévia do Congresso. Caberá aos
deputados corroborar tais alegações, o que levará à abertura de processo de
impeachment contra a petista, ou rechaçá-las, o que resultará no arquivamento
do caso. Em tese, será discutida uma questão meramente técnica. Na prática, o
impeachment é um processo essencialmente político, que refletirá as convicções
de cada parlamentar. Ao fim e ao cabo, são eles que decidirão se Dilma ainda
tem condições e autoridade para continuar à frente do cargo para o qual foi
eleita com 54 milhões de votos.
Um exemplo do que está por vir no terreno das manipulações
pôde ser visto logo nos primeiros minutos após Eduardo Cunha anunciar a
admissão do processo de impeachment. O deputado foi chamado de corrupto e
chantagista e acusado de agir motivado pelo nada nobre instinto de vingança.
Esses argumentos encontram amplo respaldo nos fatos, mas são usados de maneira
ardilosa para tentar confundir os brasileiros. Dilma e Cunha são adversários
figadais. A presidente disse que não era ladra, numa referência indireta ao
fato de o deputado ter sido acusado de embolsar propinas do petrolão. Cunha
reagiu, chamando a petista de "mentirosa" por ter declarado que
jamais ofereceu a ele um acordo de proteção mútua. Em linha com a cartilha dos
marqueteiros oficiais, a presidente quer restringir o caso a um duelo de
biografias da santa da moralidade com o tinhoso do fisiologismo. O fogo cruzado
entre os dois, que dominou a agenda política nos últimos meses, agora é
absolutamente secundário. A decisão sobre o futuro da presidente não cabe mais
a Eduardo Cunha nem a negociatas de caráter pessoal. A presidente sabe disso e
quer que o Congresso analise o seu impedimento o mais rapidamente possível. Os
agentes econômicos concordam com esse sentido de urgência. O simples início da
tramitação do caso fez a cotação do dólar cair e a Bolsa subir, puxada pela
valorização das ações de empresas controladas pelo governo.
Trecho da reportagem de capa da revista Veja desta semana
que já está nas bancas.
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