Da Época
Gilda Cruz Silva e Sanchez, secretária do escritório da
Vice-Presidência da República em São Paulo, recebeu das mãos de Michel Temer,
às 15h30 da segunda-feira, o documento que registra oficialmente, pela primeira
vez desde a redemocratização do país, o rompimento político de um
vice-presidente com o chefe da nação. Cartas, ainda que raras hoje, costumam
marcar episódios da República – e essa, apesar do conteúdo que resvalou para
reclamações fisiológicas, da velha cobrança por cargos, era simples em sua mensagem
principal: anunciava, sem grandes esforços de exegese, a ruptura que se
construía havia meses, silenciosamente. No papel, Temer colocara as ideias que
se consolidaram ao longo do fim de semana anterior, quando sua irritação com
Dilma Rousseff ganhara ainda mais musculatura a cada declaração pública da
petista de que “confiava” nele. Gilda apressou-se em transmitir para a tela do
computador a mensagem escrita pelo chefe.
Com aquele gesto, o vice dava novos passos num movimento
calculado, como um enxadrista que desenha e antecipa os próximos lances. Neles,
Temer busca se separar cada vez mais de Dilma. Quanto mais distante fica da
presidente, mais próximo fica da Presidência. Faz-se política sobretudo com
gestos, e Temer aguardara muito tempo para fazer o seu. A carta, que só faz
sentido se feita para ser vazada, embora o vice negue publicamente essa
intenção, teve o efeito esperado. É como se Temer reconhecesse em firma seu
compromisso e desígnio em suceder a Dilma assim que possível. Era, para muitos
aliados, o sinal que faltava para deslanchar em definitivo o impeachment da
presidente. A partir daquele momento, aqueles que viam em Dilma um problema
podiam finalmente ver em Temer uma solução. Os fatos políticos que se seguiram
foram provocados diretamente pela decisão de Temer ou por ela profundamente
influenciados: a dura derrota de Dilma na eleição da comissão especial do
impeachment, a queda do governista Leonardo Picciani da Liderança do PMDB na
Câmara e a declaração de apoio da cúpula do PSDB ao procedimento contra a
presidente. Todos os interessados embarcaram no trem do impeachment. E ele já
deixou a estação. A decisão do ministro Luiz Edson Fachin de suspender o
impeachment de Dilma faz com que a locomotiva se mova mais lentamente, mas
apenas isso. Mesmo os aliados de Dilma admitem que está cada vez mais difícil
parar o trem.
Naquela tarde de segunda-feira, acompanhavam Temer em São
Paulo seu amigo e ex-ministro Moreira Franco e Elsinho Mouco, publicitário do
PMDB. Eles conversaram sobre alguns pontos do documento, e Temer fez as últimas
modificações na versão digitalizada por Gilda. Às 16h15, ela foi autorizada a
encaminhar, por e-mail, a carta à chefe de gabinete da Vice-Presidência em
Brasília, Nara de Deus Vieira. A destinatária final daquelas três páginas seria
a presidente Dilma Rousseff, mas o conteúdo cheio de mágoa e ressentimento foi
divulgado, escancarando a todo o Brasil os atritos acumulados entre ambos nos
últimos cinco anos. Às 17h15, Nara entregou em mãos a carta ao chefe de
gabinete de Dilma, Álvaro Henrique Baggio, que confirmou o recebimento da
mensagem por telefone às 17h34. Em questão de segundos, a carta estava nas mãos
da presidente, que se reunia naquele momento com seu assessor especial, Giles
Azevedo, e com os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Jaques Wagner
(Casa Civil). Dilma disse um palavrão e deixou a carta com Wagner e Cardozo.
Trecho da reportagem da revista Época desta semana. Leia a
reportagem completa em Época que já está nas bancas.
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