quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

VERGONHA E TRISTEZA

Por Robson Bonin, Páginas Amarelas - Veja
A trajetória política do senador gaúcho Paulo Paim confunde-se com o movimento sindical dos anos 80 e com a própria historia do Partido dos Trabalhadores. Essa simbiose está chegando ao fim. O congressista vai deixar o PT, que não representa mais as causas sociais, foi dilacerado pela corrupção e caiu na vala comum da política. O ápice da desilusão foi a reeleição de Dilma Rousseff. A presidente, segundo ele, prometeu uma coisa durante a campanha e, eleita, fez exatamente o contrário. Em entrevista a Veja, Paim defende a legitimidade do processo de impeachment, embora ressalte não haver um fato jurídico que possa levar à cassação de Dilma.
Muitos de seus colegas deixaram o PT já no primeiro governo Lula, durante o mensalão, quando os sinais de deterioração ética surgiram de maneira contundente. Por que o senhor decidiu deixar o PT só agora?
O que norteia a minha vida e me faz ficar na política é a energia positiva das causas sociais que defendo a favor dos aposentados, dos negros, dos jovens e dos trabalhadores e movimentos em geral. Os partidos são apenas ferramentas que a gente precisa usar para defender aquilo em que acredita. Estar no PT durante todos esses anos me possibilitou aprovar inúmeras leis importantes para essas causas sociais. Devo ser um dos parlamentares que mais aprovaram leis. Há um estudo da Universidade de Brasília que mostra que, na história da República, em relação ao combate aos preconceitos, ninguém aprovou mais leis do que eu. O Estatuto da Igualdade Racial, a lei injúria, a política de cotas; enfim, ninguém atuou tanto nessa área. Muitas leis minhas foram sancionadas. Quem tem esse acúmulo não pode ficar trocando de partido do dia para a noite.
A crise ética que recaiu sobre o PT, com os sucessivos escândalos, não era motivo para deixar o partido?
Nunca fui um parlamentar que só defendeu a bandeira da ética. No Senado, há parlamentar que só faz esse discurso. Eu cuido das causas sociais, tento avançar propondo leis que fortaleçam os direitos sociais e pratico a ética como um valor crucial para a boa política. A ética é obrigação. Aprendi desde cedo com o meu pai, que dizia: quer vencer na vida?  Estude, trabalhe e seja honesto. O resto o universo conspira a seu favor. Apesar de alguns companheiros terem errado nessa caminhada, continuei com a minha nau solitária carregando as minhas propostas rumo à terra firme. Enquanto deu para ir aprovando as leis, fui trabalhando e produzindo. Foi por isso que fiquei. Mas a partir do fim do ano passado, quando percebi que o discurso de campanha da presidente Dilma Rousseff foi um e a realidade dos fatos se revelou outra, achei que era hora de mudar de rumo. Vou sair do PT. Isso é certo. Mas ainda não sei com certeza para onde vou.
Como foi passar pelo mensalão como parlamentar do PT?
Quando começaram a surgir as revelações desses negócios na política, a primeira coisa que fiz foi perguntar se aquelas denúncias eram verdadeiras. Na bancada e no próprio partido, todos me disseram que o mensalão não existia, que era tudo invenção. Com o passar do tempo, por mais que eu quisesse acreditar que não era real, comecei a ver os problemas. E virou o que virou. Isso tudo foi me deixando cada vez mais constrangido até chegar à condição em que estou hoje. Alguns podem dizer que o mensalão foi algo criado para manter o projeto do PT. Eu não quero saber. Essa não é a concepção transformadora da política que sempre defendi. A política tem de ser humanitária, e não um negócio para alguns.
Era possível acreditar que tudo o que foi revelado no mensalão fosse invenção?
Eu não tinha como conhecer as malandragens da política porque não atuo nessa área. Na minha forma de fazer política, nunca fui afeito à cúpula partidária. Em todos esses anos de PT, raramente participei de reuniões da direção. Eu faço política de fora para dentro, com os sindicatos, clubes de mães e associações de bairro, por exemplo. Quando vieram as denúncias do mensalão, eu disse: investiguem tudo, doa a quem doer. Foram pessoas que erraram, não se pode condenar a todos no partido.
O PT perdeu a capacidade de se indignar com a corrupção?
O PT sempre teve na militância de base o debate contra a corrupção. A partir do momento em que tudo isso aconteceu, é claro que machucou a militância. Tanto que há militantes que dizem que estou certo em sair. Quem roubou tem que responder pelo que fez.
Como o senhor se sente em ver colegas do partido sendo hostilizados nas ruas?
Entre a vergonha e a tristeza, fico com o sentimento que é mais grave, a tristeza. É triste ver que o sonho acabou. Ver aonde chegamos. Infelizmente, o PT hoje é um partido como todos os outros que sempre criticamos. E nós não viemos para isso. O PT surgiu para fazer a diferença, para construir o sonho de uma sociedade diferente. Mas acabamos na vala comum. Não me envergonho pelo que fiz. Faria tudo de novo. A luta pelo emprego, pelo salário, pelos aposentados, pelos discriminados... A frase correta é: o sonho do PT acabou.
Como é ver a riqueza de alguns companheiros do senhor, como Lula, Dirceu e tantos outros,  que começaram o PT pobres e hoje são milionários?
O constrangimento é real. Não dá para dizer que o PT está bem. O PT está mal. Não vou prejulgar ninguém, não vou julgar se esse ou aquele ficou rico. Defendo a investigação de todas as denúncias, seja contra quem for.
Foi difícil votar para manter a prisão de um colega de partido?
Esse episódio doeu. O senador Delcídio do Amaral era parceiro. A gente conversava muito. Ele tinha trânsito em todos os setores do Congresso. Era um líder inatacável para nós. Agora, quando  chegou aquele documento do STF com aquelas gravações, eu pensei: a polícia tem de ter todo o direito de investigar. É como um filho que você descobriu que está traficando droga. O que você tem de fazer? Tive que votar pela manutenção da prisão dele. Ele vai ter de responder pelo que fez. Mantive a minha coerência dizendo que temos de tratar culpado como culpado, inocente como inocente, seja de que partido for.
O ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff são responsáveis pelo atual momento do país?
O presidente Lula tem um legado social que é inegável. Agora, erramos quando não fizemos uma análise correta do momento e permitimos que esse quadro de deterioração no campo da corrupção e impunidade se apresentasse. Foi falta de fiscalização, falta de quadros realmente comprometidos com a ética, nos deixamos envolver por essa situação toda, talvez achando que é assim mesmo que era o sistema, e não havia outro jeito.
É possível que Lula e Dilma não soubessem o que se passava na Petrobras?
Não tenho como julgar. Acho que houve erros no governo que levaram a essa situação. Só as investigações vão demonstrar se havia culpa desse ou daquele sujeito da história.
A promiscuidade política entre o público e o privado tem solução?
Acho que tudo começa pela campanha. Considero o financiamento privado uma vergonha. Ninguém dá 20 milhões de reais a um candidato porque acredita em ideologia. Dá porque está esperando retorno no futuro. Então, é preciso acabar com o poder econômico privado na campanha e estipular limites para a doação de pessoas físicas. Aí eu quero ver se a campanha será no campo das ideias.
Essa salada de partidos políticos, mais de trinta, também é um problema.
Muitos partidos estão sendo criados apenas para embolsar o dinheiro do fundo partidário. Virou uma bagunça. Uma boa forma de acabar com a corrupção é haver candidaturas avulsas, implantar o voto facultativo e obrigar o político a ter de conquistar o voto do eleitor.
O senhor já criticou a presidente por não saber ouvir.
Conheço a Dilma há pelo menos trinta anos. Tenho carinho por ela, mas reconheço que é difícil no diálogo, na conversação e na política. Política é uma arte. Você pode até dizer não, mas explica por que disse não. Ela, por exemplo, acabou de vetar alguns projetos meus e nem sequer me chamou para uma conversa.
Fora do PT, o senhor é governo ou oposição?
Vou ficar com as minhas causas. Se tiver de fazer oposição para aprovar meus projetos, vou para a oposição. Não tenho problema nenhum em ser oposição, desde que as causas estejam em primeiro plano.
Qual a posição do senhor sobre o impeachment da presidente Dilma?
Sou contra o impeachment porque estou convencido de que não há motivos jurídicos. Acho que é uma decisão política que será tomada pelo Congresso. Mas não gosto da palavra golpe. Não é a primeira vez que se levanta a palavra impeachment no Brasil. Nós, no PT, a levantamos muitas vezes. A questão é se há denúncias contundentes para que seja provocado o impedimento. Se há, instale-se o processo. Se não há, mas se criou um clima político na sociedade que levou ao impeachment, instale-se e vamos votar sabendo que está na Constituição.
Se Dilma for cassada, um governo de Michel Temer poderá resolver os problemas do país?
Acho que não. Por isso digo que, se se chegar a tirar a Dilma, o bom mesmo será convocar uma eleição em todos os níveis. Uma nova proposta, mas é preciso ver os parâmetros legais. Por isso tenho a posição de não aprovar o impeachment.
Por que é tão difícil acabar com o racismo?
O racismo ainda é muito forte porque a sociedade não evoluiu no campo da educação. Aí está a grande mudança. A criança não nasce racista e não é racista. Ela é ensinada a ser racista. Então, é crucial mudar essa concepção dentro da sala de aula, do jardim de infância à universidade, para mostrar que brancos e negros, índios e ciganos são todos iguais na humanidade. A capacidade de um homem não se mede pela cor da pele, pelo sexo ou por sua origem, mede-se por sua conduta. Isso precisa ser mostrado em sala de aula, ensinado às nossas crianças. Enquanto a postura nos bancos escolares não mudar, essa situação também não mudará e, enquanto disso não ocorrer, é preciso que os negros continuem fazendo o bom combate, assumindo os espaços na sociedade.
A política de cotas raciais deu resultado?
Deu tão certo que começou a mudar a cor das universidades. Antes, havia no máximo 5% de negros na universidade. Agora, o porcentual está entre 15% e 20%. Esses jovens negros e pobre, brancos também, que passaram a ter uma oportunidade mostraram que têm capacidade. Eu quero ver chegar o dia em que seja possível dizer que a política de cotas não é mais necessária, porque houve a integração: todos estão se sentando à mesma mesa e comendo o mesmo pão.
O movimento sindical, hoje aparelhado pelo governo e pelos partidos, se perdeu?
O movimento sindical começou a errar quando entendeu que, tendo eleito um presidente sindicalista, estava tudo resolvido no país. Então, como sindicalista, acredito que perdemos o dever e a obrigação de nos indignar, de continuar mobilizados. A partir disso, grande parte do movimento sindical foi para os espaços do Estado, e todo mundo achou que estava tudo bem. No auge do governo Lula, escrevi um livro, O Rufar dos Tambores, em que dizia que estava com saudade de ver a batida do tambor do povo nas ruas. Chamavam-me de rebelde. Mas acho que o movimento sindical não pode ser partidarizado. Ele tem de ter visão crítica e se manter sempre mobilizado contra questões como a impunidade e a corrupção, por exemplo. Nisso nós também erramos.
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