A trajetória política do senador gaúcho Paulo Paim
confunde-se com o movimento sindical dos anos 80 e com a própria historia do
Partido dos Trabalhadores. Essa simbiose está chegando ao fim. O congressista
vai deixar o PT, que não representa mais as causas sociais, foi dilacerado pela
corrupção e caiu na vala comum da política. O ápice da desilusão foi a
reeleição de Dilma Rousseff. A presidente, segundo ele, prometeu uma coisa
durante a campanha e, eleita, fez exatamente o contrário. Em entrevista a Veja,
Paim defende a legitimidade do processo de impeachment, embora ressalte não haver
um fato jurídico que possa levar à cassação de Dilma.
Muitos de seus colegas deixaram o PT já no primeiro governo
Lula, durante o mensalão, quando os sinais de deterioração ética surgiram de
maneira contundente. Por que o senhor decidiu deixar o PT só agora?
O que norteia a minha vida e me faz ficar na política é a
energia positiva das causas sociais que defendo a favor dos aposentados, dos
negros, dos jovens e dos trabalhadores e movimentos em geral. Os partidos são apenas
ferramentas que a gente precisa usar para defender aquilo em que acredita. Estar
no PT durante todos esses anos me possibilitou aprovar inúmeras leis
importantes para essas causas sociais. Devo ser um dos parlamentares que mais
aprovaram leis. Há um estudo da Universidade de Brasília que mostra que, na
história da República, em relação ao combate aos preconceitos, ninguém aprovou
mais leis do que eu. O Estatuto da Igualdade Racial, a lei injúria, a política
de cotas; enfim, ninguém atuou tanto nessa área. Muitas leis minhas foram
sancionadas. Quem tem esse acúmulo não pode ficar trocando de partido do dia
para a noite.
A crise ética que recaiu sobre o PT, com os sucessivos escândalos,
não era motivo para deixar o partido?
Nunca fui um parlamentar que só defendeu a bandeira da
ética. No Senado, há parlamentar que só faz esse discurso. Eu cuido das causas
sociais, tento avançar propondo leis que fortaleçam os direitos sociais e
pratico a ética como um valor crucial para a boa política. A ética é obrigação.
Aprendi desde cedo com o meu pai, que dizia: quer vencer na vida? Estude, trabalhe e seja honesto. O resto o
universo conspira a seu favor. Apesar de alguns companheiros terem errado nessa
caminhada, continuei com a minha nau solitária carregando as minhas propostas
rumo à terra firme. Enquanto deu para ir aprovando as leis, fui trabalhando e
produzindo. Foi por isso que fiquei. Mas a partir do fim do ano passado, quando
percebi que o discurso de campanha da presidente Dilma Rousseff foi um e a
realidade dos fatos se revelou outra, achei que era hora de mudar de rumo. Vou sair
do PT. Isso é certo. Mas ainda não sei com certeza para onde vou.
Como foi passar pelo mensalão como parlamentar do PT?
Quando começaram a surgir as revelações desses negócios na
política, a primeira coisa que fiz foi perguntar se aquelas denúncias eram
verdadeiras. Na bancada e no próprio partido, todos me disseram que o mensalão não
existia, que era tudo invenção. Com o passar do tempo, por mais que eu quisesse
acreditar que não era real, comecei a ver os problemas. E virou o que virou. Isso
tudo foi me deixando cada vez mais constrangido até chegar à condição em que
estou hoje. Alguns podem dizer que o mensalão foi algo criado para manter o
projeto do PT. Eu não quero saber. Essa não é a concepção transformadora da
política que sempre defendi. A política tem de ser humanitária, e não um
negócio para alguns.
Era possível acreditar que tudo o que foi revelado no mensalão
fosse invenção?
Eu não tinha como conhecer as malandragens da política
porque não atuo nessa área. Na minha forma de fazer política, nunca fui afeito
à cúpula partidária. Em todos esses anos de PT, raramente participei de reuniões
da direção. Eu faço política de fora para dentro, com os sindicatos, clubes de
mães e associações de bairro, por exemplo. Quando vieram as denúncias do
mensalão, eu disse: investiguem tudo, doa a quem doer. Foram pessoas que
erraram, não se pode condenar a todos no partido.
O PT perdeu a capacidade de se indignar com a corrupção?
O PT sempre teve na militância de base o debate contra a
corrupção. A partir do momento em que tudo isso aconteceu, é claro que machucou
a militância. Tanto que há militantes que dizem que estou certo em sair. Quem roubou
tem que responder pelo que fez.
Como o senhor se sente em ver colegas do partido sendo
hostilizados nas ruas?
Entre a vergonha e a tristeza, fico com o sentimento que é
mais grave, a tristeza. É triste ver que o sonho acabou. Ver aonde chegamos. Infelizmente,
o PT hoje é um partido como todos os outros que sempre criticamos. E nós não viemos
para isso. O PT surgiu para fazer a diferença, para construir o sonho de uma
sociedade diferente. Mas acabamos na vala comum. Não me envergonho pelo que
fiz. Faria tudo de novo. A luta pelo emprego, pelo salário, pelos aposentados,
pelos discriminados... A frase correta é: o sonho do PT acabou.
Como é ver a riqueza de alguns companheiros do senhor, como
Lula, Dirceu e tantos outros, que começaram
o PT pobres e hoje são milionários?
O constrangimento é real. Não dá para dizer que o PT está
bem. O PT está mal. Não vou prejulgar ninguém, não vou julgar se esse ou aquele
ficou rico. Defendo a investigação de todas as denúncias, seja contra quem for.
Foi difícil votar para manter a prisão de um colega de
partido?
Esse episódio doeu. O senador Delcídio do Amaral era
parceiro. A gente conversava muito. Ele tinha trânsito em todos os setores do
Congresso. Era um líder inatacável para nós. Agora, quando chegou aquele documento do STF com aquelas
gravações, eu pensei: a polícia tem de ter todo o direito de investigar. É como
um filho que você descobriu que está traficando droga. O que você tem de fazer?
Tive que votar pela manutenção da prisão dele. Ele vai ter de responder pelo
que fez. Mantive a minha coerência dizendo que temos de tratar culpado como
culpado, inocente como inocente, seja de que partido for.
O ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff são responsáveis
pelo atual momento do país?
O presidente Lula tem um legado social que é inegável. Agora,
erramos quando não fizemos uma análise correta do momento e permitimos que esse
quadro de deterioração no campo da corrupção e impunidade se apresentasse. Foi falta
de fiscalização, falta de quadros realmente comprometidos com a ética, nos
deixamos envolver por essa situação toda, talvez achando que é assim mesmo que
era o sistema, e não havia outro jeito.
É possível que Lula e Dilma não soubessem o que se passava
na Petrobras?
Não tenho como julgar. Acho que houve erros no governo que
levaram a essa situação. Só as investigações vão demonstrar se havia culpa
desse ou daquele sujeito da história.
A promiscuidade política entre o público e o privado tem
solução?
Acho que tudo começa pela campanha. Considero o financiamento
privado uma vergonha. Ninguém dá 20 milhões de reais a um candidato porque
acredita em ideologia. Dá porque está esperando retorno no futuro. Então, é
preciso acabar com o poder econômico privado na campanha e estipular limites
para a doação de pessoas físicas. Aí eu quero ver se a campanha será no campo
das ideias.
Essa salada de partidos políticos, mais de trinta, também é
um problema.
Muitos partidos estão sendo criados apenas para embolsar o
dinheiro do fundo partidário. Virou uma bagunça. Uma boa forma de acabar com a
corrupção é haver candidaturas avulsas, implantar o voto facultativo e obrigar
o político a ter de conquistar o voto do eleitor.
O senhor já criticou a presidente por não saber ouvir.
Conheço a Dilma há pelo menos trinta anos. Tenho carinho por
ela, mas reconheço que é difícil no diálogo, na conversação e na política. Política
é uma arte. Você pode até dizer não, mas explica por que disse não. Ela, por
exemplo, acabou de vetar alguns projetos meus e nem sequer me chamou para uma
conversa.
Fora do PT, o senhor é governo ou oposição?
Vou ficar com as minhas causas. Se tiver de fazer oposição para
aprovar meus projetos, vou para a oposição. Não tenho problema nenhum em ser
oposição, desde que as causas estejam em primeiro plano.
Qual a posição do senhor sobre o impeachment da presidente
Dilma?
Sou contra o impeachment porque estou convencido de que não há
motivos jurídicos. Acho que é uma decisão política que será tomada pelo
Congresso. Mas não gosto da palavra golpe. Não é a primeira vez que se levanta
a palavra impeachment no Brasil. Nós, no PT, a levantamos muitas vezes. A questão
é se há denúncias contundentes para que seja provocado o impedimento. Se há,
instale-se o processo. Se não há, mas se criou um clima político na sociedade
que levou ao impeachment, instale-se e vamos votar sabendo que está na
Constituição.
Se Dilma for cassada, um governo de Michel Temer poderá
resolver os problemas do país?
Acho que não. Por isso digo que, se se chegar a tirar a
Dilma, o bom mesmo será convocar uma eleição em todos os níveis. Uma nova proposta,
mas é preciso ver os parâmetros legais. Por isso tenho a posição de não aprovar
o impeachment.
Por que é tão difícil acabar com o racismo?
O racismo ainda é muito forte porque a sociedade não evoluiu
no campo da educação. Aí está a grande mudança. A criança não nasce racista e não
é racista. Ela é ensinada a ser racista. Então, é crucial mudar essa concepção
dentro da sala de aula, do jardim de infância à universidade, para mostrar que
brancos e negros, índios e ciganos são todos iguais na humanidade. A capacidade
de um homem não se mede pela cor da pele, pelo sexo ou por sua origem, mede-se
por sua conduta. Isso precisa ser mostrado em sala de aula, ensinado às nossas
crianças. Enquanto a postura nos bancos escolares não mudar, essa situação
também não mudará e, enquanto disso não ocorrer, é preciso que os negros
continuem fazendo o bom combate, assumindo os espaços na sociedade.
A política de cotas raciais deu resultado?
Deu tão certo que começou a mudar a cor das universidades. Antes,
havia no máximo 5% de negros na universidade. Agora, o porcentual está entre
15% e 20%. Esses jovens negros e pobre, brancos também, que passaram a ter uma
oportunidade mostraram que têm capacidade. Eu quero ver chegar o dia em que
seja possível dizer que a política de cotas não é mais necessária, porque houve
a integração: todos estão se sentando à mesma mesa e comendo o mesmo pão.
O movimento sindical, hoje aparelhado pelo governo e pelos
partidos, se perdeu?
O movimento sindical começou a errar quando entendeu que,
tendo eleito um presidente sindicalista, estava tudo resolvido no país. Então,
como sindicalista, acredito que perdemos o dever e a obrigação de nos indignar,
de continuar mobilizados. A partir disso, grande parte do movimento sindical
foi para os espaços do Estado, e todo mundo achou que estava tudo bem. No auge
do governo Lula, escrevi um livro, O Rufar dos Tambores, em que dizia que
estava com saudade de ver a batida do tambor do povo nas ruas. Chamavam-me de
rebelde. Mas acho que o movimento sindical não pode ser partidarizado. Ele tem
de ter visão crítica e se manter sempre mobilizado contra questões como a
impunidade e a corrupção, por exemplo. Nisso nós também erramos.
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