Da IstoÉ
Uma cena marcou a 17ª edição da Bienal Internacional do
Livro, no Rio de Janeiro. Durante uma sessão de autógrafos em uma tarde de
setembro de 2015, mais de duas mil pessoas gritavam, choravam e se aglomeravam
em um salão do Riocentro, na zona oeste da capital carioca, para chegar o mais
perto possível de uma autora. A responsável pela histeria, no entanto, não era
uma escritora consagrada, nem uma celebridade da televisão ou do cinema, mas
sim uma curitibana de 22 anos que atende por Kéfera Buchmann. Talvez você nunca
tenha ouvido esse nome, mas um teste pode comprovar a projeção que ele ganhou
nos últimos meses: pergunte para qualquer pré-adolescente ou jovem entre 10 e
17 anos se ele a conhece e provavelmente nenhum dirá que não. Kéfera é a pessoa
física com o maior número de seguidores no portal de vídeos YouTube no Brasil.
Ela soma sete milhões de inscritos em seu canal “5inco Minutos”, onde posta
semanalmente vídeos bem-humorados sobre assuntos do cotidiano. Para se ter
ideia do sucesso da jovem, uma paródia que ela fez do clipe “Bang”, da cantora
Anitta, atingiu o terceiro lugar entre os vídeos mais vistos no YouTube em
2015. Arrebatando multidões e faturando cifras altas, Kéfera lidera o fenômeno
dos YouTubers no País, jovens que produzem vídeos para a internet falando o que
pensam e estão fazendo a cabeça de milhões de adolescentes. São a voz da nova
geração.
A admiração por Kéfera já ganhou ares de idolatria. Cada
foto sua no Instagram ou frase no Twitter gera milhares de comentários logo
após a postagem. Quando vai ao shopping ou a restaurantes, ela é reconhecida
pelos fãs, que, assim como os tietes de grandes celebridades internacionais,
têm até um nome de identificação: kélovers. Sua fama, no entanto, é paradoxal.
Enquanto milhões a veneram, a maioria da população não faz ideia de quem ela
seja. “Eu acho isso engraçado”, diz Kéfera. “O público que vê televisão pode
não me conhecer, mas quem faz, diretores e atores, conhece.” Na lista dos
ilustres desconhecidos brilha outro nome, o de Christian Figueiredo, 21 anos.
Ele tem dois canais que somam quase sete milhões de inscritos, dois livros
lançados (sendo que um deles vai virar filme) e contratos publicitários com
grandes marcas. Atual garoto-propaganda de uma empresa de telefonia celular, na
peça publicitária para TV o jovem aparece valendo-se da sua própria condição.
“Tenho milhões de fãs nas redes sociais. Você ainda não me conhece? Tá
precisando de mais internet aí, hein?” Também tem contrato de exclusividade com
uma marca de refrigerantes. O tamanho do sucesso de Christian pode ser medido
não só pelo número de seguidores, mas também pelas contas criadas para
reverenciá-lo. Só no Facebook são 97 páginas. Para se ter idéia, um dos
principais galãs globais, Cauã Reymond, tem 92. Christian tem uma equipe de 10
pessoas, entre editores, assessores, empresário, designer e advogado. Seus
vídeos são um festival de caretas, tons de voz jocosos e muitas piadas,
principalmente sobre relacionamentos entre meninos e meninas. “Sempre busquei
ser original. É a junção do meu próprio jeito de ser com escolher temas que não
costumam ser muito falados”, diz.
Assim como os outros YouTubers que aparecem nas páginas
desta reportagem, Christian segue uma fórmula de ouro, segundo o diretor de
parcerias de conteúdo do YouTube no Brasil, Eduardo Brandini. “É a autenticidade
na forma de se comunicar. Eles têm vocação de conseguir conversar com a
audiência e falam de assuntos que os públicos querem consumir e não encontram
em outros lugares.” São temas essencialmente ligados à realidade dos jovens e
sem os pudores que a televisão impõe. A liberdade de ter seu próprio canal
permite que esses novos ídolos juvenis falem palavrão, tratem de sexo com
naturalidade e bom-humor e façam piadas e brincadeiras ouvidas normalmente
apenas em rodas de conversa. Falam a mesma e exata linguagem de quem os
assiste. “A gente produz pensando só no nosso público. Na TV não é assim. Há
muita preocupação em agradar anunciantes e se faz um conteúdo voltado pra
isso”, diz Mauro Morizono Filho, 18 anos, o Japa, cujo sucesso foi uma virada em
sua vida. “Sempre fui o excluído da turma, tive que mudar de escola três vezes.
Sofria bullying e tive uma fase antissocial. No canal mostro meu lado doido,
hiperativo e sem noção.”
A impressão de que qualquer garoto ou garota pode se filmar
falando o que quiser, colocar os vídeos no YouTube e atingir milhões de views
só faz aumentar a idolatria dos jovens por essas webcelebridades. Para Celso
Figueiredo, doutor em comunicação e professor de mídias digitais da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, a nova geração se identifica porque esses
ídolos são atingíveis. “Se eu admiro o Neymar, quais são as chances de eu ser
como o Neymar? Se eu admiro a Kéfera, quais são as chances de eu ser como a
Kéfera? Para o jovem, parece muito mais fácil ser YouTuber do que jogador de
futebol”, diz. Esse foi o raciocínio do paulistano Leo Bacci, 23 anos, que
começou a assistir aos YouTubers PC Siqueira (pioneiro entre os vlogueiros
brasileiros), Kéfera e Christian Figueiredo e pensou que poderia fazer o mesmo.
Os amigos davam risada de suas piadas e elogiavam as imitações, principalmente
quando a vítima era a própria mãe. Criou o canal Bom Dia Leo em 2013 e hoje tem
mais de 500 mil inscritos. O vídeo mais popular é justamente o que brinca com o
dia em que a mãe lhe pediu ajuda para usar o smartphone. Fala muito sobre sexo,
já gravou sobre tipos de camisinha e o dia que a menstruação da ex-namorada
atrasou. Histórias de baladas e pegação também são constantes. “Trato de
situações que fazem parte da vida dos garotos, mas levo para o lado engraçado”,
diz.
O bom-humor faz parte de todos os canais de grande sucesso.
Os assuntos e brincadeiras normalmente se limitam a amenidades do cotidiano e
são claramente feitos para divertir. Não é comum ouvir desses YouTubers
análises mais complexas, mesmo porque não é a isso que eles se propõem. Um
ponto fora da curva é Julia Tolezano, 24 anos, a Jout Jout, que ficou bastante
conhecida com um vídeo sobre relacionamentos abusivos. Ela é a mais popular
entre os pós-adolescentes por tratar de temas adultos: trabalho, dinheiro, violência
contra a mulher. Já filmou, por exemplo, sobre a pressão vivida por mulheres
para terem filhos, entre outros temas da pauta feminista. Mas não é menos
bem-humorada por isso. E apesar de seu número de seguidores não a colocar no
topo da lista - no YouTube são 600 mil -, faz vídeos que reverberam nas redes.
É o que se chama de “influenciadora”. Por saber o peso que suas palavras têm ao
chegar ao público, diz tomar cuidado com o que fala para não ofender ninguém.
“Tenho medo de fazer algum discurso de ódio que vai criar um desconforto",
diz. Fora isso, não tem qualquer limitação sobre temas. “Tem dias que vai ter
funk, dancinha, em outros feminismo, estupro, amamentar em público, meu pé...
Eu preciso dessa liberdade.”
Com a explosão na web, os YouTubers se tornaram marcas que
valem milhões. Kéfera não revela quanto fatura por mês, mas admite já ter
comprado um carro e imóveis (assim mesmo, no plural) com o dinheiro que juntou
até hoje. Em outubro, o site americano Social Blade chegou a calcular que ela
ganha até US$ 98 mil mensais. Grande parte dessa quantia provém de contratos
com marcas famosas que pagam para que ela anuncie seus produtos. Jout Jout
também faz vídeos pagos, assim como outro ídolo da internet, Lucas
Feuerschütte, 25 anos, o Luba. Mas Kéfera ainda é o maior fenômeno entre todos.
De um ano para cá, lançou uma autobiografia, o livro “Muito Mais que 5inco
Minutos” (Editora Paralela), que já vendeu mais de 300 mil cópias; criou uma
loja virtual onde vende produtos com o logo do canal ou desenhos de Vilma
Teresa, cachorra pug tão famosa quanto a dona; estrelou a peça “Deixa Eu te
Contar”, que teve sessões em diversas capitais brasileiras; e agora deve atuar
em pelo menos três filmes, um deles produzido por Daniel Filho, da Globo.
Também pretende lançar o segundo livro, produtos licenciados como cadernos e
chaveiros com seu rosto estampado e até uma linha de comida congelada saudável.
Se você ainda acha que a febre dos YouTubers é só uma onda, é bom estar
preparado para um tsunami e começar a acessar os canais das webcelebridades.
Essa é a língua da nova geração.
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