segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

CONVERSA COM MATARAZZO

Marina Rossi, El País
Na entrada do escritório do vereador e líder do PSDB na Câmara de São Paulo, Andrea Matarazzo, que fica em um prédio que leva seu sobrenome, há um busto de um bisavô dele. No fundo da sala de reuniões, há um retrato de outro titio Ciccillo Matarazzo, o criador da Bienal de Arte de São Paulo. As tradições que o nome da família do pré-candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo carrega atravessam mais de um século na cidade.
A política, no entanto, não é a mais forte dessas tradições. Andrea Matarazzo diz ser o único com o sobrenome nesse segmento, ignorando deliberadamente o ex-senador Eduardo Matarazzo Suplicy. Ele diz ainda que está pronto para contrariar outra tradição neste ano, a de que o partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não faz prévias para escolher seus candidatos. Devem entrar na disputa com Matarazzo, prevista para ocorrer em 28 de fevereiro, os deputados Bruno Covas e Ricardo Trípoli, o senador suplente José Aníbal e o empresário João Doria, que conta com o apoio do governador paulista, Geraldo Alckmin.
Matarazzo chegou com pontualidade para esta entrevista e pouco depois se mostrou à vontade. Fez piadas com os coxinhas, a alcunha vulgar à parte da elite que se opõe ao PT, e demonstrou não ser supersticioso: "Pode me chamar de prefeito", afirmou, no meio da conversa. Se acreditasse em superstições, lembraria-se do dia em que, na véspera das eleições de 1985, FHC, então candidato à prefeitura de São Paulo pelo PMDB - na época o PSDB ainda não existia - sentou-se na cadeira do prefeito para posar para jornalistas. Foi derrotado por Jânio Quadros (PTB), que desinfetou a cadeira com uma lata de inseticida assim que empossado.
P. O também pré-candidato pelo PSDB João Doria já está fazendo campanha para as prévias. Como o senhor está articulando a sua campanha dentro do partido?
R. Estou há 25 anos no PSDB. E desde 1995, quando eu entrei no Governo Mario Covas [governador de São Paulo entre 1995 e 2001], eu venho conversando com os diretórios. É um processo contínuo de convivência, de articulação, de participação com o partido. Eu fui secretário do Covas, depois fui subprefeito da Sé, secretário de Serviços e de Subprefeituras e fui secretário de Cultura. O relacionamento com o Diretório Municipal é quase permanente.
P. Por que o senhor quer ser prefeito de São Paulo?
R. Primeiro porque eu nasci e me criei aqui. Eu tenho paixão pela cidade. E, desde que fui subprefeito, conheci uma outra São Paulo, que é a São Paulo real, dos problemas. E quanto mais eu fui conhecendo a cidade, mais eu fui me interessando também por perceber que é possível fazer uma transformação muito grande na cidade pra melhorar a vida de todos os paulistanos. A vida do paulistano é muito difícil, muito ruim. Obviamente que se você não sai do quadrilátero da avenida Paulista com a Faria Lima, a Nove de Julho e a Rebouças, você pode achar até que está numa cidade razoável. Mas se você olhar São Paulo, vai ver que está numa cidade muito desigual, onde metade da população vive em condições desumanas.
P. Se nas prévias - que acontecerão no dia 28 de fevereiro - outro candidato for eleito pelo partido, o senhor tem um plano B? Seria candidato por outro partido?
R. Não. Meu objetivo é ser prefeito de São Paulo agora em 2016.
P. Pelo PSDB?
R. Pelo PSDB. Isso uma vez concluído, eu consagro a minha carreira pública.
P. Se João Dória for eleito o candidato do partido, o senhor vai fazer campanha para ele?
R. Eu farei campanha para o PSDB com qualquer candidato que tivesse identidade com o PSDB, tanto no seu ideário, quanto na sua história.
P. Dória tem identidade com o PSDB?
R. Não sei. Não conheço o suficiente. Nunca tive convivência partidária com ele. Não posso saber.
P. O senhor sendo candidato, quem seria mais difícil para o senhor derrotar?
R. [O prefeito] Fernando Haddad (PT-SP), porque ele tem a máquina na mão, porque a chapa de vereadores do PT é muito forte, tem uma militância muito aguerrida na cidade.
P. A Marta Suplicy (PMDB-SP) não preocupa o senhor?
R. Não.
P. Pelo atual cenário dos possíveis candidatos, é possível que as eleições municipais de São Paulo sejam definidas na periferia...
R. Não acho. O eleitor vai querer ver quem consegue resolver o problema dele. O eleitor de cada lugar vai avaliar isso.
P. Mas o senhor não acha que as zonas mais nobres da cidade estão com menos problemas em relação a essa administração?
R. Não. Todos os lugares da cidade estão com muitos problemas em relação a essa administração porque a cidade está muito abandonada. A parte de zeladoria está realmente esquecida. A limpeza de bueiro, a drenagem da cidade está toda suja e por isso alaga. Chove pouco e já alaga muito. A limpeza de praça e a limpeza pública estão muito ruins. É a primeira vez que eu vejo a cidade ruim em todos os seus aspectos e em todas as suas regiões. Você pode dizer que tem um ou outro ponto [da atual administração] que pode ter agradado a uma pequena parcela da população.
P. Essa parcela da população seria a que vive em áreas mais nobres?
R. Não digo mais nobres. Os jovens de classe média do centro expandido, por exemplo. As ciclovias agradam uma parte da cidade. Mas é um programa tão malfeito, que poderia ser muito melhor, poderia ser útil para 100% das pessoas.
P. O senhor anda de bicicleta?
R. Ando de motocicleta. A ciclovia pode ser uma boa pista de caminhada também. É que se criou uma cultura aqui que não houve treinamento do ciclista. O ciclista aqui se acha intocável. Acha que pode tudo, pode passar na faixa de pedestre. Tinha que ter um treinamento para o pedestre, para o ciclista e para o motorista. Campanhas publicitárias esclarecendo, ensinando, [afinal], é um novo modal [circulando] na cidade. E hoje em dia a quantidade de pedestres é enorme. Cadê as calçadas? Estão completamente abandonadas. Falta política pública importante. O Haddad foi muito reducionista. Ele trata a cidade como se os únicos problemas de São Paulo fossem ciclovias, saquinho de supermercado – se põe ou não põe – ou se  abre ou fecha a avenida Paulista.
P. Tem algum ponto positivo nessa administração?
R. Não vejo.
P. Nenhum?
R. A criação da corregedoria. Isso foi uma boa medida. [em maio de 2013, a gestão Haddad criou a Controladoria Geral do Município (CGM) para prevenir e combater a corrupção na gestão municipal. A CGM é dividida em quatro áreas de atuação: Corregedoria Geral do Município, Ouvidoria Geral do Município, Coordenadoria de Auditoria Interna e Coordenadoria de Promoção da Integridade Pública]
P. Falando na periferia. O senhor acha que essa parcela da cidade se identificaria com o senhor?
R. Eu nunca tive problemas com isso. Acho que as pessoas se identificam com quem entende, compreende e resolve os problemas delas. Não vejo nenhum problema neste aspecto. Até porque eu sempre fui muito autêntico, nunca criei um personagem pra ir pra periferia. E para mim, sempre foi uma coisa natural. Até na minha vida empresarial, porque antigamente tínhamos fábricas na periferia. Para mim, São Paulo é uma São Paulo só, mas o que eu percebo é que o poder público olhou São Paulo de uma forma diferente: [de um lado] uma área do centro expandido que, bem ou mal levou infraestrutura para o século 20, embora não tenha chegado ao século 21; [e do outro] a periferia e seu entorno, que deixou a infraestrutura no século 19 e as pessoas vivendo nas piores condições que você dificilmente vê nas periferias de Salvador ou de cidades africanas.
P. Em uma eventual gestão do senhor, a periferia seria a prioridade?
R. Sem dúvida nenhuma. Políticas públicas voltadas para a regularização fundiária, que é coisa fundamental na cidade, e resolve não só o problema da segurança da pessoa ter o seu lote, como reduz a questão de invasões e melhora a questão de mobilidade. Porque na hora em que você tiver a zona sul regularizada, você vai ter grandes magazines, lojas, comércio e atividade econômica lá. Hoje o comércio não vai [para a periferia] porque não consegue ter o habite-se de um imóvel.
P. O senador José Serra, que te apoia dentro do seu partido, publicou um post no Facebook recentemente falando que a Paulista aberta era um absurdo, o impedia de chegar na casa de um amigo, ninguém usava... Esta política de abrir a avenida para pedestres aos domingos seria mantida em um eventual Governo do senhor?
R. Não está nas minhas prioridades. Não sei te dizer. Precisa fazer uma pesquisa com quem mora no entorno, para saber o grau de incômodo que aquilo cria no entorno. Acho que incomoda. Para quem mora por ali deve ser bem chato.
P. A Paulista é um símbolo. Há outras avenidas que têm recebido essa política.
R. Muito poucas. É tudo restrito ao centro. A Paulista está a mil metros do Parque Ibirapuera. E dentro dela tem o Parque Trianon. Do outro lado tem o Parque Buenos Aires. As calçadas têm cinco metros. Não é um problema. Quando você sai do centro expandido, vai ver que há outras regiões que não têm onde as pessoas andarem nem saírem.
P. Então essa seria uma política que o senhor levaria para a periferia?
R. Sem dúvida. Quando você vai para Cidade Tiradentes você vê que não tem nem calçada para a pessoa andar. São Paulo é muito grande. Cada região é uma região com situações muito diferentes.
P. O que o senhor acha da implantação de corredores e faixas de ônibus na cidade?
R. Prioritário. É a única coisa que pode melhorar o trânsito da cidade. Mas que infelizmente essa gestão não conseguiu fazer.
P. Por quê?
R. Não sei, porque encalharam todos os projetos. As faixas de ônibus são mais uma coisa que precisa ser bem analisada. É preciso levar em conta que São Paulo, fora do centro expandido, o comércio é todo em cima de avenidas. E o comércio é a grande atividade econômica na periferia. Então é preciso tomar um pouco de cuidado, porque quando você coloca a faixa de ônibus à direita, e proíbe estacionamento e carga e descarga, você cria um transtorno e desemprego. De novo: planejamento. É preciso ter discussão. Aqui na Câmara, você tinha o plenário cheio [nos dias de debate sobre o tema]. E não era cheio dos coxinhas. Era a periferia.
P. Quem são os coxinhas?
R. Ué, nós, os Jardins.
P. O João Doria disse que é a favor da intervenção mínima do Estado e que venderia o Pacaembu, Interlagos e o Anhembi....
R. Eu não vou comentar a visão dele.
P. Tudo bem. Mas o senhor é a favor da intervenção mínima do Estado, assim como ele?
R. Imagina. Intervenção mínima você pode ter sei lá, nos Estados Unidos, que é um país feito. Uma cidade com a desigualdade que nós temos, você vai fazer transporte de massa livre? Há linhas que simplesmente não existirão, porque não interessam a ninguém. Como as pessoas vão se virar com creche? O mercado vai regular? Isso é uma bobagem. Mas, falando do Pacaembu, é um estádio no meio de um bairro residencial. Alguém para explorar aquilo tem que fazer shows. Você vai fazer shows todos os dias no meio de um bairro residencial? O estádio do Pacaembu tem que ser o grande centro de referência de esporte da cidade.
Errata: Primeiramente, foi publicado que o busto, na entrada do prédio do escritório de Andrea Matarazzo era dele. O busto é, na verdade, de um bisavô do vereador tucano, que também chamava-se Andrea Matarazzo.
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