Artigo de Fernando Gabeira
A Operação Lava Jato começou o ano desatando fios de várias
meadas. Um deles, as mensagens telefônicas do ex-diretor da OAS Léo Pinheiro.
No vácuo político do recesso, a única variável com poder de alterar o quadro é
o curso da Lava Jato e de outras operações da Polícia Federal.
As mensagens de Léo Pinheiro comprometem o ministro Jaques
Wagner em alguns pontos. Um deles, sua interferência num fundo de pensão, a
pedido da OAS. Negócio de R$ 200 milhões. Mais ou menos no mesmo período vazou
trecho da delação de Nestor Cerveró também comprometendo Wagner. Desta vez na
construção de um prédio destinado a abrigar a direção financeira da Petrobrás.
Cruzo os dados não para demonstrar culpa de Wagner. Mas para
reafirmar que a Lava Jato é uma espécie de termômetro que permite vislumbrar ao
menos algumas nesgas do futuro. No caso de Lula não poder disputar em 2018,
Wagner era uma espécie de plano B. Há pedras no caminho.
As mensagens de Léo Pinheiro expuseram ainda mais o
superexposto Eduardo Cunha. Trabalhavam intimamente, Cunha era um lobista da
OAS. Eram tão próximos que combinavam doações que seriam feitas por empresa
adversária, a Odebrecht. Na intimidade do diálogo com Léo Pinheiro, Cunha
chamava a Odebrecht de “os alemães”, expressão usada nos morros do Rio para
designar os rivais de outra área.
Eduardo Cunha já está enredado até a medula. E na troca de
mensagens com o diretor da OAS ainda expôs outros políticos do PMDB e até a
campanha de Temer para vice. Sinal de alerta para o futuro do partido. Lobão já
teve seu sigilo bancário quebrado. Até que ponto é possível prever o futuro do PMDB
antes do fim da Lava Jato?
O PSDB também aparece em delações premiadas. A primeira
denúncia foi de Paulo Roberto Costa: teria pago R$ 10 milhões a Sérgio Guerra,
então presidente do partido, para tornar inviável uma CPI da Petrobrás. Novos
vazamentos da delação de Nestor Cerveró revelam que ele denunciou uma propina
de US$ 100 milhões no período de Fernando Henrique Cardoso, paga por um negócio
feito na Argentina, a venda da petrolífera Pérez Companc.
Tanto Sérgio Guerra como o ex-presidente da Petrobrás
Francisco Gross já morreram. Mas isso não impede a investigação dos fatos, no
momento muito vagos ainda. Mas se a Operação Lava Jato tiver a mesma duração de
quatro anos da italiana Mãos Limpas, terá condições de iluminar ao máximo o
período, para a nova fase da democracia brasileira começar a cumprir as
promessas que vêm lá da luta pelas diretas.
O PT reclama de vazamentos seletivos. Tem vazado geral, para
todos os lados. Parte do PP está atrás das grades. O problema do PT, além do
volume, é o amplo domínio da máquina, a corrupção como forma de governo. Não
bastasse Pasadena, surgiu agora Moamba-Major.
Esse é o nome de uma barragem em Moçambique, feita pela
Andrade Gutierrez. Os africanos precisavam abrir uma conta no exterior, o
governo brasileiro decidiu suspender essa condição para facilitar um empréstimo
do BNDES de US$ 320 milhões. O banco afirma que foi uma operação normal e não
viu risco no empréstimo. A resposta desse e de outros enigmas está na própria
Lava Jato, pois deve começar logo a delação premiada da Andrade Gutierrez.
Como a agenda da Lava Jato domina os futuros passos
políticos, o começo do ano novo é só um prolongamento do velho. Outra variável
de peso que vem de 2015, a economia se degrada e o governo ainda me parece
perdido. Ao mesmo tempo que lança metas inalcançáveis para melhorar suas
contas, como CPMF e reforma da Previdência, orienta os bancos oficiais a
facilitar o crédito.
Volta e meia se fala nas reservas nacionais, em detoná-las
para criar um impulso na economia. O Brasil tem muito dinheiro, vamos gastá-lo.
Mas o Brasil tem dívidas. Contando direitinho, ativos e dívidas, sobra menos do
que parece. Além de ser pouco para o que pretendem, vai nos deixar totalmente
na lona. Jaques Wagner disse que o governo não tem nenhum coelho na cartola
para superar a crise econômica. A impressão é de que, se o tivesse, teria
tirado. O enfoque da magia não foi rejeitado. Só acabaram os truques.
As variáveis Lava Jato e crise econômica não conseguem
fechar o quadro. Mas influenciam uma terceira que, em combinação com elas, pode
resultar na mudança.
Apesar de manifestações aqui e ali, a sociedade ainda não se
pôs em movimento este ano. Até que ponto se vai manter distante? Não é uma
passividade qualquer: cada vez recebe mais dados negativos sobre o País e seus
governantes. É uma passividade informada. Ao menos tem os dados para avaliar,
sabiamente, a hora de passar de um estado para outro, a hora de agir.
Dizem que o ano no Brasil só começa depois do carnaval. Mas
o fluxo de dados não para. Ele transborda no carnaval em marchinhas, máscaras,
fantasias e passa ele mesmo a ser um dado na própria análise da crise. Mesmo
porque até o carnaval muita gente pode sambar.
A História não tira férias de verão. Já temos uma espécie
big data dos escândalos, enriquecido diariamente com revelações, cruzamentos,
checagens.
Sabemos que as chances de Eduardo Cunha ter feito fortuna no
mercado são menores do que ganhar a Mega-Sena. As chances de os negócios de
Cunha terem rendido o que declarou é de 1 em 257 setilhões; as de ganhar a
Mega-Sena, 1 em 50 milhões. É o que diz um documento do inquérito. Não era
preciso fazer tanta conta.
Melhor é apressar o passo. Num certo nível, o Brasil ganha
credibilidade internacional com a Lava Jato: as investigações são independentes
e nos põem no limiar da maturidade democrática. Em outro, as hesitações e
fantasias diante da crise econômica agravam o quadro e solapam tal
credibilidade.
Na Quaresma voltam os políticos. Mais uma variável da
equação. Que instinto os moverá nessa volta, o de sobrevivência? Continuarão
dançando na beira do abismo? Nessa hora o carnaval já terá passado. É 2016.
Artigo publicado no Estadão em 15/01/2016
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