Da Época
Não eram nem 9 horas e Cesar já voltara para casa depois de
envernizar o balcão de um bar, bico que lhe rendeu R$ 200 naquela manhã de
dezembro. Entrou no imóvel de reboco aparente, na periferia de Sorocaba,
interior de São Paulo, deu uma última olhada no Facebook e seguiu para o banho
a fim de se desfazer do cheiro forte de óleo e resina. O quarto de Cesar é um
refúgio privilegiado – “muito ajeitado”, nas palavras dele. Há uma cama box,
videogame de última geração e até televisão full HD de 51 polegadas. Nada mau
para os padrões da vizinhança. Ao ir para o banho e passar perto da janela da
sala, estacou. “Mãos pra cima”, gritou o policial na rua, com a arma
engatilhada na direção dele. Paralisado com o susto, Cesar não conseguiu
raciocinar. Seus irmãos mais novos dormiam no sofá e acordaram num sobressalto.
Com a ajuda de seis policiais e quatro promotores, o visitante inesperado
revistou o quarto de Cesar, apreendeu seu notebook e seu celular. Só mais
tarde, a bordo de uma viatura policial a caminho de um depoimento, o jovem de
27 anos descobriu o que o colocara naquela situação.
Cesar é um dos investigados pelos ataques racistas, em julho
do ano passado, ao Facebook da jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, do
Jornal Nacional, da TV Globo. Ele administrava o hoje extinto Boring, um grupo
do Facebook suspeito de ter orquestrado o crime. Trata-se de uma das dezenas de
gangues virtuais que rivalizam entre si no submundo da internet – um universo
belicoso em que o poder é medido pelo acúmulo de curtidas e comentários nas
publicações do Facebook. A trolagem – jargão da internet para a publicação de
conteúdos de humor, em geral depreciativos – é a munição usada por eles. Os grupos
(um dos maiores deles chega a 65 mil usuários) se estruturam seguindo uma
hierarquia militar. Um administrador equivale a um general; o restante dos
membros, a soldados que devem obedecer a ordens. São comunidades fechadas. Para
entrar, é necessária a autorização de um administrador ou um convite de quem já
participa delas. “O Facebook virou um campo de batalha”, disse Cesar a ÉPOCA.
“Os grupos fazem de tudo para ganhar fama, até mesmo cometer crimes.” Por trás
dos ataques, estão jovens de classe média baixa, em geral menores de idade – a
maioria com pouquíssimo traquejo social.
Ao longo do último mês, ÉPOCA conversou longamente com
dezenas de participantes e organizadores desses grupos, além de se infiltrar
nessas comunidades fechadas com um perfil falso. Encontrou ali uma terra sem
lei, desconhecida para grande parte dos 99 milhões de usuários do Facebook no
Brasil. Num rápido passeio virtual, não é difícil encontrar conteúdos ilegais
dos mais variados tipos – de racismo e xenofobia até pornografia infantil. As
imagens de adolescentes nuas são como troféus que garantem status a seus
detentores. Funciona assim: um jovem que consegue um vídeo de uma menina sem
roupa tira uma foto de um trecho que não exiba as partes íntimas. Ao
publicá-lo, sugere um desafio como: “Se chegar a 700 curtidas, eu ‘explano’”,
diz. “Explanar”, na gíria deles, é divulgar o vídeo na íntegra. Esse tipo de
publicação gera engajamento e alça seus autores ao posto de líderes.
Trecho da reportagem de Época desta semana que já está nas
bancas.
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