Editorial, O Globo
Derrotas sucessivas no combate ao mosquito
A Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda não aceita como
fato cientificamente comprovado a relação entre a epidemia de zika (uma das
doenças provocadas pelo Aedes aegypti) e o preocupante aumento da incidência de
microcefalia no Brasil.
Dos 462 casos confirmados pelo Ministério da Saúde, na
sexta, de crianças nascidas com esse tipo de má-formação do cérebro,
comprovou-se que apenas 41 foram consequência da exposição das mães ao vírus
espalhado pelo mosquito.
Essa (por enquanto) baixa associação, no entanto, não
reflete o que as evidências mais do que sugerem: a primeira semana de fevereiro
fechou com o espantoso registro de quase cinco mil notificações de suspeita de
vítimas de microcefalia (3.600 ainda permaneciam sob investigação dos
organismos de saúde).
A gravidade da situação se mede, entre outros fatores, pela
decisão da OMS de, mesmo sem comprovação, ter decretado uma incomum emergência
de saúde internacional. O paradigma dessa medida se encontra na dimensão de
episódios em que o organismo recorreu à convocação da excepcionalidade.
Desde a reformulação do Regulamento Sanitário Internacional,
em 2007, o mundo confrontou-se com três grandes ameaças de ordem sanitária: em
2009 (vírus H1N1) e em 2014 (poliovírus selvagem e ebola).
O simbolismo da mobilização proposta pelo organismo
internacional fala por si: a zika e sua virtualmente provável associação mais
grave, a microcefalia, constituem uma ameaça palpável à saúde de boa parte do
planeta. E, por descaso e incompetência do poder público do país, o Brasil
comparece como indesejável protagonista dessa situação.
As evidências são que, sem uma mobilização internacional que
junte ações de colaboração entre os governos e iniciativas no âmbito interno de
cada país ameaçado pelo mosquito, o Brasil em especial, o caminho rumo a uma
pandemia parece incontornável. Visto pelo ângulo dos números, o quadro é ainda
mais assustador.
Para além dos casos (zika e microcefalia) já registrados em
diversos países, a OMS estima que, deixando-se a situação no curso atual, o
vetor contaminará quatro milhões de pessoas nas Américas (1,5 milhão no
Brasil).
Isso sem contar os casos de dengue, variação ainda mais
forte de mal transmitido pelo Aedes. Segundo o Ministério da Saúde, a doença
atingiu ano passado 1,65 milhão de brasileiros, um recorde desde a primeira
grande epidemia, nos anos de 1980.
Convém lembrar que ambas, zika e dengue, são manifestações
que podem levar à morte. Desde 2015, o número de óbitos atribuídos à zika,
cujos registros são mais recentes, se aproxima de 80; já a dengue tem sido bem
mais letal: entre 1990 e 2015, a febre hemorrágica e outras complicações dela
decorrentes mataram mais de cinco mil pessoas no Brasil — quase 900 somente no
ano passado, um recorde.
A decretação de emergência internacional pela OMS reflete a
tibieza dos esforços do poder público brasileiro para controlar o mosquito,
depois de ele ter sido erradicado na década de 1950.
Mas, uma vez que se trata de situação de fato, em que
importa mais agir que lamentar o que até aqui deixou de ser feito, a iniciativa
do organismo deve ser vista pelo seu aspecto positivo.
Ao recorrer a essa medida extrema, a instituição sinaliza
que o problema, ainda que agravado pela leniência de um Estado-membro, passa a
ser de todos, o que implica redobrar a mobilização para além dos limites de
cada país a fim de conter o Aedes e reduzir os danos provocados pelo vetor.
A sinalização para o Brasil é inequívoca: o país, por meio
do poder público, e, também, com a imprescindível colaboração da população,
precisa fazer a sua parte nos procedimentos que inibam a reprodução do
mosquito.
O país precisa mostrar que é capaz de executar mais do que
fez até agora. Afinal, está em jogo a vida de milhões de pessoas.
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