Artigo de Fernando Gabeira
Durante a semana, falou-se muito da operação Triplo X. O
centro das operações foi o edifício Solaris, no Guarujá, onde Lula tem um
tríplex, teria um tríplex, ou acha que teve um tríplex, ou possivelmente só
contemplava um tríplex. Não é esse Triplo X que me interessa tanto. O prédio
caiu nas malhas da Operação Lava-Jato e o tríplex com suas múltiplas
explicações continuará em cartaz.
Traduzindo o X por uma incógnita, gostaria de acrescentar
mais um, que escapa da rede da Lava-Jato, mas foi brandamente recebido. É o
fato de os dirigentes da Bancoop terem seus apartamentos e deixarem centenas de
famílias ao relento. Era um projeto comum, que eles lideravam, no entanto
abandonaram o navio como aquele comandante do Costa Concordia, transatlântico
que afundou na costa da Itália. Ele foi condenado a 16 anos de prisão. Ali no
Costa Concordia havia vida em jogo. No Bancoop, apenas sonhos e economias para
a casa própria.
Nada mais corrosivo para uma proposta política que se
pretende igualitária: em caso de naufrágio, salvam-se os líderes, a galera que
se dane. Surgiram inúmeras defesas de Lula para livrá-lo das garras da
Lava-Jato. Como sempre, algumas falam de um suposto apartamento de Fernando
Henrique. Ele é o norte moral: se fez, podemos fazer também.
O advogado de Lula, Nilo Batista, busca uma outra linha: o
apartamento é pequeno, um Minha Casa Minha Vida, as obras de R$ 770 mil no
sítio de Atibaia, apenas um puxadinho. Até que ponto tudo isso não é um
preconceito? Com tantos blogs por aí, defensores ardorosos, o PT não encontra
uma única versão para esse quarto X: a deslealdade da cúpula com os mutuários.
Tudo por um apartamento diante da praia de Guarujá. Na verdade era um futuro
melancólico que foi abortado pelas denúncias.
Vaccari era o presidente da Bancoop e tem um tríplex no
Solaris. Ele está preso. Mas por outros motivos. O silêncio do PT diante da
Bancoop revela um pouco como o respeito, o medo, ou mesmo uma vontade de
proteger a cúpula a qualquer custo minaram seus fundamentos. Se não fosse
tríplex mas um simples quarto e sala, se a empresa não fosse envolvida no
Petrolão, a cúpula do Bancoop, os seletos donos de apartamentos escapariam das
malhas do Lava-Jato, mas não das malhas da decência comum, negadas por
comandantes que se salvam enquanto os outros se ferram.
Embora exista um processo na Justiça, a oposição deu pouca
importância ao episódio. Mais um esqueleto num armário tão grande como a sala
de um museu de história natural. Existe um outro X para mim. Houve grande
empenho para soltar o empresário Leo Pinheiro. O objetivo era afastá-lo da
delação premiada. Zavascki, Lewandowski, Lebowski, alguém o soltou no Supremo.
Quando tudo parecia resolvido, surgem as mensagens de Pinheiro. Seu telefone
contava em mensagens parte do que contaria em delação premiada.
O Triplo X traz de novo Pinheiro à cena. O Solaris foi
comprado pela OAS. O tríplex que Lula ocuparia foi reformado pela OAS. Tanto
esforço para soltar o homem e ele reaparece em cena. Seus tornozelos devem
estar ardendo em regime de prisão domiciliar. O que adiantou soltar Pinheiro? O
volume de informações sendo processado é muito grande e talvez a Lava-Jato não
dependa tanto de novas delações.
O fluxo de dados vai desvendando a Operação Triplo X e se
ela se aproximar de Lula através desses dois fatos secundários, um tríplex e um
sítio, repetirá outras ocasiões em que a Justiça acabou chegando por atalhos a
estradas mais largas. De qualquer forma, sítio e tríplex são presenças
concretas. No imaginário popular pesam mais do que abstratas contas na Suíça. Maluf
ou Cunha podem dizer que não têm conta no exterior, e o mundo segue seu curso.
Não há imagens.
Quando não são meras montagens, as fotos tendem a reaparecer
com mais nitidez e frequência quanto mais nebulosas forem as explicações. Só a
verdade pode devolvê-las, no seu tempo, ao silêncio dos arquivos.
Se o edifício é Solaris, que se faça luz. Por enquanto, as
sombras o cobrem, desde a origem quando os bancários foram passados para trás.
Curioso é que Solaris também é nome de um oráculo cuja
função é exatamente fazer perguntas. E com a seguinte advertência: perguntas
irrelevantes, do tipo “Vai chover hoje?”, não serão consideradas. Infelizmente,
a consulta se faz num tempo difícil, dominado por uma pergunta que o próprio
oráculo não sabe responder: como sair dessa maré?
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 07/02/2016
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