Da Época
Aos 26 anos e grávida pela terceira vez, a carioca Pollyana
Rabello já conhecia o trajeto a percorrer na madrugada de 28 de dezembro. As
contrações fortes e frequentes não a deixaram dormir. Exausta após 48 horas de
dor persistente, Pollyana foi encaminhada ao centro cirúrgico de um hospital em
Niterói, cidade vizinha ao Rio de Janeiro. A anestesia da cesariana tirou sua
sensibilidade da cintura para baixo, mas Pollyana continuou desperta. Rodeada
por médicos e enfermeiros, acompanhou cada movimento que precedeu a chegada de
Luiz Phillipe: o corte na barriga, a mão alcançando o bebê, o cordão umbilical
sendo cortado. Ouviu o choro do filho e sentiu o êxtase da maternidade. O
torpor raro foi interrompido pela notícia que mudaria sua vida: “Mãezinha, seu
filho nasceu com microcefalia”, disse o médico, sem rodeio.
Naqueles dias em que Pollyana se preparava para o parto,
outra gestante varava noites à caça de orientação. Ao longo de dois meses, a
terapeuta capilar Mariana Mendonça, de 33 anos, comparecera dia sim, dia não a
um laboratório no bairro de Bangu, no Rio de Janeiro, para exames de controle
de ovulação. Apontado o período fértil, o médico recomendava: “Você precisa
namorar amanhã”. Mariana cansou de namorar mecanicamente. Interrompeu o
acompanhamento médico – e aí, sim, engravidou. Soube logo com um mês de gestação
e a paz durou poucas semanas. Aos dois meses de gravidez, seu corpo foi tomado
por manchas vermelhas, dores fortes e febre moderada. Seu obstetra pensou ser
dengue. Mas, duas semanas depois, Mariana soube pela televisão da existência de
um novo vírus que circulava pelo país. “Eu pirei”, afirma. O zika começava a
aterrorizar e ninguém sabia explicar nada.
Em dezembro, Mariana apenas começava a enfrentar a torrente
de dúvidas que já se abatera, por meses, sobre Gisele de Lima. Ela chegou sem
respostas ao Hospital Universitário de Jundiaí, no interior de São Paulo, às 10
horas de 17 de dezembro. Por quase seis horas, trabalhou o parto de sua menina.
A cada contração, vinham a dor, normal, e a angústia, que não deveria ser. Com
quatro meses de gestação, Gisele fora diagnosticada com o zika. A posição de
sua caçula no ventre impedira uma ultrassonografia conclusiva sobre o tamanho
do cérebro da pequena. Às 15h40, a menina veio à luz. A médica a observou,
tomou um pequeno susto – e Gisele, que passara os últimos cinco meses de
gestação no escuro a respeito da saúde da filha, perdeu o ar. “Calma, mãe. Foi
só o cordão umbilical que rompeu”, disse a médica. “Ela está bem. É saudável.”
Gisele não ousou perguntar mais nada, de medo da resposta. Chorou, enquanto a
filha era posta em seu peito, e fitou a cabeça da menina. Parecia normal. O
desafogo da mãe foi intenso, mas incompleto. A menina teve anemia e ficou sete
dias na semi-UTI. Ninguém sabe dizer se foi por causa do zika. Ninguém sabe
dizer muito. O quarto de Gisele ficou cheio de médicos atrás de informações.
Ela, cheia de dúvidas, era entrevistada em vez de orientada. Por pelo menos um
ano, mãe e filha serão monitoradas. “Falaram que o cérebro da Geovanna ainda
pode não se desenvolver. Não sabem se pode ter sequela, porque é um vírus
novo”, diz.
As mães Gisele e Pollyana e a gestante Mariana se batem com
incertezas que atormentarão famílias brasileiras por anos. Quando se tornaram
públicos, em novembro, os casos dos 140 bebês que nasceram com a cabeça menor
que o normal em Pernambuco, o fenômeno ainda parecia um mistério isolado. Na semana
passada, 3.670 casos em investigação depois, viraram emergência global. A
médica chinesa Margareth Chan, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde
(OMS), alertou que a recente explosão de casos de microcefalia merece um
esforço internacional. É preciso acelerar o entendimento científico de como age
o principal suspeito, o vírus zika. E é preciso combater a proliferação de seu
principal transmissor, o mosquito Aedes aegypti. Legisladores e juízes também
terão de enfrentar, com a urgência que uma crise demanda, temas difíceis como o
aborto. Os discursos, os números assustadores e o empenho de cientistas, porém,
fazem pouco ou nada, neste momento, pelas famílias que precisam tomar decisões
e fazer preparativos já.
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