Da Veja
No começo de 2015, Dilma Rousseff recebeu, no Palácio do
Planalto, o petista Fernando Pimentel. Ela acabara de conquistar a reeleição.
Ele, o governo de Minas Gerais. Amigos e confidentes há mais de quarenta anos,
os dois tinham motivos para comemorar, mas trataram de um assunto espinhoso,
capaz de tisnar os resultados obtidos por ambos nas urnas. Pimentel trazia um
recado de Emílio Odebrecht, dono da maior empreiteira do país, para a
presidente da República. O empresário a advertia do risco de que os pagamentos
feitos pela Odebrecht ao marqueteiro João Santana, no exterior, fossem
descobertos caso a Operação Lava-Jato atingisse a construtora. Emílio exigia
blindagem, principalmente para evitar a prisão do filho Marcelo Odebrecht, sob
pena de revelar às autoridades detalhes do esquema ilegal de financiamento da
campanha à reeleição. Diante da ameaça de retaliação, Dilma cobrou explicações
de seus assessores. Deu-se, então, o ritual de negação encenado com frequência
em seu governo. Como no caso da economia, cujo desmantelo foi rechaçado durante
meses a fio, os auxiliares disseram que a petista havia conquistado o segundo
mandato com dinheiro limpo e declarado. Tudo dentro da lei. A "faxineira
ética", portanto, não teria com o que se preocupar.
Esse discurso se manteve de pé até a semana passada, quando
o juiz Sergio Moro, responsável pela Lava-Jato na primeira instância,
determinou a prisão de João Santana, o criador dos figurinos de exaltação à
honestidade da presidente, e da esposa dele, Monica Moura. O casal recebeu numa
conta na Suíça, não declarada à Receita brasileira, 3 milhões de dólares da
Odebrecht, acusada formalmente de participar do cartel que assaltou os cofres
da Petrobras, e 4,5 milhões de dólares de Zwi Skornicki, um dos operadores do
petrolão, o maior esquema de corrupção da história do país. Os detalhes da
investigação sobre o marqueteiro foram revelados por VEJA em janeiro passado. A
decisão de Moro confirmou as tenebrosas transações descritas por Pimentel a
mando de Emílio Odebrecht e fez recrudescer a discussão política e jurídica
sobre a cassação da presidente. Pela letra fria da lei, utilizar-se de dinheiro
sujo em campanha eleitoral é fator determinante para a perda do mandato. A
Polícia Federal e o Ministério Público suspeitam que isso tenha ocorrido na
última sucessão presidencial. Delegados e procuradores dizem ter encontrado
fortes indícios de que os recursos depositados para Santana na Suíça têm origem
nas propinas desviadas da Petrobras. Afirmam também que o marqueteiro embolsou
a dinheirama como pagamento por serviços prestados a candidatos do PT.
Dois dados em especial chamaram a atenção dos
investigadores. Em 2014, quando Dilma disputava a reeleição sob a batuta de
João Santana, Skornicki fez depósitos na conta do marqueteiro na Suíça. Em
outubro e novembro de 2014, entre o primeiro turno e a comemoração do novo
mandato de Dilma, a Odebrecht também teria repassado outros 4 milhões de reais
para Santana - dessa vez no Brasil, segundo indicações de uma planilha da
empreiteira apreendida pela polícia. Todos esses valores, insistem as
autoridades, têm origem no petrolão e podem ter bancado a reeleição da
presidente. Os funcionários da Odebrecht chamavam propina de
"acarajé". Em depoimentos na semana passada, Santana e Monica
livraram Dilma de envolvimento em qualquer irregularidade. Eles alegaram que receberam
os "acarajés" na Suíça como pagamento por serviços prestados em
campanhas eleitorais, mas campanhas em outros países. Tudo não passaria de um
caso internacional de caixa dois, considerado um crime menor. No Brasil, o
trabalho de marketing teria sido realizado como manda a legislação. A reeleição
de Dilma, portanto, não carregaria a mácula do esquema de corrupção. A polícia
não acreditou. Na sexta-feira, o juiz Sergio Moro prorrogou a prisão do casal.
Primeira a depor, Monica declarou que parte dos pagamentos
se referia a serviços prestados na campanha eleitoral em Angola, governada por
aliados do PT. Aliados antigos e generosos, como ressaltou o ex-diretor da
Petrobras Nestor Cerveró. Em seu acordo de delação premiada, Cerveró contou que
a Petrobras fechou um contrato milionário com a estatal angolana de petróleo e
que, em retribuição, voltaram ao Brasil de 40 milhões a 50 milhões de reais
para financiar ilegalmente a campanha de Lula em 2006. Depois da prisão de seu
marqueteiro, Dilma convocou os auxiliares de sempre para uma reunião no
Planalto e cobrou esclarecimentos do ministro Edinho Silva (Comunicação
Social), tesoureiro de sua última campanha presidencial. Ele garantiu a lisura
das contas eleitorais da presidente e disse que os pagamentos a João Santana no
exterior diziam respeito a dívidas antigas do PT com o marqueteiro, relativas a
campanhas de outros candidatos e à produção da propaganda partidária. Ou seja:
eram esqueletos do ex-tesoureiro do PT João Vaccari, que nada tinham a ver com
a reeleição da chefe.
Apesar do tradicional ritual de negação, sobram indícios e
depoimentos que dão conta de que Dilma se beneficiou, no terreno eleitoral, do
dinheiro sujo do petrolão. As primeiras evidências foram encontradas em
anotações no telefone do próprio Marcelo Odebrecht, confirmando o que o pai
relatara antes a Fernando Pimentel: "Liberar para o Feira (...). Dizer do
risco cta suíça chegar na campanha dela". O vínculo da conta na Suíça com
o marqueteiro já foi descoberto. "Feira", de acordo com os agentes,
era o codinome de Monica Moura. Em outra anotação, Marcelo ressaltou a
necessidade de articular com o governo uma estratégia conjunta de defesa.
"Ter contato ágil/permanente entre o grupo de crise do governo e nós para
que informações sejam passadas e ações coordenadas. Quem?" A estratégia
também se confirmou. O ex-presidente Lula defendeu a necessidade de combinar
com as empreiteiras um discurso de defesa. Coube ao então líder do governo no
Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), externar essa proposta a Dilma.
"Presidente, a prisão (de Marcelo Odebrecht) também é um problema seu,
porque a Odebrecht pagou no exterior pelos serviços prestados por João Santana
à campanha", disse o senador. Não deu em nada. Convencida por Edinho e
pelo então chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante, ela manteve a fé cega na
legalidade de sua campanha.
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