Artigo de Fernando Gabeira
A crise brasileira é tão asfixiante que às vezes preciso de
uma pausa, ouvir música, ler algumas páginas de romance. Em síntese, recuperar
o fôlego.
As crises assumem ritmos mais rápidos no seu final. A reação
de Lula na entrevista coletiva, ao sair da PF, não me pareceu a de um
candidato.
Em 2002 foi difícil vencer com o “Lulinha paz e amor”. Em
2018 será impossível vencer como jararaca. Um candidato não se identifica com
uma cobra peçonhenta. Nem se considera a alma mais honesta do Brasil. Verdade
que seu marqueteiro está na cadeia. Mas onde está a intuição política que
sempre lhe atribuem?
Ele perdeu a cabeça e, com ela, a chance de representar a
serenidade do inocente. Seu marqueteiro representou. Não evitou a cadeia, mas,
pelo menos, era um script mais elaborado.
Lula queria ser algemado. O marqueteiro e a mulher, também.
Eles colocaram as mãos para trás, incomoda menos que as algemas reais, mas não
tem o mesmo efeito. No fundo, um tremendo esforço para se fazer de vítima,
conquistar pela emoção a simpatia que os fatos liquidaram.
Na Justiça, a decisão vai trabalhar com os fatos. Se alguém,
realmente, quer contestar sua provas, precisa argumentar também com evidências.
Nem sempre as decisões na esfera do crime são bem recebidas.
Em muitos pontos do Rio, prisões resultam em protestos, queima de pneus e
bloqueios. Alguns líderes religiosos, quando presos, também emocionam seu
rebanho.
No campo da política, há sempre o cuidado com os conflitos
sociais. Para quem viu conflitos sociais, o que aconteceu na sexta passada foi
apenas uma briga de torcidas e, na verdade, mais pacíficas que as de futebol.
Leio num jornal brasileiro que iriam buscar, entre outros,
um gesto de solidariedade de Nicolas Sarkozy. Leio num jornal francês que
Sarkozy também está às voltas com a polícia. Sujou, bro.
Apesar de seu ritmo, os últimos dias têm trazido uma ponta
de otimismo, mesmo nos mercados, que são tão voláteis. Esse otimismo está
baseado na queda de Dilma, mas deve ser estendido também a Eduardo Cunha. Os
dois são rejeitados pela maioria. Não se trata apenas de festejar uma queda,
desfazer-se de uma pedra no caminho. É criar uma chance de, superando o impasse
político, recuperar a economia.
O que move as pessoas no domingo não é só a unânime luta
contra a corrupção, mas também a clareza sobre as dificuldades cotidianas. Elas
podem não ter uma noção clara do que deva ser feito. Mas sabem que algo precisa
ser feito. E urgente.
Sempre que foi preciso, a sociedade brasileira manifestou-se
claramente. Será assim no domingo e, para dizer a verdade, não acredito em
conflitos, como algumas vozes do PT sugerem e Dilma confirma, a seu modo,
pedindo paz.
As coisas vão se resolver de forma tranquila e o bicho-papão
não tem como amedrontar ninguém. Escaramuças pode haver, mas seriam mais um
caso de polícia: mais gente presa e neutralizada.
É ingênuo supor que as pessoas, dando-se conta de que o País
está à deriva, com um governo que se elegeu com grana da Petrobrás, numa enorme
crise econômica, vão ficar em casa só porque uns caras de camisa vermelha fazem
cara feia ou gestos obscenos com o dedo.
Quando as pessoas denunciam a corrupção estão baseadas em
fatos reais, documentados, investigados com rigor. Sabem que a Petrobrás foi
saqueada, sabem dos milhões de dólares que foram repatriados. Não adianta cara
feia. Se isso fosse uma saída histórica, bastava saquear o País e dizer: não me
prendam porque senão vamos para as ruas gritar; não apareçam para protestar
porque estou bravo, viro uma jararaca.
Outro dia, o bispo auxiliar de Aparecida recomendou aos seus
fiéis pisarem na cabeça da jararaca. E um juiz condenou um adversário do PT a
pagar multa de R$ 1,00 por ter criticado o partido. E ironizou que é um partido
que tem a pessoa mais honesta de todas.
O bispo via a luta contra a jararaca como a luta entre o bem
e o mal. Quem se colocou como cobra venenosa foi o próprio Lula. E o fez num
recado para a Justiça. É uma declaração subconsciente de culpa: jararaca eu
sou, acontece que vocês não atingiram minhas funções vitais, sigo sendo uma
cobra venenosa.
Dilma reclamou de injustiça, mas até hoje não defendeu Lula
no mérito. Colaborou na forma: protestou pelo fato de a Lava Jato tê-lo levado
a depor debaixo de vara.
Inconscientemente, Lula pediu para ser destruído. O bispo
levou-o ao pé da letra. A Lava Jato certamente entendeu de outra forma. E optou
pela pesquisa. São os fatos que já existem e os que ainda não foram divulgados
que vão definir o destino do governo e de Lula.
Tanto parlamentares como juízes precisam saber claramente o
que a sociedade pensa. Não trabalham com pesquisa e, de qualquer forma, não se
antecipam nunca. São viciados no único estímulo: um sopro na nuca, de
preferência um vento bem forte, 100 km por hora.
Em outras palavras, a manifestação de domingo pode ser o
sopro que falta para romper o impasse político. Mas, de qualquer maneira, a
vaca já foi pro brejo. Não há horizonte com o governo Dilma, exceto empobrecer
mais, enquanto ela luta por se agarrar no cargo.
No domingo há, ainda, a chance de uma aproximação maior de
todos os que querem mudança. É fundamental que estejam próximos durante a
travessia até 2018. Esta, sim, já me preocupa mais que as bravatas de Lula.
Precisa de um mapa do caminho para recomeçar em 2018 com a economia recuperada
e um grau de consciência nacional que não deixe jamais o Brasil chegar ao ponto
a que chegou.
Essa é minha esperança. Por ela vou às ruas. Não para me
expressar, pois isso posso fazê-lo com liberdade na imprensa. Nem para flertar
com a política, interesses partidários ou eleitorais. Vou para a rua porque
acho que é o lugar onde devem estar todos os que queiram tirar o Brasil do
buraco e encerrar este triste episódio histórico.
Vou para a rua porque é onde devem estar todos os que
queiram tirar o Brasil do buraco.
Artigo publicado no Estadão em 11/03/2016
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