Da Época
Eles sabiam o furor que causariam naquela sexta-feira. Nem
por um instante subestimaram o que um avanço sobre um dos líderes políticos
mais importantes da América Latina provocaria na opinião pública, no meio
jurídico e no mundo político. Os integrantes da Lava Jato – delegados da
Polícia Federal, procuradores da República da força-tarefa e o juiz Sergio Moro
– chegavam ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, naquele 5 de março,
quase dois anos exatos após o início da operação, com cautela e preparo. “Tínhamos
de cruzar esse rubicão”, diz um dos líderes de Curitiba. “É onde as provas do
caso nos conduziram.” Naquela manhã, a
Lava Jato pôs na rua a 24a fase da operação, cruzando o rubicão enquanto parava
o país. Começava ali a fase mais difícil dos dois anos de investigação. A
depender da consistência dos pedidos de busca e apreensão e de condução
coercitiva do ex-presidente, a força-tarefa poderia angariar definitivamente o
apoio da opinião pública em torno das investigações. Ou transformar Lula em mártir.
A sobriedade e a segurança técnica eram essenciais para reafirmar o trabalho
realizado desde 2014.
Com isso no horizonte, embora, para alguns, houvesse
elementos que justificassem um pedido de prisão temporária do ex-presidente, os
procuradores optaram por pedir a condução coercitiva, medida menos gravosa,
mais proporcional e já usada 116 vezes ao longo da operação. Moro acatou. O
rebuliço foi imediato e alimentado pelo discurso furioso de Lula ainda naquela
tarde – reação que já era esperada pelos investigadores. O fim de semana foi de
extrema tensão em Curitiba.
Depois de a presidente Dilma Rousseff se dizer inconformada
com a “desnecessária” condução coercitiva de Lula, ela viajou, no sábado, ao
encontro do mentor. Moro soltou uma nota justificando sua decisão. Os
procuradores também. Pela primeira vez desde o começo da Lava Jato, a
presidente da República imiscuiu-se sem pudores num assunto de outro Poder.
Tentou transformar um caso criminal num assunto político, corroborando, em
palavras e gestos, o discurso de vitimização articulado por Lula e pelo PT.
Aquilo que os integrantes da Lava Jato mais temiam – o
questionamento sobre sua lisura jurídica e a acusação de que abusam da
autoridade que lhes cabe – parecia inevitável. Ainda assim, com o forte
conjunto de indícios contra o ex-presidente, Moro e os procuradores acreditavam
que a discussão jurídica prevaleceria e a operação seguiria seu curso
inabalável. Vieram, então, os três promotores do Ministério Público de São
Paulo, com um desarrazoado pedido de prisão de Lula, na quinta-feira. O
desastre desse erro de cálculo foi imediatamente sentido em Curitiba. Fez
superar, em muito, a tensão da semana anterior. “A juíza do caso deve negar,
mas até lá o estrago estará feito”, disse um dos principais membros da Lava
Jato. Tudo o que eles tentaram prevenir – o fluxo de combustível para a
retórica de Lula de que ele é perseguido politicamente e a dúvida sobre a
legitimidade da operação – foi posto em risco. E a Lava Jato chega a seus dois
anos com o desafio de impedir que o discurso de que há abuso de poder ganhe
força junto à opinião pública.
Eles sabem que será preciso, como nunca, reiterar a natureza
apartidária da investigação e o objetivo estratégico de começar a desmontar,
precisamente pela Petrobras, que era a maior empresa do país, o modo como a
grande corrupção funciona no Brasil. Eles querem pegar o sistema, não derrubar
políticos – muito menos governos. “A Lava Jato é muito maior que Lula”, dizem
dois investigadores veteranos. Trata-se de atacar, tecnicamente, com provas e o
bom uso das leis, a promiscuidade criminosa entre aqueles que corrompem (os
empresários) e aqueles que são corrompidos (os políticos). Trata-se, também, de
mudar, por meio de iniciativas como os
projetos de lei das dez medidas contra a corrupção, as regras que permitem o
jogo usual em Brasília – mas não só em Brasília. Trata-se, por fim, de
estimular que investigações semelhantes se multipliquem pelo país. Há muito a
avançar, sem dúvida, mas a cultura política, jurídica e econômica do país está
mudando, ainda que lentamente. Basta perguntar aos políticos de Brasília. “O
jogo mudou de vez”, diz um dos
principais líderes do Congresso, que conhece o jogo como poucos. O jogo,
no caso, é a corrupção que costumava governar as decisões políticas de
Brasília.
O avançar da Lava Jato e o reforço de sua credibilidade
estão fortemente depositados nas novas delações premiadas que vêm sendo
negociadas (leia ao lado). A grande maioria delas tem o potencial de confirmar
as vertentes essenciais da investigação e de promover um desfecho para as
apurações do petrolão. O pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, é um dos
que trabalham em um acordo para falar e, assim, diminuir a própria e iminente
punição. O casal de publicitários do PT, João Santana e Mônica Moura, está
tentado. Os executivos do topo das empreiteiras já compreenderam que há poucas
saídas que não a colaboração. Os da Andrade Gutierrez começaram a entregar, na
semana passada, documentos que, de acordo com as propostas de delação, podem
comprometer gravemente a campanha de reeleição de Dilma – e uma pessoa próxima
a ela.
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