Da Veja
Embora a jararaca seja uma serpente endêmica na América do
Sul, nenhum outro país do continente além do Brasil tem uma jararaca como Luiz
Inácio Lula da Silva. "A jararaca está viva", disse o ex-presidente
há duas semanas, logo depois de depor nas investigações da Lava-Jato, na
barulhenta condução coercitiva de que foi alvo. Na semana passada, a jararaca
provou-se realmente muito viva, mas em luta desesperada pela sobrevivência.
Jantou por três horas no Palácio da Alvorada com a presidente Dilma Rousseff, recorreu
ao Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar as investigações sobre seu
patrimônio, reuniu-se com líderes do PMDB em busca de uma saída política,
recebeu um convite para ser "ministro do foro privilegiado" e
terminou a semana ainda pior do que começou: denunciada por lavagem de dinheiro
e falsidade ideológica, e com um inédito pedido de prisão preventiva
apresentado à Justiça pelo Ministério Público de São Paulo. Sim, a jararaca
está viva, mas nunca esteve tão acuada.
A movimentação de Lula revela quanto sua situação se
deteriorou nos últimos dias, desde o depoimento que prestou à Polícia Federal,
no Aeroporto de Congonhas. Sua imagem, logo depois de falar por três horas e
meia aos agentes federais, apareceu num vídeo divulgado pela deputada Jandira
Feghalli, do PCdoB do Rio de Janeiro, no qual Lula vocifera palavrões ao
telefone, irritadíssimo com a pressão das investigações. Mas separe-se o joio
do trigo: o pedido de prisão apresentado pelos procuradores do Ministério
Público de São Paulo na semana passada é uma peça amadora, que em nada se
compara ao trabalho cuidadoso que vem sendo feito pelos investigadores da
Lava-Jato. O pedido de prisão produziu o milagre de reunir críticas uníssonas
de petistas, tucanos, juristas e palpiteiros em geral. Ele será analisado pela
juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São
Paulo, que tem fama de linha-dura.
São muitos os pecados atribuídos ao ex-presidente. Em
diferentes frentes, ele é acusado ou suspeito de corrupção, tráfico de influência,
lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Ou, substituindo o Código Penal
pelo bom português, é investigado sob a suspeita de se beneficiar do dinheiro
sujo do petrolão, o maior esquema de corrupção já investigado na história do
país. Diante de tantos e tão variados indícios de crimes, Lula desembarcou em
Brasília para pedir apoio a próceres da República. Seu plano é criar uma rede
de proteção capaz de contestar, constranger e intimidar os investigadores. Numa
reunião com Dilma Rousseff, exigiu empenho em sua defesa e alegou que
protegê-lo significa proteger o governo e o mandato da presidente, que treme à
sombra do impeachment em tramitação no Congresso. O recado foi claro: o destino
de um está atrelado ao destino do outro. Ou os dois se salvam, ou ninguém. O
raciocínio traz embutido um acerto de contas. Há tempos o criador reclama da
deslealdade da criatura, que insiste em transferir para Lula a responsabilidade
pelos escândalos. O petista tem alegado que Dilma arruinou a economia,
desarranjou a política e quer salvar-se da guilhotina com o discurso do combate
à corrupção.
Em mais de um cenário, Lula insinuou a Dilma que o melhor
caminho para ambos seria ele, Lula, assumir de vez as rédeas do governo. O
ex-presidente reclama para assessores que sua sucessora ouve seus conselhos,
finge que concorda, mas não executa o combinado. Daí a necessidade de uma
intervenção. Assim Lula tem resumido o balanço da relação com a presidente:
"A Dilma é ótima para ser mandada (por mim), mas uma tragédia para mandar
(nos outros)". Numa tentativa de mostrar poder, Lula quer agora os
ministérios da Justiça e da Fazenda sob a sua tutela. Ele defende há tempos a
nomeação para a Justiça de um político ou jurista experiente, como o
ex-ministro Nelson Jobim, que seja capaz de controlar a Polícia Federal com
pulso firme e manter um diálogo com os ministros dos tribunais superiores, a
quem cabe a palavra final sobre os escândalos de corrupção.
Da Fazenda, Lula espera uma guinada na política econômica,
com a adoção de medidas de incentivo ao crédito e ao investimento, a fim de
atenuar o mau humor da população. O PT considera a rua um ativo partidário e
conta com ela para defender o ex-presidente e sua pupila do risco de
impedimento. A pessoas próximas, Lula e seu ofidiário espalharam que o
ex-presidente foi convidado por Dilma para assumir um ministério. Lula se
sentiu comovido com o gesto, mas não aceitou nem recusou a oferta. No ano
passado, petistas já haviam defendido sua nomeação para a Casa Civil como forma
de lhe assegurar o direito a foro privilegiado. Na época, Lula classificou a
ideia de coisa de aloprado, uma vez que aceitá-la equivaleria a assinar uma
confissão de culpa. A situação, agora, é outra. O cerco dos investigadores está
cada vez mais próximo, e Lula, cujo instinto de sobrevivência é historicamente
aguçado, anda preocupado com sua família, que obviamente não seria beneficiada
pelo foro privilegiado.
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