Editorial, O Estado de S.Paulo
Se para punir suspeitos bastasse o “cheiro” de ilegalidade,
sem necessidade de provas, Luiz Inácio Lula da Silva já estaria há algum tempo
convivendo atrás das grades com os grandes empreiteiros de obras públicas com
os quais, durante e após seus dois mandatos presidenciais, manteve relações
ostensivamente promíscuas. Para Lula, porém, é auspicioso que o novo ministro
da Justiça, Eugênio Aragão, se declare franco adepto do método olfativo:
“Cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe será trocada,
toda. Cheirou. Eu não preciso ter prova”.
Só não é totalmente inacreditável que o ministro da Justiça
tenha feito essa declaração, em entrevista à Folha de S.Paulo, porque cheira
forte que alguém com a truculência sob medida tenha sido colocado na importante
pasta por imposição de Lula e do PT exatamente para criar obstáculos à Operação
Lava Jato. Como primeira consequência da posse do ministro que confia no
próprio olfato para cumprir a missão que lhe foi confiada pelo lulopetismo, já
no fim de semana passou a impregnar o ambiente político em Brasília o forte
odor de que a intervenção na Lava Jato começaria pela troca do diretor da
Polícia Federal (PF). Ontem, o Ministério da Justiça divulgou nota desmentindo
que o chefe da PF, Leandro Daiello, esteja ameaçado de demissão, mas apurou-se
que o Planalto teria estabelecido um prazo de 30 dias para sua substituição.
Daiello comanda a PF desde 2011, escolhido pelo então
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Este deixou de ser ministro porque
Lula e toda a tigrada petista o acusavam de não ter “pulso forte” para impedir as
“arbitrariedades e injustiças” cometidas pela PF, principalmente a partir do
momento em que o ex-presidente passou a ser alvo de investigações. Se a
presidente Dilma Rousseff não teve força política para manter no cargo um
ministro de sua estrita confiança, o que dizer do chefe da PF? A bombástica
declaração de Eugênio Aragão logo após sua posse soa como destinada a
tranquilizar os responsáveis por sua nomeação. Resta saber até que ponto ele
está realmente disposto, para agradar a seus padrinhos, a intervir na Lava
Jato, que a maioria absoluta dos brasileiros enxerga como um símbolo intocável
da luta contra a impunidade dos poderosos e que, dessa perspectiva, passou a
ser forte elemento de aglutinação das manifestações populares contra o governo.
Dilma e Lula sabem o risco político que representa, pela
forte e inevitável repercussão nas ruas, mexer com a Lava Jato. Mas
aparentemente o ex-presidente, que hoje tem sob seu comando as articulações
políticas do governo, considera mais urgentes e prioritárias as medidas
destinadas a impedir que a PF bata à sua porta com um mandado de prisão. Essa,
aliás, é a principal razão, comprovada pelas gravações divulgadas pela PF, da
tentativa de nomeação do ex-presidente para a chefia da Casa Civil, cargo que o
deixaria a salvo da “perseguição” do juiz Sergio Moro.
Pelo que se viu até agora, Eugênio Aragão na Justiça pode
ser o homem certo no lugar certo para blindar Lula da ação da Polícia Federal.
Mas mesmo para ele essa será uma tarefa ingrata do ponto de vista legal, dado o
acúmulo de evidências e provas contra Lula em relação ao patrimônio material
que acumulou a partir de suas notórias relações com os maiores empreiteiros de
obras públicas do País, das quais teriam resultado, como a Operação Zelotes
investiga, benefícios mútuos. “Controlar” essas investigações exige botar freio
na autonomia funcional que a Constituição garante aos policiais federais,
independentemente de sua subordinação hierárquica ao ministro da Justiça. A
este cabe apenas, segundo a Constituição, determinar as diretrizes e o
orçamento das operações policiais.
Pois Aragão, na mencionada entrevista, deixou claro que vai
impor “diretrizes” que, em última análise, significariam pura e simplesmente o
cerceamento das investigações. Fez isso ao manifestar desconfiança sobre a
maneira como o instituto da delação premiada é aplicado em Curitiba: “Na medida
em que decretamos prisão preventiva ou temporária em relação a suspeitos para
que venham a delatar, essa voluntariedade pode ser colocada em dúvida. Porque
estamos em situação muito próxima de extorsão. Não quero nem falar em tortura”.
Definitivamente, não cheira bem.
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