Do UOL
Depois de dez anos em alta, o valor médio do Bolsa Família
caiu em janeiro de 2016, em comparação ao mesmo mês do ano passado. O poder de
compra dos beneficiários do programa caiu 14% em 12 meses, a maior queda desde
que o programa federal atingiu a marca de 10 milhões de beneficiários, em 2006.
Esse número leva em conta o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo).
Em janeiro, o valor médio pago foi de R$ 161, R$ 6 a menos
que o valor pago 12 meses antes. No período, a inflação oficial foi de 10,67%.
A última vez em que houve queda nominal do valor médio foi entre janeiro de
2005 e janeiro de 2006. Segundo o governo federal, a queda neste ano deve-se ao
aumento de renda declarado dos beneficiários, que reduz o valor do benefício.
Atualmente, 13,9 milhões de brasileiros recebem o benefício.
O número se mantém estável desde 2015. O Bolsa Família é pago às famílias que
têm renda média mensal menor do que R$ 77 por integrante e estão classificadas
como "extrema pobreza". Os valores pagos, porém, variam de acordo com
o perfil das famílias. O cálculo do benefício depende do número de filhos até
17 anos e da presença de gestantes e nutrizes na composição da família.
Essa é a realidade de Maria Elizabete Nascimento, 57, que
sustenta 13 pessoas -- sete delas crianças--, mas, como teve o Bolsa Família
cortado em janeiro, vive com a ajuda de vizinhos. A família dela faz apenas uma
refeição no dia, ou o almoço ou o jantar. O cardápio é limitado: feijão ou
arroz com ovo.
Até o início do ano, ela recebia R$ 147 com o cadastro de
três netos no programa. Ao tentar sacar o benefício em uma casa lotérica, foi
informada que o pagamento havia sido bloqueado porque ela teria uma renda maior
que a exigida para continuar a receber o benefício.
Nascimento vende macaxeira e manga em uma barraquinha na
feirinha do Conjunto Cleto Marques Luz, no bairro Tabuleiro do Martins,
periferia de Maceió. Ela conta que só consegue apurar R$ 50 por semana com a
venda do saco de macaxeira, que compra ao preço de R$ 130. Já a venda das mangas
não dá R$ 10 semanais. São seis frutas por R$ 2.
"Não lembro quando foi a última vez que comi carne ou
jantei. A gente está vivendo do que as pessoas doam, mas, mesmo assim, aqui em
casa o pouco que temos só dá para uma refeição. Ou almoçamos ou jantamos, não
dá para as duas refeições. O meu aluguel, água e luz estão todos atrasados
porque fui pega de surpresa com o bloqueio do meu Bolsa Família", contou
ela ao UOL.
Família maior
Nascimento disse que procurou a Secretaria de Assistência
Social de Maceió para saber o motivo do bloqueio e lá consta que ela tem
"renda incompatível com o perfil dos beneficiários do programa". Ela
nega que a renda tenha aumentado. A família logo irá aumentar, pois uma nora
dela está grávida de seis meses.
"As crianças vão para a escola e a merenda é o almoço
delas. Quando não têm aula, elas ficam com fome até chegar a noite. Para o
jantar, faço papa de farinha com água e ponho água no leite para a mais nova,
Maria Vitória, de 1 ano e três meses. Quando conseguimos ossos, fazemos uma
sopa. A situação está difícil porque com R$ 200 não dá para nada numa casa com
13 pessoas. Emprego está difícil. Meu marido faz bico carregando metralha com
uma carroça, mas nem toda semana consegue apurar R$ 10", diz Edla Patrícia
Silva, 30, filha mais velha de Nascimento.
Pescador da colônia de Jatiúca, em Maceió, José Demilton
Gomes, 46, também teve o Bolsa Família bloqueado e vive com a ajuda de duas
irmãs para sustentar os dois filhos de 15 e 16 anos. Ele tinha o benefício
desde 2010 e a última vez que recebeu foi em setembro, no valor de R$ 172.
"Fiz o recadastramento e, quando fui receber o dinheiro
em setembro, saiu uma mensagem que o benefício tinha sido bloqueado. A pescaria
está cada vez mais difícil porque é muita gente no mar e pouco peixe que
conseguimos pescar. Passo sete dias no mar para conseguir R$ 70, R$ 100 e nem
toda semana consigo sair para pescar. Além disso, pagamos o aluguel do dono do
barco, o óleo do motor e a manutenção. Quando vamos contar o que realmente
apuramos, não é quase nada", relata Gomes. Para ajudar a completar a
renda, ele alugou a sala da casa para servir de garagem a um vizinho.
Beneficiários cortam supérfluos
Com o poder de compra caindo a cada ano, os beneficiários do
Bolsa Família estão se virando como podem para conseguir o alimento para casa.
Eles reclamam que além dos preços dos alimentos terem aumentado e não
conseguirem encher o carrinho com o mesmo valor que recebem, o que vem
sobrecarregando as despesas são a conta de energia e água.
A dona de casa Viviane da Silva França, 20, disse que a
conta da casa dela saltou de R$ 70 para R$ 100, com o último aumento ocorrido
na tarifa da Eletrobras Alagoas. Todas as noites, ela desliga a geladeira e só
volta a ligar o aparelho pela manhã, quando acorda e o gelo ainda não derreteu.
"Desligo a geladeira toda noite e só ligo a televisão à noite, na hora da
novela. Essa foi a forma que conseguimos economizar energia elétrica",
diz.
Mãe de seis filhos, Vera Lúcia Ambrósio, 40, recebe R$ 300
do Bolsa Família. Ela conta que nunca deixou de receber o benefício, mas diz
que não consegue mais comprar a mesma quantidade de itens da feira mensal como
antes. Ela conta que cortou os lanches, como achocolatados, biscoitos e
bolachas, para poder continuar comprando a mesma quantidade de feijão,
macarrão, arroz e carne.
"Meu marido ganha o salário mínimo trabalhando na
construção civil, mas somos oito aqui em casa. Estou vendendo manga aqui na
porta de casa para ajudar na despesa", conta Ambrósio. Quando ela está em
casa cuidando do almoço, o filho Rodrigo, 9, fica na banquinha tomando conta
das frutas. São três por R$ 1. Quando as mangas estão muito maduras e a família
não consegue vender, a fruta é aproveitada para fazer suco em casa.
"Ainda bem que meu marido está trabalhando, porque ele
toma o café da manhã e almoça na construção, isso já é uma despesa a menos na
casa", relata Ambrósio.
Explicação
O MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) justifica que o
número de beneficiários do Bolsa Família se mantém estável porque os números de
saída de famílias que melhoram a renda e a entrada de novas famílias com o
perfil para receber o benefício foram equivalentes. "A variação do
benefício médio no período entre janeiro de 2015 e janeiro de 2016 decorre do
aumento da renda declarada pelas famílias e de mudanças no perfil das famílias
beneficiárias. Como se sabe, o Bolsa Família paga um valor de superação da
extrema pobreza, que depende da renda declarada, obtida por seu trabalho."
O ministério destaca que, entre janeiro de 2011 e janeiro de
2016, o benefício médio do Bolsa Família aumentou 71,24%, contra 42,38% do
IPCA. "As correções têm sido feitas de forma a privilegiar as famílias em
situação de miséria e integradas por crianças pequenas e contribuíram para o
Brasil superar a extrema pobreza em 2014, de acordo com a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), recentemente divulgada pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística)."
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