Artigo de Fernando Gabeira
Começou a contagem regressiva para a queda de Dilma. Abril
será um mês terrível para o governo que, por sua vez, tentará transformá-lo em
terrível para todo o Brasil. Foi uma semana intensa de trabalho. Presenciei
alguns dos principiais episódios: saída do PMDB, entrega de dois milhões de
assinaturas pedindo dez medidas contra a corrupção e, sobretudo, as audiências
da Comissão do Impeachment.
Nela, os dados estão lançados. Há uma expressiva maioria a
favor da queda de Dilma. Só um milagre, desses bem poderosos, poderá mudar o
jogo. Sabendo previamente do resultado, os deputados jogam para cumprir tabela,
preocupados apenas em agradar sua plateia. Eles se enfrentam com cartazes,
contra ou a favor do impeachment. Quando isso acontece, de um modo geral, eles
querem dizer que não há muita discussão possível, nem grandes esperanças na
troca de argumentos. Se a vitória do impeachment é quase certa na comissão, a
contagem dos votos no plenário ainda não autoriza uma previsão tão nítida. O
governo sempre poderá atrair deputados não para o voto contra, mas para a
abstenção. É mais fácil negociar esta saída com eles. Não se desgastam tanto
com a opinião pública, podem apresentar uma desculpa.
Em quase todas as votações decisivas, um grande número de
deputados fica em seus gabinetes, à espera dos momentos finais. Os deputados
que vendem sua abstenção são mais sutis que os defensores abertos do governo.
Alguns deputados da base, sobretudo os do PT, não têm outro caminho, exceto
votar por Dilma. O máximo que pode acontecer é perder alguns votos, sem contudo
contrariar aquele núcleo para quem o voto pelo impeachment é uma traição. Estive
na reunião do PMDB que rompeu com o governo. Em cinco minutos acabaram com
cinco anos de relação. Não houve uma análise sobre o que os unia no passado e o
que os separa no presente.
Eles gritaram: “Brasil urgente, Temer presidente e fora PT”.
Na verdade, ninguém parecia preocupado com a saída do governo mas com seu lugar
no que seria instalado com a queda de Dilma. Estavam felizes como se não
houvesse amanhã, nem os novos passos da Lava-Jato. Na plateia, figuras
controvertidas como Newton Cardoso, ex-governador de Minas; na mesa, Eduardo
Cunha, cuja liberdade me faz duvidar da Justiça brasileira. O amanhã será
complicado. Os políticos tradicionais que pensam em se aproveitar do desastre
do PT para retomar o governo como se o Brasil fosse o mesmo do tempo de Sarney
vão levar um susto. De um lado, enfrentarão o próprio PT e movimentos sociais
ligados a ele, algo que me parece possível, se a democracia for usada com
inteligência. Mas o Brasil que emerge desse processo, com intensos debates nas
redes sociais, muito mais atento às peripécias da política, pode varrê-los do
cenário, sem piedade.
As pessoas amadureceram para compreender a tática, a
necessidade de organizar os passos intermediários para se alcançar um objetivo
a mais longo prazo. No momento, o foco é o governo do PT, suas pedaladas
fiscais, o rombo na Petrobras, a corrupção que se espraiou, o cinismo e a cara
de pau de seus líderes. Um governo de transição só pode ser estável se
equacionar bem suas relação com a Lava-Jato. Se escolher nomes de gente sob
investigação, vai demonstrar que pensa como o PT e o desalojou do poder apenas
para não partilhar com ele as benesses da mamata federal.
Não ter gente investigada é pouco. Será preciso também
definir, publicamente, sua norma para o futuro. Aliás, voltar a uma norma do
passado, quando existiam ainda vestígios de decência: no governo Itamar, as
pessoas investigadas saíam para se defender. Volto para a casa cansado,
escrevendo um pouco espremido no avião. O discurso da advogada Janaína
Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment, aponta, entre outras, duas
realidades interessantes para mim. A primeira delas é a de que há uma conexão
entre as pedaladas fiscais, decretos secretos, rombo no orçamento e a corrupção
que corroía o país. O dinheiro fantasiado nos planos de Dilma, era, de alguma
forma, o dinheiro que se roubava ou, simplesmente, se dilapidava com a
incompetência. Um outro ponto que me comoveu foi sua mensagem ao Parlamento:
somos apenas parte de um povo que, na realidade, sofreu um golpe, pois
analisava a realidade a partir do falso quadro desenhado pelo governo. A missão
das ruas é clara: descrever aos parlamentares uma situação em que o povo foi
roubado e enganado com fantasias eleitorais. O país sofreu um golpe. Sua única
saída é responder ao golpe com uma medida constitucional de autodefesa, que é o
impeachment.
Senti que grande parte dos parlamentares compreendeu o
cenário. Mesmo os que parecem não ter compreendido, caso de Renan Calheiros,
estão apenas fazendo cálculos sobre sua própria salvação. Não creio que exista
salvação para figuras como Cunha e Renan. A própria Justiça, cheia de dedos com
gente como eles, terá de levar a sério a tese de que a lei vale para todos.
Ninguém sai às ruas apenas para trocar de bandidos no poder.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 03/04/2016
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