Por 18 votos a oito, os deputados estaduais de Alagoas
decidiram, em votação no fim da tarde desta terça-feira (26), derrubar o veto
do governador Renan Filho (PMDB) ao projeto Escola Livre. Agora, os professores
são obrigados a manter "neutralidade" em sala de aula e estão
impedidos de "doutrinar" e "induzir" alunos em assuntos
políticos, religiosos e ideológicos, sob pena até de demissão.
A votação foi marcada por confusão no lado de fora, onde
manifestantes contrários e a favor do projeto assistiam à sessão. Logo no
início da discussão, o telão que apresentava a votação teve problemas e foi
desligado. Manifestantes tentaram invadir o plenário da Assembleia para
assistir à votação, mas a galeria já estava lotada. A polícia precisou conter
os manifestantes. O portão do legislativo foi destruído na confusão, mas não
houve relato de feridos.
O projeto Escola Livre, de autoria do deputado Ricardo
Nezinho (PMDB), foi aprovado em primeira e segunda votações, por unanimidade,
no dia 17 de novembro. Dois meses depois, em janeiro, o governador vetou
integralmente a lei, alegando inconstitucionalidade.
O veto à lei foi defendido pelo Sindicato dos Trabalhadores
em Educação. Segundo a instituição, Alagoas passa a ser o primeiro Estado do
país a ter uma lei nesse sentido que pune professores por opiniões em sala de
aula.
O veto do governador foi defendido pelo líder do governo,
deputado Ronaldo Medeiros (PMDB). "O professor, com essa lei, não vai
poder falar sobre a teoria de Darwin, pois, como se sabe ele, era ateu. E não
vai poder falar sobre a Reforma Protestante porque um católico pode
reclamar", afirmou.
Em sua fala, o deputado Ricardo Nezinho rebateu e garantiu
que o projeto não censura professores. "Fiquei pasmo ao saber que, após
sete meses tramitando aqui, passando por várias comissões, ninguém chegou para
discordar da proposição. É inadmissível, quase um ano depois, haver discussão
de censura, de mordaça de professor. O projeto vai em busca do bom professor,
que é 99% da rede", disse.
O deputado Bruno Toledo (Pros), um dos maiores defensores do
projeto, criticou a repercussão contrária e pediu a derrubada do voto em
"nome dos costumes." "Ninguém quer criminalizar aqui professor,
e rogo pela honestidade intelectual de quem está falando sobre o tema, que discuta,
que sugira que a gente tenta melhorar", disse.
O projeto
Segundo a lei que será promulgada, o professor deve manter
"neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado"; e fica
"vedada a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula,
bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam
induzir aos alunos a um único pensamento religioso, político ou
ideológico."
O professor também ficaria proibido de fazer
"propaganda religiosa, ideológica ou político-partidária em sala de
aula" e incitar "seus alunos a participar de manifestações, atos
públicos ou passeatas".
Além disso, determina ainda que, nas questões políticas,
socioculturais e econômicas, o professor deve apresentar aos alunos, "de
forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões,
teorias, opiniões e perspectivas das várias concorrentes a respeito,
concordando ou não com elas."
A lei também condiciona a frequência dos estudantes em
disciplinas optativas à "expressa autorização dos seus pais ou
responsáveis."
Para garantir a efetividade da lei, o projeto prevê punições
previstas no Código de Ética e no regimento único dos servidores, que estipula
até demissão.
A lei foi vetada integralmente pelo governador sob argumento
de que era inconstitucional. Para Renan Filho, ela prevê gastos com cursos de
capacitação, e é vedado aos deputados apresentarem projetos que criem novas
despesas ao Executivo.
Também foi contrária à ideia dos deputados. "A partir
do momento que se proíbe o professor de tecer qualquer consideração de natureza
filosófica, política e ideológica, sem qualquer parâmetro adequado, acaba-se
por tolher o amplo espectro de atuação do profissional da educação", diz o
veto do governador.
Repercussão
Segundo o doutor e professor em direito constitucional,
Othoniel Pinheiro, a lei é "totalmente inconstitucional" e pode ser
derrubada por meio de ações no STF (Supremo Tribunal Federal) ou TJ-AL
(Tribunal de Justiça de Alagoas).
"Essa lei tem vícios de iniciativa, porque mexeu na
atribuição da Secretaria da Educação de criar gastos. Já existe precedente
nesse sentido no STF, inclusive com uma lei de Alagoas. Na questão material,
ela é uma que restringe em demasia a liberdade de ensinar do professor, que é
prevista na Constituição. Ela fala que o professor não pode induzir um aluno a
um pensamento. O que seria induzir? Qualquer aluno ou pai vai poder dizer que o
professor está induzindo, e vai criar um problema desnecessário ao professor,
mesmo. Lei não deve ter conteúdo muito aberto, as definições devem ser
taxativas, e não é o caso dessa lei absurda", afirma.
Procurada, a assessoria do governador Renan Filho afirmou
que ele está em viagem, mas disse que ainda não há definição sobre se o governo
vai recorrer da aprovação da lei no judiciário.
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