Os últimos dias no Planalto têm sido marcados por momentos
de extrema tensão e absoluta desordem com uma presidente da República dominada
por sucessivas explosões nervosas, quando, além de destempero, exibe total
desconexão com a realidade do País. Não bastassem as crises moral, política e
econômica, Dilma Rousseff perdeu também as condições emocionais para conduzir o
governo. Assessores palacianos, mesmo os já acostumados com a descompostura
presidencial, andam aturdidos com o seu comportamento às vésperas da votação do
impeachment pelo Congresso. Segundo relatos, a mandatária está irascível, fora
de si e mais agressiva do que nunca. Lembra o Lula dos grampos em seus
impropérios. Na última semana, a presidente mandou eliminar jornais e revistas
do seu gabinete. Agora, contenta-se com o clipping resumido por um de seus
subordinados. Mesmo assim, dispara palavrões aos borbotões a cada nova e
frequente má notícia recebida. Por isso, os mais próximos da presidente têm
evitado tecer comentários sobre a evolução do processo de impeachment. Nem com
Lula as conversas têm sido amenas. Num de seus acessos recentes, Dilma reclamou
dos que classificou de “traidores” e prometeu “vingança”. Numa conversa com um
assessor, na semana passada, a presidente investiu pesado contra o juiz Sérgio
Moro, da Lava Jato. “Quem esse menino pensa que é? Um dia ele ainda vai pagar
pelo quem vem fazendo”, disse. Há duas semanas, ao receber a informação da
chamada “delação definitiva” em negociação por executivos da Odebrecht, Dilma
teria, segundo o testemunho de um integrante do primeiro escalão do governo,
avariado um móvel de seu gabinete, depois de emitir uma série de xingamentos.
Para tentar aplacar as crises, cada vez mais recorrentes, a presidente tem sido
medicada com dois remédios ministrados a ela desde a eclosão do seu processo de
afastamento: rivotril e olanzapina, este último usado para esquizofrenia, mas
com efeito calmante. A medicação nem sempre apresenta eficácia, como é possível
notar.
Em recente viagem a bordo do avião presidencial, um Airbus
A319, tripulantes e passageiros ficaram estupefatos com outro surto de Dilma.
Depois de uma forte turbulência, a presidente invadiu a cabine do piloto aos
berros: “Você está maluco? Vai se f...! É a presidente que está aqui. O que está
acontecendo?”, vociferou. Não seria a primeira vez que Dilma perdia o
equilíbrio durante um vôo oficial. No final de janeiro, o avião da presidente
despencou 100 metros, enquanto passava pela região entre a floresta Amazônica e
o Acre. O piloto preparava-se para pousar em Quito, no Equador. Devido ao
tranco mais brusco, Marco Aurélio Garcia, assessor especial, acabou banhado de
vinho e uma ajudante de ordens bateu levemente com a cabeça no teto da
aeronave. Copos e pratos foram ao chão, mas ninguém se machucou. A presidente
saiu de si. Na sequência do incidente, tratou de cobrar satisfações do piloto.
Aos gritos. “Não te falei para não pegar esse trajeto? Quer que eu morra de
susto, cace...?”. Os desvarios de Dilma durante os vôos já lhe renderam uma
reclamação formal. Em carta, a Aeronáutica pediu para que a presidente não
formulasse tantas perguntas sobre trajetos e condições climáticas nem
adentrasse repentinamente às cabines para não tirar a concentração dos pilotos.
A presidente não demonstra paciência nem mesmo para esperar o avião
presidencial seguir o procedimento usual de taxiamento. Um de seus assessores
lembra que, certa feita, Dilma chegou a determinar à Aeronáutica que reservasse
uma pista exclusiva para a decolagem de sua aeronave. Com isso, outros aviões
na dianteira tiveram de esperar na fila por horas.
O modelo consagrado pela renomada psiquiatra Elisabeth
Kübler-Ross descreve cinco estágios pelo qual as pessoas atravessam ao lidar
com a perda ou a proximidade dela. São eles a negação, a raiva, a negociação, a
depressão e a aceitação. Por ora, Dilma oscila entre os dois primeiros
estágios. Além dos surtos de raiva, a presidente, segundo relatos de seus
auxiliares, apresenta uma espécie de negação da realidade. Na semana passada,
um presidente de uma instituição estatal foi chamado por Dilma para despachar
assuntos de sua pasta. Chegou ao Palácio do Planalto, subiu ao terceiro andar e
falaram longamente acerca da saúde da empresa e especialmente sobre a economia
do Brasil e o contexto internacional. Ao final da conversa, observando o
visível abatimento do executivo, Dilma quis saber: “Por que você está
cabisbaixo?”. Franco, ele revelou sua preocupação com o cenário de impeachment
que se desenhava, especialmente com o então iminente rompimento do PMDB. Ao
ouvir a angústia do seu subordinado, que não está há muito tempo à frente da
empresa, Dilma teve uma reação que tem se repetido sistematicamente: descartou
totalmente a hipótese do seu impedimento. Ela exclamou: “Imagine, nada disso
vai acontecer. Já temos garantidos 250 votos na Câmara”. O executivo tentou
argumentar, mas foi novamente interrompido. A petista avaliou ser “até melhor”
o rompimento com o PMDB, assim teriam a chance de “refundar” o governo. O
presidente da instituição deixou a conversa completamente atônito. Considerou
inacreditável a avaliação da chefe do Executivo.
Outro interlocutor freqüente diz que a desaprovação recorde
junto aos eleitores é vista como mero detalhe pela presidente. “Que falta faz
um João Santana”, disse referindo-se ao marqueteiro preso e, principalmente,
conselheiro para todas as horas. Aos integrantes do núcleo político, Dilma
deixa transparecer que não lhe importa mais a opinião pública. Seu objetivo é
seguir no posto a todo e qualquer custo e, se lograr êxito, punir aqueles que
considera hoje seus mais ferozes inimigos. Especialmente os do Congresso. Na
tática do desespero oferece cargos e verbas para angariar apoios à sua causa,
não se importando com o estouro do orçamento e muito menos com o processo sobre
suas contas abertos nos órgãos de fiscalização e controle, como o TCU. Na
quarta-feira 30, chegou ao cúmulo de sugerir uma audiência com Valdemar Costa
Neto, do PR, para oferecer-lhe a indicação do ministério de Minas e Energia.
Ocorre que, hoje, Costa Neto apresenta dificuldades e limites de locomoção
devido ao uso de uma tornozeleira. Depois da gafe, o jeito foi recorrer a
emissários.
É bem verdade que Dilma nunca se caracterizou por ser uma
pessoa lhana no trato com os subordinados. Mas não precisa ser psicanalista
para perceber que, nas últimas semanas, a presidente desmantelou-se
emocionalmente. Um governante, ou mesmo um líder, é colocado à prova exatamente
nas crises. E, hoje, ela não é nem uma coisa nem outra. A autoridade se esvai
quando seu exercício exige exacerbar no tom, com gritos, berros e ofensas.
Helmuth von Moltke, chefe do Estado-Maior do Exército prussiano, depois de
aposentado, concedeu uma entrevista que deveria servir de exemplo para
governantes que se pretendam grandes líderes. Perguntado como se sentia como um
general invicto e o mais bem-sucedido militar da segunda metade do século XIX,
Moltke respondeu de pronto: “Não se pode dizer que sou o mais bem-sucedido. Só
se pode dizer isso de um grande general, quando ele foi testado na derrota e na
retirada. Aí se mostram os grandes generais, os grandes líderes e os grandes
estadistas”. Na retirada, Dilma sucumbiu ao teste a que Moltke se refere. Os
surtos, os seguidos destemperos e a negação da realidade revelam uma presidente
completamente fora do eixo e incapaz de gerir o País.
A maneira temperamental de lidar com as situações não é
nova, embora tenha se agravado nas últimas semanas. Desde o primeiro mandato de
Dilma, um importante assessor palaciano dedicou-se a registrar num livro de
capa preta as reprimendas aplicadas por Dilma em seus subordinados. Ele deixou
o governo recentemente por não aturar mais os insultos da presidente. A maioria
injustificável, em sua visão. No caderno, anotou mais de 80 casos ocorridos
entre 2010 e 2016. Entre eles, há o de um motorista que largou o automóvel
presidencial no meio da Esplanada dos Ministérios depois de ser ofendido
compulsivamente pela presidente e ameaçado de demissão por causa de um atraso.
“Você não percebeu que não posso atrasar, seu m...Ande logo com isso senão está
no olho da rua”, atacou Dilma. Consta também das anotações os três pedidos de
demissão de Anderson Dornelles, que deixou o Planalto no último mês sob fortes
suspeitas de ser sócio oculto de um bar localizado no estádio Beira-Rio de propriedade
da Andrade Gutierrez. Nas vezes em que ameaçou deixar o governo, alegou cansaço
dos destratos da presidente. “Menino, você não faz nada direito!”, afirmou ela
numa das brigas. O ministro da Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo,
também já experimentou a fúria da presidente. A irritação, neste caso, derivou
das revelações feitas pelo empresário Ricardo Pessoa, da UTC, sobre as doações
a sua campanha à reeleição em 2014. Participaram dessa reunião convocada pela
presidente, além de Cardozo, os ministros Aloizio Mercadante, Edinho Silva e o
assessor especial Giles Azevedo. Na frente de todos, Dilma cobrou Cardozo por
não ter evitado que as revelações de Ricardo Pessoa se tornassem públicas dias
antes de sua visita oficial aos Estados Unidos, quando buscava notícias
positivas para reagir à crise. “Você não poderia ter pedido ao Teori (Zavascki)
para aguardar quatro ou cinco dias para homologar a delação?”, perguntou Dilma
referindo-se ao ministro que conduz os processos da Lava Jato no STF. “Cardozo,
você fodeu a minha viagem”, bradou a presidente.
O episódio envolvendo Cardozo, no entanto, pode ser
considerado até brando se comparado às situações enfrentadas por duas
ex-ministras do governo, Maria do Rosário e Ideli Salvatti. Em 2011, ao debater
com Rosário o andamento dos trabalhos da Comissão da Verdade, àquela altura
prestes a ser criada pelo Congresso para esclarecer casos de violação de
direitos humanos durante a ditadura militar, Dilma perdeu as estribeiras: “Cale
sua boca. Você não entende disso. Só fala besteira”. Já Ideli conheceu o
despautério da presidente logo no dia seguinte à sua nomeação para as Relações
Institucionais. Quando ainda devorava jornais, Dilma leu uma reportagem em que
a titular da pasta fazia considerações sobre os desafios do novo trabalho. Não
gostou e deixou clara sua insatisfação: “Ideli, se na primeira coletiva você já
disse bobagens, imagine nas próximas”.
Publicamente, a presidente tenta disfarçar seu estado de
ânimo atual. Mas nem sempre é possível deixar transparecer serenidade quando,
por dentro, os nervos estão à flor da pele. Seus últimos discursos refletem a
tensão reinante nos corredores do Palácio do Planalto. Na quarta-feira 30,
Dilma converteu o evento de entrega de moradias da terceira fase do Minha Casa
Minha Vida em um palanque contra o impeachment. Na cerimônia, estiveram
presentes integrantes de movimentos sociais, como o MST. Os representantes,
—muitos deles chamados de última hora já que nenhum governador se dignou a ir
e, dos 300 prefeitos convocados, só oito compareceram —, foram acomodados em
lugares destinados a convidados, onde entoaram gritos de guerra pró-governo
mesmo antes de o evento começar. Os presentes chamaram o juiz Sérgio Moro, o
vice Michel Temer e a OAB de “golpistas” e bradaram o já tradicional “não vai
ter golpe”. Detalhe: o coro foi puxado pela militante travestida de presidente
da República.
As diabruras de “Maria, a Louca”
Não é exclusividade de nosso tempo e nem de nossas cercanias
que, na iminência de perder o poder, governantes ajam de maneira ensandecida e
passem a negar a realidade. No século 18, o renomado psiquiatra britânico
Francis Willis se especializou no acompanhamento de imperadores e mandatários
que perderam o controle mental em momentos de crise política e chegou a
desenvolver um método terapêutico composto por “remédios evacuantes” para
tratar desses casos. Sua fórmula, no entanto, pouco resultado obteve com a
paciente Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de
Bragança, que a história registra como “Maria I, a Louca”. Foi a primeira
mulher a sentar-se no trono de Portugal e, por decorrência geopolítica, a
primeira rainha do Brasil. O psiquiatra observou que os sintomas de sandice e
de negação da realidade manifestados por Maria I se agravaram na medida em que
ela era colocada sob forte pressão. “Maria I, a Louca”, por exemplo, dizia ver
o “corpo” de seu “pai ardendo feito carvão”, quando adversários políticos da
Casa de Bragança tentavam alijá-la do poder. Nesses momentos, seus atos de
governo denotavam desatino, como relatou doutor Willis: “proibir a produção de
vinho do Porto na cidade do Porto”. Diante desse quadro, era preciso que
ocorresse o seu “impedimento na Coroa”. Quanto mais pressão, mais a sua
consciência se obnubilava, até que finalmente foi “impedida de qualquer ato na
Corte”. Já com o filho Dom João VI no comando de Portugal, “Maria I, a Louca”
veio às pressas para o Rio de Janeiro com a Família Real diante da invasão de
Portugal. Aqui, ela tinha por hábito usar longos vestidos pretos e passava
horas correndo pelos corredores palacianos gritando palavrões desconexos.
Costumava acordar na madrugada e “berrava para seres imaginários descerem do
Pão de Açúcar” porque nele “morava o diabo”. A sua derradeira frase em
território lusitano pode ser interpretada como faísca de lucidez na loucura:
“Não corram tanto, vão pensar que estamos sendo tocados ou que estamos
fugindo”.
Antonio Carlos Prado
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