No momento em que o ministro Henrique Meirelles anunciava os
nomes de sua equipe, na última terça-feira, em Brasília, a economia real
expunha uma de suas facetas mais cruéis a uns poucos quilômetros da sede do
Ministério da Fazenda. Desde as 6 horas da manhã, jovens, muitos deles com
diploma universitário, formavam uma fila quilométrica para candidatar-se a uma
vaga de trabalho numa rede de restaurantes. Foram mais de doze horas de espera
debaixo de sol, depois de chuva, apenas para entregar um currículo que os
habilitaria a um salário que varia de 800 a 1 500 reais, dependendo da
qualificação, mais plano de saúde. É um microexemplo da grave situação que o
Brasil atravessa. Os jovens são parte de um contingente de 11 milhões de
desempregados, vítimas de erros em série na economia, uma dose cavalar de incompetência
e muita corrupção nos governos comandados pelo Partido dos Trabalhadores. Na
cerimônia, o novo ministro disse que tem pressa. Há realmente muito que fazer
e, antes disso, muito a ser desfeito. As primeiras auditorias oficiais mostram
que o descontrole e a falta de transparência na governança da presidente
afastada Dilma Rousseff não eram lendas criadas pela oposição, mas realidades
amargas.
O exemplo mais evidente é o tamanho do rombo previsto para
este ano nas contas públicas. Em apenas uma semana de inspeção, o buraco dobrou
de tamanho. O governo Dilma pediu autorização ao Congresso para fechar o ano de
2016 com um rombo de 97 bilhões de reais. Esse descompasso assustador está na
origem do caos econômico. A situação, porém, é muito pior. Primeiro, o governo
estimou o rombo em 160 bilhões de reais (veja a tabela na pág. 53). Na
sexta-feira, depois de novo cálculo, o rombo subiu para 170 bilhões de reais.
Como se vê, Meirelles e sua equipe terão pela frente um desafio maiúsculo. O
ministro já anunciou que pretende sanear as contas enfrentando as resistências
a reformas importantes, como a da Previdência. As projeções do próprio governo
mostram que, em trinta anos, o rombo do INSS, hoje de 133 bilhões de reais, vai
aumentar quase vinte vezes, e deve superar a barreira dos 200 bilhões de reais
já em 2020. Se nada for feito, os jovens de hoje, incluindo os 3 000 que
disputam o emprego no restaurante em Brasília, poderão ficar sem os benefícios
num futuro próximo.
Exemplos de má gestão estão emergindo em praticamente todos
os órgãos federais. No Ministério das Relações Exteriores, a dívida ultrapassa
os 800 milhões de reais. A conta inclui os repasses aos consulados, a ajuda de
custo dos diplomatas (muitos tiveram de contrair dívidas para pagar aluguéis) e
os pagamentos de organismos internacionais aos quais o Brasil é associado. Nos
ministérios dos Transportes e das Cidades há bilhões de reais em despesas
autorizadas sem os recursos em caixa para quitá-las. O governo petista também
deixou bombas armadas nas principais empresas estatais. Dá-se como certo entre
os analistas do mercado financeiro que as estatais precisarão receber uma
injeção de dinheiro público. Do contrário, não terão condições de honrar suas
dívidas. A agência de classificação de risco Moody's calcula que será
necessário cobrir um rombo monumental, de valor estimado entre 300 bilhões e
600 bilhões de reais. Na semana passada, já como consequência do descontrole, a
Bolsa de Valores de Nova York impediu a negociação de ações da Eletrobras. O
balanço da estatal é tão nebuloso que a empresa contratada para auditá-lo se
recusou a fazê-lo.
Há outros problemas a enfrentar a curtíssimo prazo. Ao
perceber que o processo de impeachment era inevitável, Dilma Rousseff resolveu
dar uma última contribuição à irresponsabilidade administrativa: demarcou
terras indígenas em áreas de conflito, concedeu reajustes salariais impagáveis,
nomeou aliados para cargos de confiança, liberou verbas a aliados do governo e
anunciou medidas que ela própria sabia carecerem de financiamento. Ministros
encontraram a contabilidade quebrada, com milhões de reais em dívidas com
fornecedores, obras atrasadas e um emaranhado de nomeações de militantes
petistas para cargos de terceiro escalão. "Estamos suspendendo um número
absurdo de empenhos e de liberações que foram feitas nas últimas semanas. Há um
punhado de nomeações que beiram a irresponsabilidade e uma série de outras
coisas", diz o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, que,
depois de vasculhar os arquivos da sua pasta, descobriu quase 1 000 cargos de
confiança abertos pelo antecessor, o petista Ricardo Berzoini - metade dos
quais, segundo ele, ocupada por fantasmas.
Num espaço de dez dias que antecedeu o seu afastamento, a
presidente anunciou o aumento do benefício do programa Bolsa Família, a
construção de 11 000 moradias do programa Minha Casa, Minha Vida -Entidades e o
reajuste salarial em massa para quase 75 000 servidores. A bandalheira é
justificada pelos petistas como uma inteligente estratégia política - forçar os
novos ministros a cancelar as medidas generosas e alimentar uma agenda
negativa.
O deputado tucano Bruno Araújo teve de desarmar a armadilha.
Assumiu o Ministério das Cidades tendo como primeiro ato a suspensão da
construção de milhares de moradias populares anunciada - sem previsão
orçamentária - por Dilma. No dia seguinte, os movimentos de sem-teto divulgaram
protestos contra o governo. A mesma casca de banana foi deixada no caminho do
ministro do Planejamento, Romero Jucá. Ele foi obrigado a comunicar a revisão
de reajustes salariais concedidos por Dilma. Algumas categorias já planejam
greves.
No Ministério da Justiça, Alexandre de Moraes, o novo
ministro, assumiu o cargo enfrentando protestos de índios contra a revisão da
demarcação de terras realizada pela Funai um dia depois do afastamento de
Dilma. As arapucas também se estendem à desapropriação de fazendas para a
reforma agrária decretada no apagar das luzes, o que, evidentemente, deu ao
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) argumentos para acusar o governo
de ter se rendido aos latifundiários. As lideranças já organizam protestos e
invasões. O amplo pacote de "bondades" também incluiu o reajuste na
tabela do imposto de renda, algo que até pode ser considerado justo, mas, neste
momento de arrocho, terá o efeito de sugar mais 5 bilhões de reais do combalido
Tesouro Nacional. O presidente interino Michel Temer deve apresentar nesta
semana a primeira radiografia do governo. Vai denunciar o que ele considera uma
operação de sabotagem e anunciar as medidas que serão implementadas para
reverter o caos.
A nova equipe econômica terá alguns dos maiores
especialistas em finanças públicas do país - e, até recentemente, críticos
impiedosos dos descaminhos do governo. Henrique Meirelles, ex-presidente do
Banco Central na administração Lula, já deixou evidente logo nos primeiros atos
que fará uma assepsia nas empresas estatais. Para chefiar a Petrobras, o
epicentro do maior escândalo de corrupção da história, o ministro nomeou o
economista Pedro Parente, que ocupou o cargo de ministro do Planejamento e
depois chefiou a Casa Civil no governo FHC. Ao aceitar o cargo na Petrobras,
Parente reforçou a necessidade de uma gestão técnica e disse que não haverá
mais indicações políticas para a diretoria da estatal. Foi a exigência do
ex-ministro para aceitar o posto. O BNDES, um dos responsáveis pelo rombo nas
contas públicas, será comandado por Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente
da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A executiva tem experiência em
privatizações - e a venda de ativos do setor público, além do indesejado
aumento de impostos, é uma das saídas estudadas para levantar recursos e abater
a dívida pública.
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