Marcus Pestana, O Globo
O país está de pernas para o ar. A combinação da mais grave
recessão desde 1929 com o maior escândalo de nossa história, desvendado pela
Lava-Jato, e seus desdobramentos políticos tem efeito devastador e decreta a
falência do atual sistema político.
Não se troca presidente da República como se troca de
camisa. Um impeachment é sempre traumático, deixa feridas e cicatrizes. Mas não
há nenhum golpe em curso. Crimes fiscais, eleitorais, morais e de obstrução da
Justiça foram cometidos. E a lei é para todos. O processo é absolutamente
constitucional, e o país saberá construir seu futuro sem retrocessos.
Hoje, a distância abissal que existe nas sociedades
contemporâneas entre as pessoas e sua representação política é agravada, no
Brasil, pela corrupção sistêmica e institucionalizada e por um sistema político
disfuncional e irracional. Há visível esgotamento e uma inviabilização clara do
chamado “presidencialismo de coalizão”, transformado em “presidencialismo de
cooptação”, onde a dinâmica movida a chantagens, concessões e cooptação dita o
ritmo da República.
Isto, somado a um sistema de financiamento da atividade
política vulnerável e ao império da demagogia, do populismo e do
corporativismo, impede a aprovação das reformas necessárias e inadiáveis para
que o Brasil saia da crise.
Embora seja falso afirmar que a corrupção e a crise são
culpas do sistema, em grande parte nossas mazelas se devem a regras políticas
muito ruins, que norteiam nosso processo decisório coletivo.
Como abordar temas complexos e polêmicos num plenário da
Câmara com inacreditáveis 27 partidos políticos? Como obter a confiança da
sociedade quando até as doações legais foram demonizadas e criminalizadas? Como
estabelecer controles sociais sobre os mandatos se, segundo as pesquisas, 70% dos
brasileiros não sabem sequer citar o nome de seu deputado?
A atual crise repõe a necessidade urgente de retomar a
discussão sobre a reforma política. Após a Lava-Jato, o financiamento público
exclusivo é quase uma imposição no Brasil. Mas ele só é viável se tivermos a
mudança do sistema eleitoral, só é possível com a introdução do voto distrital
como nos EUA e no Reino Unido, ou da lista partidária, como na Itália, Espanha
e Portugal. Ou do modelo misto da Alemanha ou Coreia do Sul. Com a cláusula de
desempenho para assegurar representação parlamentar, na Alemanha a exigência é
de 5% dos votos nacionais.
Mas aí nos vemos no espelho diante de nossa armadilha
existencial. A vida e a sociedade, cansadas de escândalos e ansiosas por
mudanças, reclamam alterações radicais. Mas o sistema apegado ao status quo não
se autorreformará. E dizem juristas conceituados que Constituinte exclusiva não
faz sentido em plena vigência de uma Constituição democrática.
Ou seja, estamos diante de um verdadeiro enigma da esfinge:
decifra-me ou devoro-te. A democracia brasileira, duramente conquistada, não
pode se render a este impasse.
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