Editorial, O Estado de S.Paulo
Já não há quem se surpreenda com a prisão de mais um figurão
do PT, ex-ministro de Lula e de Dilma, por envolvimento em corrupção. A
acusação que pesa sobre Paulo Bernardo e seus cúmplices, no entanto, é
excepcionalmente grave não pelo fato de tratar-se de mais uma velhacaria urdida
com o objetivo de alimentar o propinoduto que durante tantos anos financiou o
lulopetismo, mas porque a natureza dessa trama criminosa é particularmente
perversa do ponto de vista social: obrigava funcionários públicos de baixa
renda – os principais usuários do crédito consignado – a contribuir
compulsoriamente para abastecer os cofres do PT e rechear o bolso de
espertalhões como o ex-ministro do Planejamento e também das Comunicações. A
Operação Custo Brasil, congênere da Lava Jato, desvela assim mais uma sórdida
tramoia do peculiar modo lulopetista de promover a defesa dos interesses dos
trabalhadores.
O esquema armado pelos sequazes de Paulo Bernardo para
roubar mais de R$ 100 milhões dos funcionários públicos revela uma criatividade
e eficiência que o PT jamais conseguiu demonstrar para administrar ou impedir a
crise econômica em que afundou o País. De acordo com a Polícia Federal (PF),
sem nenhuma necessidade ou função senão a de armar o propinoduto, uma
empresa-companheira, a Consist Software, foi contratada pelo Ministério do
Planejamento, mediante licitação dirigida, para gerenciar os empréstimos
consignados aos servidores públicos. Para isso cobrava uma taxa de cerca de R$
1,00, debitada mensalmente na folha de pagamento do tomador do crédito,
independentemente do valor do empréstimo. A Consist ficava com menos de um
terço desse valor, como pagamento pelo serviço prestado. O restante virava
propina, a maior parte cabendo ao PT, de acordo com distribuição que era feita
pelo então tesoureiro do partido, hoje encarcerado, João Vaccari Neto. Para
Paulo Bernardo cabia uma comissão que era inicialmente de quase 10% e com o
tempo foi sendo reduzida.
Surpreendidos pela forte repercussão que a Operação Custo
Brasil teve desde logo na mídia e nos círculos políticos, com a desfaçatez
habitual os petistas partiram imediatamente para a ofensiva alegando, como
vociferou o senador Lindbergh Farias, que a prisão de Paulo Bernardo teve
“evidente motivação política”, destinada a desviar a atenção dos problemas que
o governo interino está enfrentando pelo fato de em menos de um mês três
ministros de Michel Temer terem sido demitidos. Ora, ao longo dos dois anos e
dois meses até agora decorridos desde o início de suas operações, a Lava Jato
jamais precisou de “motivação política” para levar uma legião de petistas e
políticos de outros partidos à barra dos tribunais. A “motivação” da prisão de
Paulo Bernardo foi exatamente a mesma que obrigou os três ministros do PMDB a
deixarem os cargos: bem fundamentadas suspeitas de corrupção.
Alegam também os petistas, eternas vítimas de um sistema
injusto que, não obstante, os manteve por mais de 13 anos no poder, que o juiz
que autorizou a operação abusou de seus poderes, usurpando prerrogativas da
Suprema Corte ao invadir o apartamento de Paulo Bernardo em Brasília, que na
verdade é propriedade do Senado Federal, cedido à mulher do investigado, a
senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). De acordo com esse ponto de vista, Paulo
Bernardo não tem foro privilegiado, mas a senadora, que é sua mulher, tem. Para
agir, portanto, a PF teria que ter sido autorizada pelo STF.
O argumento de abuso de autoridade – que instrui uma
representação que o presidente do Senado, Renan Calheiros, se apressou a
apresentar ao STF – pode até ter procedência, embora cada caso deva ser
considerado sempre com a cautela necessária para evitar, por exemplo, que o
foro privilegiado de cônjuges se torne o confortável refúgio de meliantes e
também para se evitar que apartamento funcional receba tratamento privilegiado,
que deve ser atribuído a uma pessoa que recebe múnus de autoridade, e não a um
imóvel. De qualquer modo, essa é uma decisão que cabe à Suprema Corte tomar.
De resto, abuso de verdade, e claramente criminoso, é o que
comete quem não tem o menor escrúpulo para, em nome de interesses políticos e
da ganância pessoal, meter a mão no bolso de cidadãos indefesos.
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