Eram quase 7 da manhã da sexta-feira, dia 24, em Londres,
quando o premiê britânico, David Cameron, acompanhado de sua mulher, Samantha,
saía do número 10 da Downing Street, o icônico endereço oficial dos
primeiros-ministros britânicos, para discursar sobre o resultado do referendo
que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia (UE). O resultado final,
àquela altura, era irreversível: 17,4 milhões de pessoas votaram pela saída do
bloco europeu – uma derrota política que estava estampada na face de Cameron.
Com o rosto lívido e inchado, olheiras e semblante de derrota, Cameron anunciou
o resultado ao mesmo tempo que renunciou ao cargo de premiê.
Cameron, do Partido Conservador, passou os últimos meses na
campanha pela permanência do Reino Unido no bloco europeu. Por 51,9% a 48,1%, o
eleitorado britânico decidiu sair da UE. A imagem de quem perdeu de lavada uma
final de Copa do Mundo contrastava com o sorriso exultante e a alegria
desmedida de Nigel Farage, o loquaz líder do ultranacionalista Ukip, o Partido
para a Independência britânica, ferrenho defensor da saída do Reino Unido da
União Europeia. Duas horas antes da fala de Cameron, Farage já comemorava a
vitória que parecia impossível horas antes, quando as pesquisas e os primeiros
resultados indicavam a permanência do Reino Unido na UE. “O amanhecer está
trazendo um Reino Unido independente”, discursou Farage, sorriso largo, olhar
esfuziante, semblante vitorioso. “Esta será uma vitória para pessoas reais, uma
vitória para as pessoas comuns, uma vitória para as pessoas decentes. Lutamos
contra as multinacionais. Lutamos contra os grandes bancos comerciais. Lutamos
contra os grandes partidos. Eu espero que esta vitória derrube de vez este
projeto que falhou”, disse Farage.
A saída do Reino Unido da União Europeia, no entanto, nada
tem a ver com uma população simplesmente seguindo as promessas de um líder
carismático – algo que seria pouquíssimo inglês. Trata-se de algo bem mais
profundo e que tem a ver com um fenômeno mais amplo: a globalização. A mesma
globalização que tirou milhões da miséria e trouxe prosperidade a países
asiáticos, como China, Coreia, Tailândia e Vietnã, ceifou vários empregos nos
países mais ricos, principalmente entre a classe média baixa. A mesma
globalização facilitou a imigração. Os analistas ainda estão chocados para
explicar com detalhes o que aconteceu na Inglaterra, mas os primeiros números
mostram que grande parte do fenômeno tem a ver justamente com a imigração. À
direita, muitos ingleses não conseguem se integrar com outras culturas, como a
muçulmana. À esquerda, os sindicatos veem com preocupação a vinda dos
trabalhadores do Leste Europeu.
O voto pela saída, assim, ganhou em áreas afetadas por
processos ligados de alguma maneira à globalização de mercados, como a
desindustrialização e o desmonte de fontes de emprego tradicionalmente
importantes para os britânicos no século XX depois de sua modernização, como as
minas de carvão. A maioria dos eleitores pró-saída não tem o ensino superior
completo nem treinamento profissional formal e representa classes médias
baixas, com média salarial anual abaixo das 25 mil libras. “Nós temos grandes
diferenças entre classes sociais e educação entre quem votou pela permanência e
quem votou pela saída. Isso tem a ver com os impactos diretos da liberdade de
movimento e do livre-comércio, que tendem a beneficiar mais as classes médias e
altas e trazer prejuízos à classe trabalhadora”, diz James Tilley, professor de
política da Universidade de Oxford.
Leia a reportagem na edição da revista Época desta semana
que já está nas bancas.
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