sábado, 25 de junho de 2016

O BRADO BRITÂNICO

Da Época
Eram quase 7 da manhã da sexta-feira, dia 24, em Londres, quando o premiê britânico, David Cameron, acompanhado de sua mulher, Samantha, saía do número 10 da Downing Street, o icônico endereço oficial dos primeiros-ministros britânicos, para discursar sobre o resultado do referendo que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia (UE). O resultado final, àquela altura, era irreversível: 17,4 milhões de pessoas votaram pela saída do bloco europeu – uma derrota política que estava estampada na face de Cameron. Com o rosto lívido e inchado, olheiras e semblante de derrota, Cameron anunciou o resultado ao mesmo tempo que renunciou ao cargo de premiê.
Cameron, do Partido Conservador, passou os últimos meses na campanha pela permanência do Reino Unido no bloco europeu. Por 51,9% a 48,1%, o eleitorado britânico decidiu sair da UE. A imagem de quem perdeu de lavada uma final de Copa do Mundo contrastava com o sorriso exultante e a alegria desmedida de Nigel Farage, o loquaz líder do ultranacionalista Ukip, o Partido para a Independência britânica, ferrenho defensor da saída do Reino Unido da União Europeia. Duas horas antes da fala de Cameron, Farage já comemorava a vitória que parecia impossível horas antes, quando as pesquisas e os primeiros resultados indicavam a permanência do Reino Unido na UE. “O amanhecer está trazendo um Reino Unido independente”, discursou Farage, sorriso largo, olhar esfuziante, semblante vitorioso. “Esta será uma vitória para pessoas reais, uma vitória para as pessoas comuns, uma vitória para as pessoas decentes. Lutamos contra as multinacionais. Lutamos contra os grandes bancos comerciais. Lutamos contra os grandes partidos. Eu espero que esta vitória derrube de vez este projeto que falhou”, disse Farage.
A saída do Reino Unido da União Europeia, no entanto, nada tem a ver com uma população simplesmente seguindo as promessas de um líder carismático – algo que seria pouquíssimo inglês. Trata-se de algo bem mais profundo e que tem a ver com um fenômeno mais amplo: a globalização. A mesma globalização que tirou milhões da miséria e trouxe prosperidade a países asiáticos, como China, Coreia, Tailândia e Vietnã, ceifou vários empregos nos países mais ricos, principalmente entre a classe média baixa. A mesma globalização facilitou a imigração. Os analistas ainda estão chocados para explicar com detalhes o que aconteceu na Inglaterra, mas os primeiros números mostram que grande parte do fenômeno tem a ver justamente com a imigração. À direita, muitos ingleses não conseguem se integrar com outras culturas, como a muçulmana. À esquerda, os sindicatos veem com preocupação a vinda dos trabalhadores do Leste Europeu.
O voto pela saída, assim, ganhou em áreas afetadas por processos ligados de alguma maneira à globalização de mercados, como a desindustrialização e o desmonte de fontes de emprego tradicionalmente importantes para os britânicos no século XX depois de sua modernização, como as minas de carvão. A maioria dos eleitores pró-saída não tem o ensino superior completo nem treinamento profissional formal e representa classes médias baixas, com média salarial anual abaixo das 25 mil libras. “Nós temos grandes diferenças entre classes sociais e educação entre quem votou pela permanência e quem votou pela saída. Isso tem a ver com os impactos diretos da liberdade de movimento e do livre-comércio, que tendem a beneficiar mais as classes médias e altas e trazer prejuízos à classe trabalhadora”, diz James Tilley, professor de política da Universidade de Oxford.
Leia a reportagem na edição da revista Época desta semana que já está nas bancas.
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