Eugênio Bucci, ÉPOCA
As urnas deram uma sova no Partido dos Trabalhadores. O PT
despencou de 644 prefeituras para 256 – sem contar as sete que ainda vão disputar
no segundo turno. Há quatro anos, a sigla conseguiu 17,2 milhões de votos;
agora, foram apenas 6,8 milhões, o que representa uma quebra de 60%. É um baque
gigantesco, não só para o PT, mas para toda a esquerda brasileira.
Você pode dizer que a tragédia não foi completa. Entre as
256 prefeituras ainda sob a estrela vermelha figuram algumas poucas cidades de
algum peso, como a capital do Acre, Rio Branco. Você poderá dizer também que,
fora do partido de Lula, o PSOL tem Marcelo Freixo no segundo turno do Rio de
Janeiro. A essa altura, Freixo representa um alento para os que alimentam
esperanças em bandeiras igualitárias e humanistas para o Brasil. Mas, mesmo
assim, mesmo que a tragédia não seja completa, estamos falando de uma
catástrofe.
O PT sai disso com sua identidade em crise. Em tempo: o PT é
de esquerda? Os governos conduzidos por Lula e depois por Dilma abasteceram uma
turma de empreiteiras (e grupos empresariais agregados) que representam a
mentalidade mais retrógrada do capitalismo pátrio, baseada no compadrio, na
aversão à concorrência de mercado e na proteção governamental. Os dutos de
corrupção fartamente comprovados atestam que, no âmago desses governos, vigeu
um modelo de rapina que exauriu empresas públicas e vitimou a população mais pobre.
Isso lá é política de esquerda?
Chega a ser apavorante que alguns tenham considerado, por
tanto tempo, que dava para ser de esquerda e, ao mesmo tempo, jurar obediência
à ética do coronelismo parasitário. Os líderes dessa escola diziam que podiam
instrumentalizar as oligarquias endinheiradas em favor de “transformações
radicais” na sociedade. Incrível como enganaram tanta gente. Na verdade, eles
instrumentalizaram o discurso das tais “transformações radicais” em favor dos
cofres dos plutocratas primitivos – e dos seus próprios, é claro. Alegando
“usar” os setores “reacionários” do capitalismo brasileiro em favor dos
“pobres” e dos “oprimidos”, usaram os “pobres” para financiar o atraso.
E então? O PT é de esquerda? A conferir. Aliás, será que
podemos dizer que o PT é democrático em sua política interna? Se fosse um pouco
mais arejado, a sua direção já teria apresentado um pedido de renúncia e
estaria trabalhando na preparação de um congresso para entender o que se
passou, para fazer uma autocrítica profunda e pública e, finalmente, para
formular os caminhos para o futuro. Até agora, porém, não há notícia nenhuma
sobre isso. Os dirigentes continuam onde estão. Não há sinal de autocrítica,
não se conhece um único documento em que o PT reconheça com clareza afirmativa
os crimes cometidos em seu nome, assim como não se conhecem uma explicação e um
pedido expresso de desculpas por esses crimes. Por fim, não há nenhuma
convocação de um congresso partidário.
Só o que se tem é a devastação. Em 2014, o que emergiu das
urnas vai ganhando os contornos de uma desmoralização nunca vista da esquerda
em geral. Vivemos tempo em que o termo “esquerda” parece ter virado sinônimo de
corrupção, de incompetência, de empreguismo, de corporativismo, de demagogia e
de populismo irresponsável. Os áulicos ainda culpam “a conspiração da direita”
pelo vexame, mas erram também aí. A raiz da desmoralização não está nas más
intenções dos direitistas, mas na prática obstinada daqueles que agiram mal sob
o pretexto de que agiam mal pelo bem da esquerda.
Qual é a alternativa, então? O PSOL? Por vezes, as fantasias
socialistas do PSOL desprezam tanto a vida prática que a gente tem a impressão
de que o PSOL vive no mundo da PLua. Outras vezes, no entanto, a firmeza com
que o PSOL defende a ética na política acende uma esperança, uma vibração, uma
motivação renovadora entre seus eleitores. Já é alguma coisa, mas está longe de
ser suficiente.
Fora PT e PSOL, o que nos resta? O PCdoB, que nem sequer se
dignou a condenar com todas as letras os crimes de Stálin? Fica difícil, bem
difícil. Mas, de um jeito ou de outro, ainda não ficou impossível. Ainda existe
possibilidade de uma esquerda moderna no Brasil. É possível mesmo dizer que,
sem essa vertente, que poderá ser construída a partir da derrota humilhante de
2016, a vida política em nosso país não vai se aprumar. Ainda precisamos de uma
alternativa que seja capaz de igualar os seres humanos naquilo que a sociedade
de classes os diferenciou – e de diferenciá-los naquilo que a sociedade de massas
os igualou. Pode parecer muito, mas é viável.
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