segunda-feira, 17 de outubro de 2016

DÁ PARA O GASTO

Da ÉPOCA
Uma década atrás, em 2005, a economia do Brasil ia bem. Tão bem que ministros do governo Lula começaram a discutir formas de usar a fase de bonança para tornar as contas do país mais equilibradas – até porque, mesmo com crescimento, o gasto público não parava de aumentar. Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, sugeriu a criação de metas fiscais de longo prazo. “É pobre a discussão de que programas sociais dependem apenas de vinculação orçamentária”, afirmou. “O que tem feito os gastos sociais serem claudicantes no Brasil é o fato de não haver um equilíbrio fiscal de longo prazo.” Então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo disse ver “com bons olhos” a ideia de zerar o déficit nominal para diminuir a relação dívida/PIB – então em 50%. Ao zerar a diferença entre o que gasta e o que arrecada, o governo finalmente caberia dentro do orçamento. Poderia baixar impostos e juros, diminuindo assim seu peso sobre a sociedade. Para discutir o assunto, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao governo, agendou um debate público. No dia do evento, porém, Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, afirmou em uma entrevista que a ideia do déficit zero era “rudimentar”. “Pelo amor de Deus. Não dá”, disse. O debate foi cancelado. Nos anos de bonança, os gastos públicos continuaram a crescer. Em 2010, Lula elegeu como sucessora Dilma – a presidente que sofreu impeachment por crime de responsabilidade fiscal.
Uma década depois, o debate voltou. O governo Michel Temer enviou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, também conhecida como PEC do Teto. O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em primeira votação – ainda precisa passar por uma nova votação na Câmara e duas no Senado. A PEC propõe congelar as despesas do governo federal em valores reais (corrigidos pela inflação) por um prazo de dez anos, prorrogáveis por outros dez. “O objetivo da PEC é o mesmo da discussão da década passada, mas o modelo é diferente”, diz Marcos Mendes, assessor especial de Henrique Meirelles. Presidente do Banco Central em 2005, Meirelles é agora ministro da Fazenda. A meta é, novamente, controlar a dívida pública – que chegou a 73% do PIB, 30 pontos acima da média dos países emergentes. O caminho não é mais aproveitar a bonança. Afinal, o país vive a pior recessão já registrada. O governo propõe usar melhor o orçamento que já existe. Quer impor um limite às despesas, que crescem aceleradamente.
Tetos de gastos são comuns no mundo inteiro. Segundo um estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), entre 1985 e 2015, 29 países criaram 33 programas de contenção – entre eles o Brasil, com sua Lei de Responsabilidade Fiscal. “Concluímos que o desempenho fiscal é melhor em países que adotaram limites”, afirma o texto dos economistas Till Cordes, Tidiane Kinda, Priscilla Muthoora e Anke Weber. “Primeiro, as regras de gastos aumentam o grau de previsibilidade da política fiscal. Segundo, a existência de regras esteve relacionada à maior eficiência do investimento público.” Os pesquisadores afirmam que frear os gastos do governo central, como propõe Temer, se mostrou a mais eficaz das limitações adotadas.
O estudo mostrou que regras de contenção não são uma solução infalível. Elas são uma ferramenta para melhorar os gastos públicos. Apenas isso. Para funcionar, dependem de uma sociedade organizada. Em países mais acostumados a cumprir compromissos, como Estados Unidos, Canadá e Bélgica, durante os anos 1990, as regras de contenção de gastos deram certo – tão certo que puderam ser abandonadas conforme a disciplina fiscal foi recobrada. Já na Islândia e na Argentina, as regras foram desobedecidas até ser abandonadas de vez, na crise de 2008. Os pesquisadores identificaram, especialmente em países emergentes, casos em que a restrição de gastos levou ao corte de gastos públicos de “alta qualidade” – como investimentos que enriquecem o país ou evitam despesas ainda maiores. Isso não é motivo para desistir de adotar regras de contenção, como advogam os opositores da PEC do Teto. É motivo, sim, para a sociedade promover um debate qualificado sobre quais despesas podem – e quais não devem, em absoluto – ser cortadas. Os recursos são finitos. Sempre foram. A lei apenas torna isso óbvio. “Quando se aprova uma lei concedendo subsídios para algumas empresas, não se questiona se isso implicará falta de dinheiro para Educação. A PEC vai exigir realismo fiscal”, diz Marcos Mendes.
A duração de uma lei de teto divide opiniões mesmo entre quem é favorável à PEC. O projeto em discussão no Congresso prevê um prazo de dez anos, renováveis por outros dez. Meirelles não explicou por que escolheu dez, e não nove ou 11. “Não há como transformar um déficit primário de R$ 170 bilhões em superávit em um ou dois anos, depois de uma forte recessão”, diz o ministro. “Ajustes bem-sucedidos têm longa duração e enfoque de longo prazo.” O economista Felipe Salto, assessor do senador José Aníbal (PSDB-SP), concorda com a criação de um teto. Mas não por tanto tempo. “Fixar uma regra assim é como colocar a política fiscal e o país em piloto automático por período longuíssimo”, diz Salto. 
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