Da ÉPOCA
Uma década atrás, em 2005, a economia do Brasil ia bem. Tão
bem que ministros do governo Lula começaram a discutir formas de usar a fase de
bonança para tornar as contas do país mais equilibradas – até porque, mesmo com
crescimento, o gasto público não parava de aumentar. Antonio Palocci, então
ministro da Fazenda, sugeriu a criação de metas fiscais de longo prazo. “É
pobre a discussão de que programas sociais dependem apenas de vinculação
orçamentária”, afirmou. “O que tem feito os gastos sociais serem claudicantes
no Brasil é o fato de não haver um equilíbrio fiscal de longo prazo.” Então
ministro do Planejamento, Paulo Bernardo disse ver “com bons olhos” a ideia de
zerar o déficit nominal para diminuir a relação dívida/PIB – então em 50%. Ao
zerar a diferença entre o que gasta e o que arrecada, o governo finalmente
caberia dentro do orçamento. Poderia baixar impostos e juros, diminuindo assim
seu peso sobre a sociedade. Para discutir o assunto, o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), ligado ao governo, agendou um debate público. No dia do
evento, porém, Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, afirmou em uma
entrevista que a ideia do déficit zero era “rudimentar”. “Pelo amor de Deus.
Não dá”, disse. O debate foi cancelado. Nos anos de bonança, os gastos públicos
continuaram a crescer. Em 2010, Lula elegeu como sucessora Dilma – a presidente
que sofreu impeachment por crime de responsabilidade fiscal.
Uma década depois, o debate voltou. O governo Michel Temer
enviou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, também
conhecida como PEC do Teto. O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados,
em primeira votação – ainda precisa passar por uma nova votação na Câmara e
duas no Senado. A PEC propõe congelar as despesas do governo federal em valores
reais (corrigidos pela inflação) por um prazo de dez anos, prorrogáveis por
outros dez. “O objetivo da PEC é o mesmo da discussão da década passada, mas o
modelo é diferente”, diz Marcos Mendes, assessor especial de Henrique
Meirelles. Presidente do Banco Central em 2005, Meirelles é agora ministro da
Fazenda. A meta é, novamente, controlar a dívida pública – que chegou a 73% do
PIB, 30 pontos acima da média dos países emergentes. O caminho não é mais
aproveitar a bonança. Afinal, o país vive a pior recessão já registrada. O
governo propõe usar melhor o orçamento que já existe. Quer impor um limite às
despesas, que crescem aceleradamente.
Tetos de gastos são comuns no mundo inteiro. Segundo um
estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), entre 1985 e 2015,
29 países criaram 33 programas de contenção – entre eles o Brasil, com sua Lei
de Responsabilidade Fiscal. “Concluímos que o desempenho fiscal é melhor em
países que adotaram limites”, afirma o texto dos economistas Till Cordes,
Tidiane Kinda, Priscilla Muthoora e Anke Weber. “Primeiro, as regras de gastos
aumentam o grau de previsibilidade da política fiscal. Segundo, a existência de
regras esteve relacionada à maior eficiência do investimento público.” Os
pesquisadores afirmam que frear os gastos do governo central, como propõe
Temer, se mostrou a mais eficaz das limitações adotadas.
O estudo mostrou que regras de contenção não são uma solução
infalível. Elas são uma ferramenta para melhorar os gastos públicos. Apenas
isso. Para funcionar, dependem de uma sociedade organizada. Em países mais
acostumados a cumprir compromissos, como Estados Unidos, Canadá e Bélgica,
durante os anos 1990, as regras de contenção de gastos deram certo – tão certo
que puderam ser abandonadas conforme a disciplina fiscal foi recobrada. Já na
Islândia e na Argentina, as regras foram desobedecidas até ser abandonadas de
vez, na crise de 2008. Os pesquisadores identificaram, especialmente em países
emergentes, casos em que a restrição de gastos levou ao corte de gastos
públicos de “alta qualidade” – como investimentos que enriquecem o país ou
evitam despesas ainda maiores. Isso não é motivo para desistir de adotar regras
de contenção, como advogam os opositores da PEC do Teto. É motivo, sim, para a
sociedade promover um debate qualificado sobre quais despesas podem – e quais
não devem, em absoluto – ser cortadas. Os recursos são finitos. Sempre foram. A
lei apenas torna isso óbvio. “Quando se aprova uma lei concedendo subsídios
para algumas empresas, não se questiona se isso implicará falta de dinheiro
para Educação. A PEC vai exigir realismo fiscal”, diz Marcos Mendes.
A duração de uma lei de teto divide opiniões mesmo entre
quem é favorável à PEC. O projeto em discussão no Congresso prevê um prazo de
dez anos, renováveis por outros dez. Meirelles não explicou por que escolheu
dez, e não nove ou 11. “Não há como transformar um déficit primário de R$ 170
bilhões em superávit em um ou dois anos, depois de uma forte recessão”, diz o
ministro. “Ajustes bem-sucedidos têm longa duração e enfoque de longo prazo.” O
economista Felipe Salto, assessor do senador José Aníbal (PSDB-SP), concorda
com a criação de um teto. Mas não por tanto tempo. “Fixar uma regra assim é
como colocar a política fiscal e o país em piloto automático por período
longuíssimo”, diz Salto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário