Mais de sete anos após o Congresso em Foco revelar que
parlamentares utilizavam indevidamente a cota de passagens aéreas da Câmara e
do Senado para fins particulares, a Procuradoria da República na 1ª Região
denunciou, na última sexta-feira (28), 443 ex-deputados por uso indevido de dinheiro público. O crime atribuído a eles é de peculato, cuja pena varia de
dois a 12 anos de prisão em caso de condenação. O caso ficou conhecido, em
2009, como a farra das passagens.
Entre os ex-parlamentares denunciados, há representantes dos
principais partidos políticos do país e figuras de expressão nacional, como o
atual secretário do Programa de Parcerias de Investimentos do governo Michel
Temer, Moreira Franco, o prefeito reeleito de Salvador, ACM Neto (DEM), o
ex-ministro Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à Presidência da República. Os
ex-deputados Antonio Palocci (PT) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presos em razão
das investigações da Operação Lava Jato, também são alvos da Procuradoria.
Na lista dos denunciados não há qualquer parlamentar no
exercício do mandato ou ministro de Estado. Também não consta o nome do
presidente Michel Temer (PMDB), que cedeu sua cota de passagens à época para
viagem de turismo de familiares à Bahia, como mostrou o Congresso em Foco.
Quando o caso veio à tona, Temer presidia a Câmara dos Deputados. É que
congressistas, ministros e o presidente da República, entre outras autoridades,
só podem ser investigados e julgados no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse
caso, a denúncia só pode ser apresentada pelo procurador-geral da República,
Rodrigo Janot.
O governo discute, internamente, conceder cargo ou status de
ministro a Wellington Moreira Franco, um dos principais assessores de Temer,
desde que ele teve seu nome citado por investigados da Operação Lava Jato como
um dos beneficiários do esquema de corrupção na Petrobras. Moreira sempre negou
qualquer envolvimento com o caso.
ACM Neto disse, por meio de sua assessoria, que não utilizou
a verba indevidamente. Também por assessores, Moreira Franco afirmou que não
fez uso indevido da verba da Câmara: “Isso ficará claro”. O secretário também
negou que haja intenção do governo em dar a ele status de ministro. “Não há
qualquer estudo para que ele ganhe status de ministro. Moreira Franco considera
ideal o formato de secretaria-executiva para fazer deslanchar as concessões no
Brasil”, declarou a assessoria dele. Ciro Gomes enviou nota em que afirma estar
indignado por ter sido incluído em denúncia e diz que TAM esclareceu erro em
compra de passagens de sua mãe.
Nas mãos do TRF 1
As acusações contra os ex-parlamentares estão distribuídas
em 52 denúncias assinadas pelo procurador Elton Ghersel. Caberá ao relator, o
desembargador Olindo Menezes, preparar um voto recebendo ou rejeitando o pedido
do Ministério Público. O voto dele será levado para julgamento na 2ª Seção do
TRF 1. Caso a denúncia seja aceita, os ex-deputados viram réus e passam a
responder a ações penais. Nessa etapa, eles serão chamados a dar explicações e
se defender das acusações. Só, então, os políticos poderão ser julgados.
O prefeito reeleito de Belém, Zenaldo Coutinho (PSDB), o
ex-governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz (PT-DF), o ex-presidente da
Câmara Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e os ex-deputados Pedro Henry (PP-MT) e
Valdemar Costa Neto (PR-SP), condenados no mensalão, também estão entre os
denunciados.
Turismo com dinheiro público
O Ministério Público identificou que as passagens aéreas
foram utilizadas pelos ex-parlamentares denunciados para fins distintos do que
estabelecia o ato normativo que criou o benefício: basicamente, para que os
congressistas se deslocassem entre suas bases eleitorais e Brasília.
A farra das passagens foi publicada em série de reportagens
pelo Congresso em Foco, que revelou que centenas de deputados e senadores
viajavam pelo Brasil e pelo exterior com dinheiro público, muitas vezes para
passear, ou cediam suas cotas de bilhetes aéreos para terceiros, como parentes,
amigos e cabos eleitorais. Após a repercussão negativa do episódio, a Câmara
reviu as regras para tornar mais explícita a determinação de que a verba só
poderia ser usada para exercício da atividade parlamentar.
Como revelou este site, só na Câmara mais de 250 deputados
viajaram para fora do país com recursos públicos. Paralelamente, foram abertas
investigações para apurar um esquema de comércio ilegal de créditos aéreos
envolvendo assessores e parlamentares.
Para fazer as denúncias, a Procuradoria recebeu apoio da
Polícia Federal. Foram examinados 160 mil bilhetes aéreos pagos pela Câmara aos
deputados entre 2007 e 2009 às companhias Gol e TAM. Os gastos com esses
bilhetes chegaram a R$ 70 milhões em valores da época. Só com viagens
internacionais, foram 1.588 trechos, que saíram ao custo de R$ 3,1 milhões.
Outros R$ 64 milhões bancaram 112 mil voos nacionais. A principal dificuldade
dos investigadores, além do número elevado de passagens a examinar, foi saber
quais trajetos estavam relacionadas ao exercício da atividade parlamentar e
quais tinham propósitos particulares.
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