Nos corredores do QG da Lava Jato, em Curitiba, um dos
investigados é conhecido pela alcunha de “Sheik”. Trata-se do peemedebista
Henrique Eduardo Alves (RN), ex-ministro, ex-presidente da Câmara (2013-2014) e
um dos principais interlocutores do presidente Michel Temer. Dono de 11
mandatos consecutivos como deputado federal, e reconhecido como hábil
articulador, Henrique Alves já foi um dos políticos mais poderosos do País. Em
junho de 2013 chegou a ocupar a Presidência da República, na ausência de Dilma
Rousseff e Temer (leia mais na pág. 34). Com certeza teria lugar de destaque no
governo não fossem as descobertas feitas pela Lava Jato, que em junho passado
encontrou sua conta não declarada na Suíça. A existência da conta confirmou
delação premiada feita por diretores da Carioca Engenharia, que apontam Alves
como destinatário de propinas do Petrolão. A denúncia fez com que o
peemedebista perdesse o cargo de ministro do Turismo. Agora, documentos obtidos
por ISTOÉ não só confirmam a existência da conta na Suíça, como mostram a
milionária movimentação feita por Alves no exterior e revelam a trama urdida
pelo ex-ministro para tentar esconder o dinheiro mesmo depois de estar na alça
de mira da Lava Jato, o que, segundo procuradores, pode caracterizar crime de
obstrução de Justiça.
Os documentos encaminhados ao Brasil pelo Ministério Público
Suíço explicam por que os agentes o tratam como “Sheik”. Reúnem extratos
bancários e cartões de assinatura de contas. Eles mostram que, em março do ano
passado, quando o procurador geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou ao
STF os primeiros pedidos de investigações contra políticos, Henrique Alves
esvaziou sua conta no banco Merrill Lynch e transferiu os recursos para bancos
nos Emirados Árabes e no Uruguai. Na ocasião, Henriquinho, como é chamado pelos
mais íntimos, foi um dos citados em delações premiadas, mas não virou alvo
porque Janot entendeu que os indícios não eram suficientes para investigá-lo.
Em abril, logo depois de escapar da “lista de Janot”, Henrique Alves foi
nomeado ministro do Turismo pela então presidente Dilma. Deixou o cargo só em
junho deste ano, já na gestão de Michel Temer, depois de a Lava Jato se deparar
com a conta secreta na Suíça.
Da Suíça para Dubai
De acordo com movimentação bancária de Henriquinho, a qual
ISTOÉ teve acesso, em 30 de março de 2015, três dias após a imprensa noticiar
que ele seria indicado para o cargo de ministro do Turismo, Henrique desidratou
sua conta no banco Julius Bär (sucessor do Merrill Lynch), na Suíça. Transferiu
US$ 733.501,48 para uma conta bancária no Emirates NBD, instituição financeira sediada
em Dubai, nos Emirados Árabes. Considerando a cotação do dólar na época, o
valor equivalia a cerca de R$ 2,3 milhões. Outra parte do recurso ilegal, um
total de USD 137.500,00, cerca de R$ 600 mil na ocasião, já havia sido
repassada para um banco no Uruguai em fevereiro. Com essa manobra, Henrique
escapou de ter o dinheiro bloqueado na Suíça, atitude que tem sido adotada
pelas autoridades daquele País. A origem desses recursos seria, de acordo com
as investigações, pagamentos de propina feitos pela empresa Carioca Engenharia
em troca de obter recursos da Caixa Econômica Federal para a obra do Porto
Maravilha. Aberta em 2008, a conta foi fechada logo depois de os valores terem
sido transferidos para os Emirados Árabes, ainda no mês de março, segundo relatório
do próprio banco Julius Bär. Ainda não se sabe se o banco em Dubai foi o
destinatário final dos recursos ou se, de lá, circularam para outros caminhos.
O Ministério Ptúblico da Suíça transferiu a investigação
contra Henrique Alves para a Procuradoria Geral da República, no Brasil. As
informações chegaram oficialmente às autoridades brasileiras em abril deste
ano. Os investigadores ainda rastreiam o restante da movimentação dos recursos
do peemedebista no exterior. A conta no banco Emirates NDB aparece nos extratos
da Suíça como pertencente ao nome Al Hadeed. É possível, porém, que seja apenas
um laranja ou uma empresa offshore para esconder o real dono dos recursos. A
tática é muito comum: a própria conta de Henrique Alves na Suíça não está em
seu nome, mas sim no da offshore Bellfield Investment, sediada em Cingapura. Os
documentos de abertura da conta, porém, contêm passaporte do peemedebista,
assinatura e endereço: ele consta como o único “beneficiário econômico” dos
valores depositados. Nem Janot nem o Ministério Público da Suíça têm dúvidas de
que a conta pertença ao ex-ministro do Turismo e ex-presidente da Câmara. “Há
outros documentos em nome ou pessoais de Henrique Eduardo Alves, a exemplo de
carta de recomendação do Banco do Brasil e passaporte. Endereços constantes da
documentação, inclusive o funcional da Câmara dos Deputados, correspondem ao de
Henrique Eduardo Alves”, escreveu Janot.
Destino: Uruguai
As autoridades suíças atribuem a Henrique Alves a
responsabilidade pelo repasse do dinheiro aos Emirados Árabes. “Os valores
transferidos (pela Carioca Engenharia) à Bellfield, respectivamente a Alves
Lyra, posteriormente foram transferidos a contas no exterior pelo mesmo”,
escreveu o Ministério Público da Suíça. As outras contas às quais o documento
faz referência são pagamentos ao escritório uruguaio Posadas y Vecino,
contratado para cuidar da abertura e manutenção da conta no exterior. O Posadas
y Vecino também foi usado pelo ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para abrir
suas contas na Suíça, para as quais houve transferência de propina por negócios
na Petrobras, de acordo com as investigações. As contas no exterior
fundamentaram a prisão preventiva de Cunha, realizada no último dia 19 por
ordem do juiz Sérgio Moro.
A origem do patrimônio milionário de Henrique Alves no
exterior já foi rastreada e é um dos pontos que fundamentam a ação penal em
razão da qual ele e outros acusados se tornaram réus há duas semanas, sob
acusação de participarem de um esquema de corrupção para desviar recursos do fundo
de investimentos do FGTS, administrado pela Caixa. Henrique Alves e Eduardo
Cunha indicaram Fábio Cleto para uma vice-presidência da Caixa e,
consequentemente, uma cadeira no conselho do FI-FGTS. Lá, ele tinha o poder de
influenciar na liberação de recursos para as empresas. Segundo a delação de
Cleto, Cunha cobrava propina das empresas interessadas nos recursos da Caixa e
depois lhe avisava sobre quais investimentos poderiam ser liberados.
Foi um desses investimentos que beneficiou Henrique Alves,
segundo as investigações. Cunha teria indicado diversas contas no exterior para
o empresário da Carioca Engenharia, Ricardo Pernambuco Backheuser, pagar
propina referente à liberação de recursos do FGTS para as obras do Porto
Maravilha. Ricardo Pernambuco fez delação premiada e entregou aos
investigadores todas as transferências que fez fora do Brasil para pagar
propina a pedido de Cunha. Com o aprofundamento das investigações, as
autoridades suíças descobriram que uma das contas, identificada pelo nome de
Esteban García, era de Henrique Alves. A Carioca Engenharia fez transferências
para ele em outubro, novembro e dezembro de 2011, que totalizaram 833.113
francos suíços (equivalente a cerca de R$ 3 milhões, pela cotação atual). “Fica
comprovado que os pagamentos de propina de Backheuser a Cunha, conforme os seus
depoimentos, efetivamente foram efetuados a favor do acusado (Henrique Alves)”,
diz relatório do Ministério Público da Suíça. Segundo os delatores, não só a
Carioca, mas outras duas empresas envolvidas na obra, a OAS e a Odebrecht,
também fizeram pagamentos de propina pelo Porto Maravilha, mas esses repasses
ainda não foram rastreados.
Réu na justiça do DF
As autoridades da Suíça definiram Henrique Alves como
“político brasileiro do alto escalão que, como Cunha, pertence ao partido PMDB,
envolvido no escândalo Petrobras” e apontaram que as transações no exterior são
de valores provenientes de crime e configuram lavagem de dinheiro.
Além de ter se tornado réu na Justiça Federal do DF, pelo
caso da Caixa, Henrique Alves também é investigado em conjunto com Cunha em um
inquérito sob suspeita de receber propina da OAS na forma de doações oficiais
para sua campanha ao governo do Rio Grande do Norte em 2014. As provas são
mensagens obtidas no celular do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, que mostram
insistentes cobranças de Cunha para que o empreiteiro fizesse doações à
campanha do seu correligionário. Também há mensagens do próprio Henrique Alves
em que este promete favores à empresa, como interceder em processos em
tribunais de Contas. O caso estava no Supremo Tribunal Federal, mas tanto Cunha
como Henrique perderam foro privilegiado, o processo foi enviado para a
primeira instância.
Procurada, a defesa de Henrique Alves afirmou que ele não
foi o responsável por transferir os recursos para os Emirados Árabes e fechar a
conta na Suíça. Diz que ele nem sequer chegou a usar a conta. Em sua
argumentação, a defesa confirma que o peemedebista de fato abriu a conta por meio
do escritório uruguaio Posadas y Vecino, mas diz que não existem provas de que
Henrique deu ordens para a movimentação dos recursos. O advogado Marcelo Leal
ressaltou que não podia entrar em detalhes, porque “não seria elegante
antecipar a defesa fora dos autos”. Em sua decisão de 26 de outubro, na qual
aceitou a denúncia contra Henrique e os demais envolvidos, o juiz Vallisney de
Souza Oliveira, de Brasília, deu um prazo de dez dias para os réus apresentarem
suas defesas. Entretanto, esse prazo só começa a contar depois que eles forem
citados formalmente por um oficial de Justiça, o que ainda não ocorreu com
Henrique Alves.
Estratégia semelhante à levada a cabo por Alves a fim de
ludibriar a Lava Jato foi adotada por outros investigados. A atitude acabou
provocando a prisão preventiva deles. Esvaziar uma conta na Suíça é uma
tentativa de dificultar o rastreamento, porque aquele País tem adotado uma
postura de cooperação intensa com o Brasil. Para esconder os valores, é comum
que correntistas suíços – flagrados em malfeitos – recorram a outros países, a
exemplo do que fez Alves, na vã esperança de que o dinheiro permaneça oculto.
Neste caso, como em outros, os investigadores têm obtido mais sucesso. Ao
tentar enviar recursos ilegais da Suíça para Mônaco, o ex-diretor de Serviços
da Petrobras Renato Duque acabou preso pela segunda vez pelo juiz Sérgio Moro,
ironicamente também em março de 2015. O ex-diretor de Abastecimento da
Petrobras Paulo Roberto Costa também foi parar na cadeia em junho de 2014,
depois que a Suíça descobriu recursos de US$ 23 milhões pertencentes a ele em
contas secretas naquele País. Os precedentes atemorizam Henrique Alves. Seus
dias de liberdade podem estar contados.
A ascensão e queda de “Henriquinho”
Herdeiro político de uma das famílias mais tradicionais do
Rio Grande do Norte, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) foi eleito deputado
federal pela primeira vez em 1971, aos 21 anos. Embora nascido no Rio, toda sua
trajetória política foi construída a partir do solo potiguar. Passou pelo Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), filiou-se ao PP com o fim do bipartidarismo e, em
seguida, entrou no PMDB onde segue até hoje. Por 11 mandatos consecutivos
exerceu a função parlamentar, mesmo número de legislaturas acumuladas por
Ulysses Guimarães, seu correligionário. Em 2013, quando era presidente da
Câmara, chegou a assumir a Presidência da República, na ausência de Dilma
Rousseff e Michel Temer. O potiguar só deixou a Câmara para disputar, sem
sucesso, o governo do Rio Grande do Norte, em 2014, com o apoio do PT. Como
consolação, em abril de 2015 o peemedebista foi nomeado ministro do Turismo de
Dilma. Seu primo, o senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), também foi
ministro da Previdência ao nos primeiros quatro anos do governo da petista.
Grande aliado do presidente Michel Temer, rompeu com o PT
logo no início das articulações pró-impeachment. Em 26 de março de 2016, Alves
entregou sua carta de demissão a Dilma com o argumento central de que o diálogo
estava “exaurido”. No dia seguinte, o PMDB anunciaria a saída da base aliada do
governo. O potiguar recuperou o cargo com a posse ainda temporária de Temer,
mas ficou apenas 35 dias no cargo, após ser atingido em cheio pela delação do
ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Segundo o depoimento, Alves teria
recebido propina da OAS. O escândalo levou a uma nova renúncia do titular do
Turismo. Um mês após se demitir, virou réu.
O precedente de Paulo Roberto Costa
O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto
Costa, se complicou justamente por ter escondido recursos na Suíça. A Lava Jato
o prendeu pela primeira vez em março de 2014. Dias depois, Costa foi solto. Mas
os investigadores identificaram uma conta em nome dele de US$ 23 milhões na
Suíça. A descoberta motivou uma nova prisão de Costa em maio. Os valores foram
bloqueados pelo Ministério Público da Suíça e informados às autoridades
brasileiras. Costa só saiu da prisão depois de fazer um acordo de delação.
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